Uma esquerda da esfera pública

A esfera pública não representa apenas a democratização da sociedade atual, mas aponta para uma dinâmica anticapitalista, na medida em que o eixo e o projeto central do capitalismo são a mercantilização generalizada de todas as esferas da sociedade, a transformar tudo em mercadorias, que tudo tenha preço, que tudo se venda e se compre. A esfera pública, ao contrário, promove o direito de todos, a constituição de todos os indivíduos como cidadãos, isto é, em sujeitos de direitos

18/03/2016- São Paulo- SP, Brasil- Ex-presidente Lula, durante ato em defesa da democracia, na avenida Paulista. Foto: Ricardo Stuckert/ Instituto Lula
18/03/2016- São Paulo- SP, Brasil- Ex-presidente Lula, durante ato em defesa da democracia, na avenida Paulista. Foto: Ricardo Stuckert/ Instituto Lula (Foto: Emir Sader)


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A esquerda do século XX foi uma esquerda do Estado, que se valeu do Estado para organizar projetos de nação, para fazer com que o Estado impulsionasse o desenvolvimento econômico, assumisse a responsabilidade sobre os direitos sociais. Teve um papel fundamental, sobretudo se pensamos que antes havia um Estado estritamente das elites dominantes, das oligarquias primário exportadoras, que faziam do Estado um instrumento estrito dos seus interesses.

Quando se esgotou o ciclo longo expansivo do capitalismo internacional e, com ele, o modelo desenvolvimentista, duas perspectiva surgiam no horizonte. Ronald Reagan apresentou uma, a vencedora: o Estado teria deixado de ser solução, para ser problema. E a forma de enfrentar esse problema era reduzi-lo a suas mínimas proporções, ao Estado mínimo, promovendo o mercado para um lugar de centralidade. O velho adagio do liberalismo retomava nova força: o mercado é o melhor alocador de recursos

Aparentemente de forma contraposta a essa versão, surgiu um relato que também pretendia superar o esgotamento do Estado, mas propondo uma "sociedade civil" como seu sucedâneo. Condenava o Estado tanto ou mais até que a versão anterior. Toni Negri chegou a caracteriza-lo como conservador, como peça de museu. Holloway tinha esperanças de que fosse possível mudar o mundo sem tomar o poder, prescindindo do Estado.

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Os primeiros realizaram seu sonho e levaram o mundo a seus desastres atuais, resultado da centralidade de um mercado descontrolado, dominado pelo capital especulativo e pelos grandes bancos privados. Os segundos ficaram reduzidos à instranscendência, prisioneiros da armadilha liberal de uma sociedade civil contra o Estado.

A versão alternativa era outra. Não era o abandono do Estado, mas sua democratização. Não era o abandono à esfera mercantil, nem o retorno puro e simples à esfera estatal, mas a construção, a partir do Estado e das organizações sociais, da esfera publica. Uma esfera da cidadania, uma esfera dos direitos iguais para todos, a verdadeira esfera democrática.

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Os governos que reverteram o modelo neoliberal da centralidade do mercado são os que se valeram do Estado para promover os direitos sociais de todos, para resgatar o papel ativo do Estado como indutor do crescimento econômico e protagonista de politicas externas soberanas. Foram os governos antineoliberais da América do Sul.

Mas inclusive estes recuperaram o Estado sem transforma-lo, defendendo a sociedade das consequências mais negativas de um mercado descontrolado, mas sem democratizar o Estado, através da centralidade da esfera publica. Os aparelhos de Estado resistiram, desde o seu interior, com as alianças com as forças desde foram para brecar um amplo processo de democratização política, social, econômica e cultural, de que acrescem as sociedades contemporâneas.

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Quando os governos antineoliberais se enfrentam a obstáculos, não devem ceder pura e simplesmente ao liberalismo tradicional, ao mercado, mas, ao contrario, avançar para a transformação radical dos Estados, com a centralidade da esfera pública. Porque na era neoliberal a contradição fundamental se dá entre a esfera mercantil – o afã de mercantilizar tudo, de transformar direitos em mercadorias e cidadãos em consumidores – e a esfera pública, a esfera dos direitos para todos, a esfera dos cidadãos.

É possível medir quanto se avançou na superação do neoliberalismo pela medida em que se avançou na extensão dos direitos para todos e na restrição da mercantilização da sociedade. A medida em que se fortaleceram a educação publica, a saúde publica, por exemplo, a expensas da educação mercantil, da saúde mercantilizada, o fortalecimento dos bancos públicos.

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A esfera pública não representa apenas a democratização da sociedade atual, mas aponta para uma dinâmica anticapitalista, na medida em que o eixo e o projeto central do capitalismo são a mercantilização generalizada de todas as esferas da sociedade, a transformar tudo em mercadorias, que tudo tenha preço, que tudo se venda e se compre. A esfera pública, ao contrário, promove o direito de todos, a constituição de todos os indivíduos como cidadãos, isto é, em sujeitos de direitos.

Para chegarmos a ter uma esquerda da esfera pública é indispensável, antes de tudo, além de uma de uma crítica radical de todos os efeitos negativos da centralidade do mercado, desenvolver uma profunda consciência pública, radicalmente democrática, um espirito da centralidade dos bens públicos, das empresas públicos, dos serviços públicos, do Estado como um instrumento nas mãos de toda a sociedade, antes de tudo nas mãos dos trabalhadores e do povo. O Estado não é assim nem a solução por si só, nem o problema. É um espaço de disputa entre a esfera mercantil e a esfera pública. Cabe à esquerda do século XXI ser uma esquerda da esfera publica – que é a forma atual de ser anticapitalista – para a construção de sociedades profundamente democrática e de um mundo apropriado pelos seus povos a partir desses Estados nacionais democratizados porque centrados na esfera pública.

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