Tortura na Casa Branca

"Ao declarar apoio aberto a tortura de cidadãos que o governo dos Estados Unidos considera como inimigos, Donald Trump não anunciou uma grande novidade. De uma forma ou outra, a maioria de seus antecessores sempre deu apoio a governos aliados que usavam a violência para interrogar prisioneiros", escreve Paulo Moreira Leite, articulista do 247. "A novidade é que nenhum presidente dos EUA apoiou a tortura de forma clara e despudorada, até porque se trata de crime punido pela legislação dos EUA e também pela ONU." Primeiro homem na cadeia de comando da principal máquina militar do planeta, a declaração de Trump equivale a um estímulo criminoso, um novo passo em direção à degradação da cultura política do século XXI"

U.S. President Donald Trump boards Air Force One for travel to Philadelphia from Joint Base Andrews, Maryland, U.S. January 26, 2017. REUTERS/Jonathan Ernst
U.S. President Donald Trump boards Air Force One for travel to Philadelphia from Joint Base Andrews, Maryland, U.S. January 26, 2017. REUTERS/Jonathan Ernst (Foto: Paulo Moreira Leite)


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Convém dedicar um minuto de reflexão -- e até um pouco mais -- diante das palavras de Donald Trump sobre a tortura de cidadãos que o governo dos Estados Unidos considera como seus inimigos.

Suas palavras: "Falei com oficiais dos serviços secretos e perguntei-lhes: Funciona? A tortura funciona? E eles responderam-me: Sim, absolutamente! Sim, quero trazer de volta a tortura. Quero manter o nosso país a salvo. Eu sempre obedeceria a lei, mas gostaria que a lei fosse expandida. Nós devemos usar algo mais forte do que o que temos agora. Hoje o waterboarding (afogamento simulado) não é permitido, até onde eu sei. Eu quero que, no mínimo, ele seja permitido".

Trump é hoje o primeiro homem na cadeia de comando da mais poderosa força militar do mundo, a quem todo soldado deve obediência – inclusive os integrantes de todas equipes militares que neste momento mantém prisioneiros em cantos mal iluminados  do planeta. Graves, preocupantes, suas palavras nunca são pura teoria. Sempre tem consequências práticas.

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    Dias atrás, uma veterana do serviço secreto, Gina Haspel, com mais de 30 anos no serviço secreto, foi  nomeada como vice-diretora da CIA. "No passado ela chefiou um estabelecimento penitenciário onde dois prisioneiros, os terroristas Abu Zubaydah and Abd al-Rahim al-Nashiri, foram torturados através de uma simulação de afogamento, frisa um despacho da agencia Associated Press.

    Sempre dirigidas a povos que pretendia submeter a formas de domínio neo-colonial, num passado nem um pouco remoto, todos os governos dos Estados Unidos deram apoio à ditaduras aliadas que empregavam a tortura de prisioneiros como método  governo. Foi assim no  período do democrata Lyndon Jonhson, ou nos governos republicanos Richard Nixon, Ronald Reagan. Embora tenha prometido fechar Guantánamo, Barack Obama conviveu oito anos com o massacre permanente de prisioneiros. Havia uma diferença, porém.Não defendiam a tortura em público -- como Trump --  embora pudessem ser conviventes com ela. mas eram conviventes com ela, no mínimo. 

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    A exceção foi Jimmy Carter, presidente dos EUA por um mandato, entre 1977 e 1981. Neste período, diplomatas e funcionários de alto escalão eram mobilizados na apuração de denúncias de tortura e execução de prisioneiros, numa situação que assegurou algum oxigênio externo às oposições que combatiam contra ditaduras em ambiente de grande sufoco -- da mesma forma que, antes e depois, o sinal verde da Casa Branca produzia estímulos na direção contrária.  

    No início deste século,  num período histórico em que as denúncias no Congresso deixaram a CIA contra a parede, a tortura se tornou um pesadelo para o aparato de segurança norte-americano, forçando confissões e depoimentos públicos a respeito. Interessado em proteger as velhas práticas, George W Bush providenciou um atestado prévio de impunidade. Conseguiu que juristas de segunda linha produzissem pareceres que tentavam dar uma fantasia de legitimidade a um decreto que autorizava práticas de tortura escondidas pelo eufemismo da expressão  "técnicas avançadas de interrogatório."

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    Em nenhum lugar do mundo, contudo, se viu um chefe de governo -- muito menos da potencia número 1 -- falar em termos tão positivos sobre um crime condenado pela leis norte-americanas e pela declaração dos Direitos do Homem, aprovada na fundação da ONU. 

    Nem ditadores sul-americanos, que faziam dela um método banal de investigação admitiam sua prática, sequer conhecimento.

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     Repudiada e condenada no período histórico inaugurado pela Constituição norte-americana e pela Revolução Francesa, no final do século XVIII, até então a tortura fazia parte da rotina de punições judiciais do Oriente e do Ocidente. Constituía espetáculo que se podia ver em praça pública -- inclusive esquartejamento. Mesmo condenada oficialmente, passou séculos sem ter sido inteiramente eliminada. Era o método preferencial de oficiais franceses para combater as forças de independência da  Guerra da Argélia, na década de 1950. Também foi empregada na guerra do Vietnã. Como revela Marcelo Godoy no livro A Casa da Vovó, mais tarde  militares da  Escola Superior de Guerra francesa passaram a dar treinamento de tortura a militares de diversos países sul-americanos, inclusive no Brasil.

    Em qualquer caso, era um crime que se praticava às escondidas, vergonhoso, negado enquanto fosse possível. Não mais.

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   Esta é, possivelmente, a mais profunda contribuição de Donald Trump para a degradação da cultura política do século XXI.

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