Caso goleiro Bruno: quando o direito e a Justiça entram em conflito

Num país onde é tão difícil levar crimes contra a mulher a sério, quando enfim, um caso pode se tornar referência pela aplicabilidade e prática da justiça, antes que o criminoso cumpra a sua pena, é libertado e ganha o direito de voltar a jogar futebol, atividade essa cuja visibilidade e referência o transformará em ídolo, fazendo muitos acreditarem que violência contra a mulher é "frescura" e que a bola no pé, vale mais do que a integridade de uma mulher que foi assassinada

Brasil, Belo Horizonte, MG. 20/10/2010. O goleiro Bruno Fernandes das Dores de Souza (c) é conduzido por policiais para audiência realizada no II Tribunal do Júri, em Belo Horizonte (MG). Começou na tarde de 20 de outubro de 2010 o depoimento de 22 testem
Brasil, Belo Horizonte, MG. 20/10/2010. O goleiro Bruno Fernandes das Dores de Souza (c) é conduzido por policiais para audiência realizada no II Tribunal do Júri, em Belo Horizonte (MG). Começou na tarde de 20 de outubro de 2010 o depoimento de 22 testem (Foto: Fátima Miranda)


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Movimento de mulheres, solta nota de repúdio ao Boa Esporte Clube, refletindo o sentimento de muitos brasileiros e brasileiras quanto ao descaso com o crime hediondo praticado por Bruno Fernandes de Souza, o goleiro Bruno, atualmente contratado pelo Boa da cidade de Varginha, MG. 

Como se não bastasse o descuro com o qual são tratados os muitos casos de violência contra a mulher, que vão desde o assédio sexual até assassinatos e inúmeros casos de faminicídio, graças a um habeas corpus concedido pelo ministro do STF, Marco Aurélio Mello, Bruno goza de liberdade e até foi contratado por um clube de futebol.

Num país onde é tão difícil levar crimes contra a mulher a sério, quando enfim, um caso pode se tornar referência pela aplicabilidade e prática da justiça, antes que o criminoso cumpra a sua pena, é libertado e ganha o direito de voltar a jogar futebol, atividade essa cuja visibilidade e referência o transformará em ídolo, fazendo muitos acreditarem que violência contra a mulher é "frescura" e que a bola no pé, vale mais do que a integridade de uma mulher que foi assassinada, esquartejada, jogada aos cães para devorarem suas carnes e ainda ocultaram o seu cadáver, impossibilitando assim, um sepultamento minimamente digno onde sua mãe e filho pudessem fazer a última despedida.

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Talvez o habeas corpus tenha sido legal, mas o bom senso diz que foi "imoral". Como bem disse Eduardo Juan Couture, "Teu dever é lutar pelo Direito, mas se um dia encontrares o Direito em conflito com a Justiça, luta pela Justiça." Nesse caso o direito e a justiça conflitaram e colidiram e é disso que o movimento e grande parcela da sociedade tem falado, de justiça! Aquela que independe do direito, que a própria sensatez mostra com clareza e é por essa que pessoas de bom senso clamam.

Nota do Movimento de Repúdio ao Boa Esporte pela contratação do goleiro Bruno

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 Antes de tudo, queremos dizer que a luta que travamos hoje é um reflexo de todas as lutas que nos impuseram por ser mulher. Fomos sentenciadas em nosso nascimento: “É mulher...” disse o médico ao fazer o parto e, a partir disso, não houve um só dia sem luta. Por isso, mais uma vez, bradamos: “Nós deixem ser mulher, mas nos deixem ser mulher sem medo de morrer nas mãos de um feminicida, porque esse é medo que nos rodeia, todo dia!”

Esse texto é um texto de muitas vozes, texto de muitas mulheres, texto de dores de várias vidas... texto de várias lutas. É um manifesto, uma posição de embate contra uma atitude pública local que ignorou milhares de mulheres mortas e agredidas em todo o Brasil, ou melhor, em todo o mundo!

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Gostaríamos de explicar que temos muitas feridas, que apanhamos e somos socialmente mortas diariamente pelo machismo. Não são as facas, não são as armas de fogo, não são os golpes com as mãos... o que nos mata, é o machismo que a sociedade alimenta. Depois de nossas mortes, o machismo some com nossos corpos... ninguém se importa com o que éramos, simplesmente, somos apagadas, enquanto nossos agressores viram ídolos e fazem fortuna. De que adianta gritar, se sufocam nossas vozes, amordaçam nossas bocas, nos aprisionam, matam e nos tiram a possibilidade de ser mãe... Se lembrem que existimos, que temos sonhos de viver... Nos devolvam às nossas famílias, mas vivas. Achem nossos corpos, independente da vala em que foram jogados. 

Gostaríamos de também explicar o motivo de nos indignarmos com a contratação do goleiro Bruno pelo Boa Esporte e mostrar toda a reflexão que o ato do clube merece. Senão, vejamos:

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Muitos, principalmente a mídia tradicional, tentam nos colocar contra a parede e nos perguntam insistentemente, se sentimos que as mulheres varginhenses, não apenas as envolvidas no ato, estão do nosso lado, indignadas com a contratação. A resposta é simples e nos enche de força para seguirmos lutando, uma vez que percebemos que no geral, em termos de população, não apenas mulheres, mas também homens encontram representação no movimento. Nesse ponto, é importante ressaltar que a indignação supera os limites varginhenses alcançando, inclusive, a população mundial, haja vista o destaque e posicionamento contrário que a imprensa internacional imprimiu ao caso.

Ademais, nos perguntam ainda, quanto a contratação do goleiro fere a luta das mulheres. Respondemos sem rodeios, fere em demasiado, não só fere como mata, senhores e senhoras. Toda a problemática da contratação gira exatamente em torno dessa questão. Entendemos que a vinda do goleiro ao clube BOA Esporte, da forma que foi realizada, naturaliza a conduta de um feminicida, uma vez que o clube, visando exclusivamente uma promoção publicitária, usou um notório caso de violência contra a mulher (por seus já conhecidos resquícios de crueldade) como trampolim midiático. Nos revoltamos, sim, pois o clube tenta fabricar um ídolo por motivos que não se vinculam ao esporte. Lutamos diariamente para que a violência contra a mulher não seja ouvidada pela população. Lutamos diariamente para que a população compreenda que a cada 11 minutos uma mulher é agredida. O clube diz que não se importa com o passado de Bruno tentando justificar a contratação, mas nós nos importamos que ele não consiga fama e dinheiro por ser um agressor. Nós nos importamos que nossas crianças entendam que feminicidas não são exemplos sociais. Nós nos importamos que a população reflita que essa contratação está além de qualidades esportísticas, nos importamos em repudiar o clube, por fazer um marketing ardiloso para encher seus cofres usando-se de um homicídio de uma de nós. Nós ressaltamos que Bruno está há 6 (seis) anos longe dos campos e não o esquecemos até hoje, isso em razão do monstruoso episódio que arquitetou. Esquecemos nossos heróis esportistas mais recentes, mas não esqueceremos Bruno, o qual carrega consigo a morte e isso faz dele o espetáculo mais sórdido do clube.

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Quando nos perguntam se Ato teve a repercussão desejada, somos categóricas ao afirmar que sim. Na verdade, o Ato superou nossas expectativas, isso porque diversas pessoas que não conseguiam pensar além de uma simples contratação fizeram uma nova reflexão sobre o feminicídio e suas implicações na sociedade. É correto dizer que, se uma pessoa repensou os motivos dessa contratação, o objetivo já foi plenamente atingido. Obviamente, nos interessa sim, o olhar do clube, no entanto, como já era previsto isso não ocorreu. Assim, o objetivo maior é trazer a reflexão para a sociedade e isto está acontecendo da melhor forma possível.

Outro questionamento que enfrentamos se refere à qual seria a real intenção do clube ao contratar o goleiro Bruno. Sem titubear, é correto responder que, para nosso movimento, a contratação tem por objetivo encher os cofres do clube com a fama do agressor, nesse ponto, é indubitável que Bruno não está famoso por ser um bom jogador de futebol, não está na sua melhor forma física por estar anos afastado de treinos regulares e não seria a melhor opção do futebol nacional. Mas aqui, mostramos que o clube de pequeno porte, nesses poucos dias que sucederam a contratação, já fez fama internacional, fama negativa ao nosso ver. Ao fim, encher os bolsos dessa forma, não é honesto com Bruno, não é honesto com as mulheres, não é honesto com as famílias de vítimas de violência doméstica e não é honesto com torcedores.

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Gostaríamos de contar a vocês que, por óbvio, fomos atacadas por impulsionarmos o Ato. Pior que isso, fomos ameaçadas! Não pouparam os meios, seja telefone, sejam redes sociais, seja pessoalmente, quiseram mais uma vez nos silenciar. Quiseram nos amordaçar, torturar, ameaçar, encarcerar e sumir com nossos corpos. Mas não obtiveram êxito, pois somos um só corpo, um corpo de muitas mulheres e esse corpo, não será ocultado.

Por tudo que lhes contamos, se pudéssemos, gostaríamos de mandar um pequeno recado aos dirigentes do clube: Caros senhores, repensem suas posturas, repensem os reais motivos dessa contratação, não enganem a população com a falácia de que é pela ressocialização, não brinquem com essa bandeira de luta também tão séria. Repensem o impacto desse marketing que criaram, repensem o valor social da contratação e suas implicações. Sejam honestos com seu clube. Sejam honestos com as crianças que pedem autógrafo ao ídolo que estão criando. Sejam honestos com nós mulheres, sejam honestos com seus patrocinadores. E, se mesmo assim, vocês tiverem certeza da honestidade com que trataram a contratação, optem por ressocializar de fato, outros ex-detentos, de todas as classes sociais e sem fama. Não obstante, desejamos ainda, que conheçam um programa de apoio a vítimas de violência doméstica e tentem sentir a dor que todas nós sentimos dia após dia.”

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*Nota do Movimento de Repúdio ao Boa Esporte, pela contratação do goleiro Bruno.

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