Julian Assange pode ganhar e não levar

"Apesar da decisão favorável de um grupo de trabalho da ONU, que definiu o refúgio de três anos e sete meses na embaixada do Equador em Londres como 'detenção arbitrária', Julian Assange, fundador do WikiLeaks, enfrenta o desafio de transformar a imensa simpatia que desfruta na internet em apoio político real para garantir seu direito à liberdade", escreve Paulo Moreira Leite, colunista do 247; leia seu artigo sobre o tema. Para PML, o desfecho do caso irá funcionar como um termômetro realista sobre o grau de liberdade das sociedades contemporâneas para conhecer os bastidores e mazelas da potência número 1 do Planeta.

"Apesar da decisão favorável de um grupo de trabalho da ONU, que definiu o refúgio de três anos e sete meses na embaixada do Equador em Londres como 'detenção arbitrária', Julian Assange, fundador do WikiLeaks, enfrenta o desafio de transformar a imensa simpatia que desfruta na internet em apoio político real para garantir seu direito à liberdade", escreve Paulo Moreira Leite, colunista do 247; leia seu artigo sobre o tema. Para PML, o desfecho do caso irá funcionar como um termômetro realista sobre o grau de liberdade das sociedades contemporâneas para conhecer os bastidores e mazelas da potência número 1 do Planeta.
"Apesar da decisão favorável de um grupo de trabalho da ONU, que definiu o refúgio de três anos e sete meses na embaixada do Equador em Londres como 'detenção arbitrária', Julian Assange, fundador do WikiLeaks, enfrenta o desafio de transformar a imensa simpatia que desfruta na internet em apoio político real para garantir seu direito à liberdade", escreve Paulo Moreira Leite, colunista do 247; leia seu artigo sobre o tema. Para PML, o desfecho do caso irá funcionar como um termômetro realista sobre o grau de liberdade das sociedades contemporâneas para conhecer os bastidores e mazelas da potência número 1 do Planeta. (Foto: Paulo Moreira Leite)


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Embora Julian Assange tenha recebido uma sentença favorável do Grupo de Trabalho das Nações Unidas sobre Detenções Arbitrárias, que concluiu que ele está preso ilegalmente na Inglaterra e foi perseguido injustamente pela Suécia, os antecedentes ensinam que será necessário enfrentar uma batalha política duríssima para que seja colocado em liberdade e autorizado a deixar a embaixada do Equador em Londres, onde se encontra refugiado há três anos e 7 meses. O problema é político.

A decisão é fruto de uma investigação de 16 meses e o Grupo de Trabalho tem antecedentes respeitáveis, envolvendo a denúncia de prisões sob ditaduras asiáticas. Também apurou o caso do jornalista Jason Rezaian, chefe do escritório do Washington Post em Teerã, preso pelo regime iraniano entre julho de 2014 até janeiro de 2016, quando foi incluído no pacote de negociações que encerraram o boicote ocidental ao Irã.

Mas tanto o governo britânico, que mantém a embaixada do Equador sob vigilância, como o governo da Suécia, que tem um mandato para que ele seja extraditado para responder a uma acusação de estupro que nunca foi clara nem convincente, já disseram que não pretendem seguir a decisão do Grupo de Trabalho. Podem fazer isso porque não é uma sentença de cumprimento obrigatório. É uma recomendação, de valor político inegável, mas de efeito prático duvidoso numa instituição que tem sido questionada e desobedecida com frequência, em especial quando suas deliberações atingem frontalmente o interesses dos Estados Unidos e seus aliados preferenciais, inclusive em questões votadas pela maioria dos países-membros, como a invasão do Iraque e a permanência de tropas de Israel em territórios palestinos.

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A acusação real contra Assange é ter divulgado um pacote de 250 000 documentos diplomáticos que demonstravam o envolvimento do governo dos Estados Unidos em crimes de guerra e corrupção, em especial no Afeganistão e no Iraque. Não foi um serviço solitário, diga-se. Ele contou com auxílio de seis entre os principais jornais do planeta, que traduziram, editaram e publicaram a documentação recebida, sem selecionar nem editar.

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Os resultados foram inevitáveis prejuízos políticos, militares e diplomáticos à política imperial norte-americana e seus aliados, entre os quais a Inglaterra, governada na época pelo trabalhista Tony Blair. Segredos e mentiras puderam ser desmascarados, impiedosamente -- o que é sempre útil ao debate público e à formação do cidadão comum. A denúncia sobre uso de tortura em centros clandestinos de interrogatório ganhou novo contexto e outra dimensão após revelações tão graves. O permanente esforço da diplomacia dos Estados Unidos para dar um aspecto civilizatório a sua intervenção em países estrangeiros ganhou uma nova fisionomia, mais realista, como nunca se vira antes. Você pode apoiar ou rejeitar a diplomacia dos EUA mas desde então passou a conviver com dados mais completos -- e até cruéis -- sobre suas implicações.  

Esta é a principal herança  -- política e cultural -- de Julian Assange e do Wikileaks, o que permite entender por que tenha se transformado em alvo de Washington, em sequência com o tratamento dado a Chelsea Manning, principal fonte da documentação. Atuando na área de informação militar, hoje Manning  cumpre sentença de 35 anos de prisão por traição. Antes do julgamento, enfrentou um regime que uma investigação da ONU -- mais uma vez! -- definiu como "desumana" e "degradante."

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Pelos antecedentes, o destino de Assange guarda semelhança com o enredo inicial de Daniel Ellsberg, que em 1971 ajudou a população dos Estados Unidos a conhecer os bastidores políticos e militares da Guerra do Vietnã pela revelação dos chamados Papéis do Pentágono, que mostravam que o governo Lindon Johnson havia "mentido sistematicamente" ao povo dos Estados Unidos e ao Congresso sobre o andamento do conflito.  Resta saber se haverá um desfecho semelhante.

Numa decisão que não era tomada desde a Guerra Civil (1861-1865), o New York Times foi submetido a censura judicial, até que medida foi derrubada em segunda instância, quando outros jornais, não atingidos pela proibição, passaram a publicar os papéis censurados.

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Num esforço para desmoralizar Ellsberg, o governo Richard Nixon reuniu o mesmo grupo de operadores clandestinos que mais tarde ficaria conhecido no escândalo Watergate, para procurar detalhes sobre sua vida privada, inclusive medicamentos psiquiátricos. Levado a um tribunal de primeira instância, Ellsberg foi impedido pelo próprio juiz de apresentar um ponto essencial de sua defesa, que era explicar porque considerava que não havia cometido nenhuma ilegalidade ao divulgar os documentos.

Com o risco de ser condenado a 135 anos de prisão com base numa lei contra espionagem de 1917 -- a mesma que pode ser usada contra Assange caso venha a ser extraditado para os EUA --, a sorte de Ellsberg só começou a mudar quando se descobriu a atividade dos operadores da Casa Branca. Soube-se inclusive que um deles, o inesquecível John Ehrlinchman se reuniu com o juiz do caso, a quem ofereceu um emprego de diretor do FBI, mas a oferta não foi aceita.

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Outro operador, chegou a preparar uma ação destinada a "neutralizar" Ellsberg. O plano, algo rocambolesco, consistia usar garçons ligados ao serviço secreto para misturar drogas alucinógenas em sua comida durante um jantar beneficiente. O plano não foi levado a cabo por um problema de datas. Em função das diversas delinquencias cometidas pelos auxiliares de Nixon que participavam da acusação, as denúncias contra Ellsberg foram retiradas.

 

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Episódios grandes e pequenos contribuíram para este desfecho, a começar pela oposição cada vez mais dura da juventude dos Estados Unidos a guerra do Vietnã e o enfraquecimento geral do governo Nixon, que levaria a sua renuncia, apenas um ano depois do julgamento de Ellsberg, quando o caso Watergate se tornou uma pressão irresistível.

Vitorioso pela decisão do Grupo de Trabalho, Assange e seus aliados necessitam transformar a imensa simpatia obtida pelo Wikileaks em força política real. Australiano, Assange recebeu nesta sexta-feira uma oferta de assistência consular por parte do governo de seu país, que até agora fazia o possível para ignorá-lo. Mas o Guardian, jornal que veiculou as principais denúncias do Wikileaks, liderando o grupo de veículos que republicaria os documentos em vários países, publicou um editorial criticando a decisão do grupo de trabalho da ONU. O jornal discordou da definição de "detenção arbitrária" aplicada ao caso de Assange. Mesmo admitindo que uma extradição para a Suécia possa ser utilizada para que Assange acabe conduzido a um julgamento desfavorável nos EUA, o jornal defende que ele se defenda da acusação de estupro, lembrando que uma delas só irá prescrever em 2020.

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O desfecho do caso, de qualquer maneira, irá servir como um termômetro capaz de medir o grau de liberdade real do homem contemporâneo para conhecer os segredos e operações obscuras que ajudam a entender o mundo do século XXI. Ao fazer um trabalho essencial para as democracia, Assange transformou sua própria liberdade numa questão essencial para seus contemporâneos.

  O ponto é esse.

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