Doria imita Collor e corta o leite das crianças

"A redução de 53% do programa do leite, com exclusão de todo aluno de rede pública com mais de sete anos de idade, é uma medida de irresponsabilidade social com poucos paralelos em nossa história. Só pode ser comparada a uma decisão do governo Collor que eliminou o Tíquete Leite, que havia elevado o consumo em 15% em escala nacional", escreve Paulo Moreira Leite; "Num país que enfrenta a pior crise econômica em várias décadas, seu efeito será aumentar a pobreza e o sofrimento de uma população que já enfrenta a queda no salário e a elevação do desemprego", diz ele; "Coerente com o projeto de Estado Mínimo que alimentou a campanha de Dória, o corte no leite das crianças jamais foi informado aos eleitores", completa

"A redução de 53% do programa do leite, com exclusão de todo aluno de rede pública com mais de sete anos de idade, é uma medida de irresponsabilidade social com poucos paralelos em nossa história. Só pode ser comparada a uma decisão do governo Collor que eliminou o Tíquete Leite, que havia elevado o consumo em 15% em escala nacional", escreve Paulo Moreira Leite; "Num país que enfrenta a pior crise econômica em várias décadas, seu efeito será aumentar a pobreza e o sofrimento de uma população que já enfrenta a queda no salário e a elevação do desemprego", diz ele; "Coerente com o projeto de Estado Mínimo que alimentou a campanha de Dória, o corte no leite das crianças jamais foi informado aos eleitores", completa
"A redução de 53% do programa do leite, com exclusão de todo aluno de rede pública com mais de sete anos de idade, é uma medida de irresponsabilidade social com poucos paralelos em nossa história. Só pode ser comparada a uma decisão do governo Collor que eliminou o Tíquete Leite, que havia elevado o consumo em 15% em escala nacional", escreve Paulo Moreira Leite; "Num país que enfrenta a pior crise econômica em várias décadas, seu efeito será aumentar a pobreza e o sofrimento de uma população que já enfrenta a queda no salário e a elevação do desemprego", diz ele; "Coerente com o projeto de Estado Mínimo que alimentou a campanha de Dória, o corte no leite das crianças jamais foi informado aos eleitores", completa (Foto: Paulo Moreira Leite)


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É preciso retornar a um dos períodos mais dramáticos da história brasileira recente para se avaliar a decisão do prefeito João Dória Jr de promover um corte gigantesco e nefasto no programa de leite da prefeitura de São Paulo.

Pela decisão, o programa será reduzido em 53%. Perto de 700 000 crianças que estudam na rede pública, com de 7 anos de idade ou mais -- pelo programa em vigor, o benefício era assegurado até os 14 anos -- serão excluídas. Permanecem apenas  crianças de 0 a 6 anos. Até agora, a cota fornecida pela prefeitura era de 2 quilos de leite em pó por mês para todas as crianças. Agora, as crianças que vão à escola -- aquelas que tem menos de sete anos, estamos entendidos -- passam a receber meia ração, de 1 quilo. Crianças que não tem vaga nas escolas, serão incluídas, com a ração de 2 quilos -- numa estratégia típica dos programas compensatórios estruturados a partir dos primeiros ataques ao Estado de bem-estar social dos países europeus. 

Não por acaso, o corte dos programas de leite constitui um clássico dos governos reacionários de nossa época. Madrinha da contrarevolução conservadora inglesa, que teve reflexos nos dois lados do Atlântico, uma das primeiras batalhas de Margareth Thatcher consistiu na luta para eliminar este benefício assegurado às crianças de seu país, um dos pontos de honra das políticas publicas construídas pelo Partido Trabalhista.

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No Brasil de 2017, o padrão de irresponsabilidade social envolvido nesta decisão é coerente com o esforço federal do governo Michel Temer para desmontar os embriões de estado de bem-estar social construídos ao longo de nossa história. Mas Temer não foi tão longe. No final de 2016, recém-empossado após o golpe, mas já exibindo aquele  apetite incontrolável para agradar aos mercados e cortar gastos de qualquer maneira, numa tesoura que sempre mais afiada para lanhar o lombo dos mais pobres, o governo Temer-Meirelles ensaiou suspender as remessas de recursos que ajudavam a pagar o leite das crianças paulistanas. O prefeito Fernando Haddad reagiu e Brasília voltou atrás. 

Na prática, o corte de 53% do leite só tem uma medida comparável, em tempos recentes, a uma  iniciativa de Fernando Collor. Na curta permanência no Planalto, Collor aproveitou um conjunto de escândalos que envolviam a Legião Brasileira de Assistência, a velha LBA criada por Getúlio Vargas, para fechar as portas da instituição e cancelar programas sociais que, apesar dos desvios e denúncias, representavam um benefício real a população pobre e superexplorada. Uma delas envolvia, justamente, o Tiquete Leite. Iniciativa de José Sarney, que sempre foi julgada pelos critérios das pessoas que não enfrentam carências materiais para sobreviver, o projeto estimulou um aumento do consumo de leite em 15% em escala nacional, ou 5 milhões de litros por dia, gerando um efeito positivo sobre a dieta da população, como mostra o estudo “Fome: história de uma cicatriz social,” de Claudio Cerri e Ana Claudia Santos. E aqui há outro dado preocupante, quando se compara a crise de 1990 e a de 2017.

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Naquele país que enfrentava uma recessão produzida pelo choque econômico iniciado pelo confisco bancário, essa medida ajudou a aprofundar a miséria e o sofrimento da maioria dos brasileiros. A linha da pobreza se ampliou e as grandes cidades brasileiras foram inundadas por uma massa de cidadãos e suas famílias sem ter o que comer nem onde morar, ocupando espaços disponíveis para implorar por ajuda e comida, disputando lugar inclusive no Viaduto do Chá, onde o prefeito despacha.  

Neste ambiente de humilhação e falta de perspectiva, ocorreu uma primeira reação a partir da mobilização que criou Comitês contra a Fome e a Miséria, já no governo Itamar Franco. Numa resposta a destruição nos programas do Estado, a própria sociedade arregaçou as mangas para enfrentar a situação. Uma primeira versão do programa de leite foi instituída em São Paulo, em 1995, na gestão de Paulo Maluf -- numa demonstração de que mesmo um prefeito de impecáveis credenciais conservadoras era capaz de reconhecer a necessidade de dar uma resposta a carência dos mais pobres se pretendia ter algum futuro político.   

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Numa conjuntura em que o país enfrenta a pior crise econômica do século, cuja recuperação não se enxerga para breve, a decisão de Dória é um ato de crueldade social. Pode-se imaginar que outros virão, num percurso coerente com um projeto político de Estado que só é Mínimo para atender aos mais pobres e superexplorados. Para os de cima, a perspectiva é transformar a cidade num parque de diversões a ser explorado. Vale até privatizar cemitérios.

Num esforço para encontrar uma justificativa para a medida,  Dória chegou a dizer: "não faz sentido sentido um gasto público enorme para dar leite a adolescentes." Trata-se de uma improvisação complicada do ponto de vista da pediatria.  O conceito de infância varia de uma instituição para outra e mesmo de uma pessoa para outra. Há mesmo quem diga que a adolescência só tem início aos 15 anos. Em qualquer caso, não há quem diga que ela comece antes dos dez, faixa etária onde se encontram 3/5 dos prejudicados pela decisão do prefeito de São Paulo.

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Na verdade, pesquisas de gestões anteriores da própria prefeitura mostram que o "gasto público enorme para dar leite" é um meio eficaz para proteger toda família que se encontra no lado desfavorável da distribuição de renda --  o programa atende residências com uma renda familiar máxima de R$ 2800 por mês. Naquelas residências em que, por uma razão ou outra, o pré-adolescente ou mesmo adolescente não consome leite, costuma-se fazer uma permuta por carne ou frutas junto a comerciantes locais, solução que assegura o objetivo real: assegurar todos estejam alimentado quando comparecem à escola. 

Por razões que todos podem imaginar, a medida jamais foi anunciada nos programas eleitorais mas constitui um retrato realista de sua gestão. Não deixa de ser simbólico, porém. Na hora de tomar uma medida para mostrar a que veio, Dória cortou o leite das crianças. Feio, não? 

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