A quem interessa a guerra na Síria?

Acostumada a ver e esquecer no próximo minuto negros morrendo na África, a população europeia está aterrorizada diante de crianças brancas, e até outro dia bem nutridas, chorando de fome e cansaço



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O que está ocorrendo, na realidade, na Síria? Para início de qualquer análise a respeito é necessário que alguns pontos nebulosos sejam esclarecidos e considerados como premissa válida.

Em primeiro lugar: os EUA, ao contrário do que pregam ao mundo, não estão combatendo o Estado Islâmico (ISIS) ou os rebeldes do grupo Al Nusra – o braço da Al Qaeda na Síria. Evidências mostram exatamente o contrário, que fornecem armas e munições a estas facções- cerca de 50 mil mercenários de mais de 30 países- que lutam pela derrubada do presidente eleito do país, Bashar Al Assad, com o apoio dos governos da Turquia, Arábia Saudita, Israel e Qatar.

Em segundo lugar: a guerra da Síria não é uma guerra civil, mas uma brutal ação americana de invasão do território sírio. As operações de bombardeio dos EUA e seus aliados foram iniciadas sem a permissão do Conselho de Segurança da ONU, além de não serem feitas em conjunto com o governo sírio, como determinam os tratados e convenções internacionais.

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Em terceiro lugar: pela primeira vez em mais de 25 anos a Rússia atua oficialmente em uma ação de grande escala no exterior e apesar de apelar para a abertura de negociações em torno de uma coalização internacional de objetivos comuns, Putin deixou claro que pode agir sozinho e iniciou ataques aos grupos Estado Islâmico (ISIS) e ao Al Nusra, a pedido de Bashar Al Assad, causando em 15 dias, uma perda de 40% da infraestrutura destes grupos terroristas, além da morte de três membros das forças de operações especiais estadunidenses que assessoravam a Frente Al-Nusra, braço da Al Qaeda no país.

Em quarto lugar: a decisão de Putin, tomada em 13 de outubro, de ordenar aos caças russos derrubar os aviões norte americanos que fornecem armas e equipamentos de guerra ao Estado Islâmico e ao denominado Exército Livre da Síria criou uma tensão extrema entre EUA e Rússia, cujos resultados são imprevisíveis e perigosos para toda a humanidade.

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Em quinto lugar: Se a ONU não se posicionar firmemente a respeito do conflito, e estabelecer uma coordenação conjugada com o governo sírio para um real ataque ao terrorismo instalado no país, estará sendo cúmplice da estratégia americana montada há mais de dez anos de destruir a Síria como passo anterior à dominação do Irã.

Um informe escrito por Michael O'Hanlon, membro da Brookings Instituiton - financiado por grandes corporações mundiais como Coca Cola, Chevron, Boeing, Bank of America. JP Morgan, entre outros – em 2009, intitulado Que caminho seguir até a Pérsia? Opções de uma nova estratégia estadunidense para o Irã, mostra que o objetivo americano de dominação do Oriente Médio está traçada há muitos anos.

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O informe diz que tanto a Síria como o Hezbolá, do Líbano, eram obstáculos significativos para dividir e destruir o Irã e que cada um destes obstáculos deveria ser eliminado antes de se atuar contra o estado persa. Pois bem, é exatamente o que os EUA está tentando fazer desde 2011.

Se a Rússia não entrasse em ação agora, o que fatalmente ocorreria - a exemplo de muitos outros países onde os EUA iniciou suas guerras, propagandeadas ao mundo como "ajuda humanitária ou antiterrorista" - era mais um país em chamas, com seus cidadãos exilados, sua cultura destruída, e logo a seguir ali instaladas confortavelmente as garras do Tio Sam.

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É claro que nesta guerra, assim como em outras, não existem bandidos e mocinhos, nem muito menos fatos isolados. Tudo faz parte de um processo por trás do qual está o que move o mundo: poderio econômico, sobrevivência da indústria bélica, interesses pelo domínio geopolítico, neste caso do Oriente Médio, além da própria segurança territorial da Rússia, ameaçada pelo avanço do Estado Islâmico na região.

Pouco a pouco, transcende na imprensa internacional que o Pentágono prega que está atacando o grupo terrorista mas, na verdade, vem contribuindo com o Estado Islâmico para que ataquem o Exército de Damasco e facilitem a caída do presidente Bashar Al Assad, principal objetivo americano.

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A revista francesa "Le Canard Enchaîné" - prima da satírica Charles Hebdo, vítima do brutal atentato em Paris que matou dezenas de jornalistas - afirmou em sua edição de seis de outubro de 2015 que há mais de um ano os pilotos dos países da coalisão com os EUA, na Síria e Iraque, receberam ordens de não atacar a Frente Al-Nusra- braço da Al Qaeda na Síria.

Agora que três deles foram mortos nos bombardeios russos tudo ficou mais claro: os terroristas não podiam ser bombardeados porque estrategistas americanos trabalham in loco com eles pela queda do presidente da Síria. Mais cristalino, impossível.

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Os últimos acontecimentos envolvendo EUA e Rússia, leva alguns especialistas a qualificar como esquizofrênica a relação entre os dois países no caso sírio.

Diante de uma plateia de cerca de mil empresários, no Fórum Kalling Rússia, dia 13 de outubro, em Moscou, Putin declarou que a resposta dos EUA sobre seu pedido de uma lista de localizações na Síria considerada 100% terroristas pelos norte-americanos, foi de que, pasmem!, não estavam preparados para passar esta informação.

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O presidente russo acrescentou para uma surpreso público: "não estou brincando. Isso aconteceu. E eles estão lá há um ano". Fica claro, então, que Washington não quer dar informações sobre os terroristas na Síria.

O jornal britânico The Guardian publicou reportagens afirmando que a maior parte dos sírios não acreditam que os EUA lutem contra as facções terroristas no país mas enxergam os russos chegados este mes, como salvadores frente ao terrorismo instalado na Síria.

Segundo Lindsey Hilsum, redator internacional do Canal 4, a maior parte dos sírios de Tartus e Latakia entrevistados pela tevê, apoiam o presidente Bashar Al Assad e acreditam que os russos estão determinados a derrotar o ISIS, a Al Nusra e os demais grupos rebeldes que querem derrubar o presidente eleito Bashar Al Assar.

Por que os EUA não querem negociar com a Rússia uma ação conjunta contra o terrorismo na Síria, se pregam para o mundo que tudo o que querem é lutar contra o fim do terrorismo?

Ao contrário de Obama, Putin dá nome aos bois. Em 28 de setembro, declarou na ONU que a Rússia não pode mais tolerar a política externa perigosa, estúpida e falida de Washington, que desencadeou o caos no Oriente Médio e começa a tomar conta da Europa. Recado curto e grosso. Ele sabe que se o Estado Islâmico tomar o Oriente Médio, a Rússia se encontrará fatalmente em apuros.

Na última semana, em entrevista à tevê estatal russa, o ministro de Relações Exteriores, Sergey Lavrov, deu pistas sob a agenda clandestina norte americana na Síria, ao afirmar que "espero não estar cometendo alguma indiscrição, se disser que alguns de nossos contrapartes, membros da coalizão, dizem que as vezes recebem informações sobre a posição de grupos do ISIS, mas o comandante da coalizão -nos EUA naturalmente- nunca entende que seja boa hora para atacar.

E o ministro foi mais longe ao acrescentar que "quem analisar a aviação da coalizão verá coisas estranhas. Suspeitamos que a parte os objetivos declarados de dar combate ao Estado Islâmico, há algo mais nos planos da coalizão " .

O recado foi dado. Lavrov quis dizer que os russos tem inteligência para comprovar algo que os iranianos já vem afirmando há muito tempo: que a aviação norte-americana está regularmente fornecendo suprimentos para o Estado Islâmico, na Síria e no Iraque.

Várias agências internacionais dão conta deste fato. Um dos muitos exemplos disso é a recente matéria da Tevê Telesur afirmando que o Exército iraquiano e as forças de voluntários descobriram armamentos de procedência norte-americana, dentre eles mísseis TOW-2, nas posições e trincheiras do Estado Islâmico, durante operações na região de Faluya, oeste do Iraque.

Em fevereiro deste ano o presidente do Comitê de Defesas e Segurança Nacional do Parlamento Iraquiano, Haquim Al Zameli, revelou também que o Exército iraquiano tinha derrubado dois aviões britânicos que levavam armas para o ISIS na província de Anbar e acrescentou que tinha as fotos das aeronaves.

O aumento da influência russa no cenário mundial frente aos EUA foi reconhecido pela revista alemã Der Spiegel ao afirmar que "os últimos acontecimentos na esfera política internacional demonstraram o início de uma nova era em que o equilíbrio de forças mudou de forma definitiva, passando a dominação ocidental do mundo a ser vista como coisa do passado".

O ex-embaixador dos EUA em vários países árabes e mulçumanos, Ryan Crocker, disse ao Wall Street Journal que "a influência dos EUA no Oriente Médio atravessa um declive sem precedentes desde a Segunda Guerra Mundial.

Já o analista do Instituto Internacional de Estudos Estratégicos de Londres, Emile Hokayem, declarou na imprensa recentemente que os EUA perdeu para sempre sua posição dominante no Oriente Médio.

Espero realmente que eles tenham razão. E que a doutrina de dominação do mundo dos EUA ancorada na estratégia da lenda do inimigo externo por meio de propaganda governamental e da grande mídia, esteja chegando ao fim.

A saga de milhares de refugiados sírios e líbios, fugindo da guerra numa travessia do mar Mediterrâneo onde muitos encontram a morte não há de ser em vão.

A humanidade branca e rica está sendo levada a refletir e se posicionar. Acostumada a ver e esquecer no próximo minuto negros morrendo na África, a população europeia está aterrorizada diante de crianças brancas, e até outro dia bem nutridas, chorando de fome e cansaço escalando junto com seus pais cercas erguidas nas fronteiras para apartá-los como se criminosos fossem.

Estão apenas, como seres humanos, tentando sobreviver. E é para que este tipo de crueldade deixe de ser rotina no Oriente Médio, na África ou em qualquer lugar do mundo, que devemos nos posicionar contra a escalada mundial de guerras promovidas pelos EUA e seus aliados, que não tem nenhum outro propósito que não o de dominação territorial.

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