Guinada discursiva de Ciro tira votos à esquerda e não garante direita

"O apelo que Ciro Gomes provoca no eleitorado é ambíguo. Seus potenciais eleitores mais à esquerda enfrentam o desafio de compreender e ‘sublimar’ uma escolha que lhes é, no limite, hostil e ‘substitutiva’, por assim dizer – isso os deixa em estado de extrema sensibilidade política, aliás, como o próprio Ciro", afirma o linguista e colunista Gustavo Conde, sobre a guinada discursiva à direita de Ciro Gomes

O pré-candidato do PDT à Presidência, Ciro Gomes, participa de evento em São Paulo 18/06/2018 REUTERS/Paulo Whitaker
O pré-candidato do PDT à Presidência, Ciro Gomes, participa de evento em São Paulo 18/06/2018 REUTERS/Paulo Whitaker (Foto: Gustavo Conde)


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É sempre um desafio falar de Ciro Gomes. A conjuntura politica que levou seu nome a transitar no movediço terreno da centro-direita nesta cena de horror do pós golpe torna a leitura de sua candidatura uma tarefa complexa. É preciso lidar com sensibilidades múltiplas, da dor dos sem-candidato ao desespero dos golpistas por um. No cenário das linguagens, no entanto, Ciro é a esfinge mais explicável do momento. Ele rende várias teses. Vamos a algumas.

O apelo que Ciro Gomes provoca no eleitorado é ambíguo. Seus potenciais eleitores mais à esquerda enfrentam o desafio de compreender e ‘sublimar’ uma escolha que lhes é, no limite, hostil e ‘substitutiva’, por assim dizer – isso os deixa em estado de extrema sensibilidade política, aliás, como o próprio Ciro.

O potencial eleitor de Ciro Gomes mais à esquerda sofre de uma crise subjetiva seminal. Ele tem que lidar com a ausência de Lula e de um legítimo candidato de esquerda para chamar de seu. Isso o obriga a aderir a Ciro em um tom de ‘justificativa’. O eleitor declarado de Ciro manifesta seu voto em modo defensivo, explicando-se e atacando seu outro mais ameaçador: Lula e o PT.

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É Lula que impede que Ciro cresça e isso é imperdoável a quem gostaria de votar em Lula, mas aceita sua prisão e impugnação como favas contadas. É muito embaraço político para um eleitor só – e isso o torna mais agressivo que o habitual, como podemos perceber no dia a dia da campanha e das polêmicas do presidenciável.

Da complexidade deste eleitor, que sente dificuldades em comunicar seus projetos e leituras, Ciro vai construindo para si um labirinto político inédito na cena brasileira. Há descompensações de toda ordem, somadas aos célebres arroubos de virilidade que encantam um eleitorado masculino órfão desde a eleição de Dilma Rousseff. Há demanda para o macho-alfa na psicologia eleitoral deste momento, momento um tanto truculento, amargado pelo segmento eternamente indeciso da população.

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Nesse lodaçal ideológico, deveras obscuro, sem sentimento e sem vida (são números e escolhas ingratas, nada mais), Ciro vai se tornando vítima de si mesmo, sendo devorado por sua própria ambiguidade política que, por alguma razão, vai sendo laborada como um ativo.

A constatação é mais que empírica, é dramática. Ciro, filiado a um partido que poucos dos seus potenciais eleitores conhecem de fato, o PDT, vai soltando declarações que, como bem disse o deputado Paulo Pimenta, faria Leonel Brizola revirar no túmulo.

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Dizer que o Brasil não precisa de um governo de esquerda, que o PT só pensa nele mesmo, que Dilma Rousseff era péssima politica (e martelar isso com notável misoginia reprimida), que o DEM e qualquer outro partido político é bem-vindo menos o PT, que o problema do Brasil é o superávit primário (e ficar nisso), que Lula está preso e é inelegível, não é lá uma estratégia muito inteligente para convencer um potencial eleitor de esquerda.

Esse discurso descola Ciro Gomes de maneira definitiva do campo progressista. Pode até ser uma estratégia eleitoral, mas apenas para atrair o eleitorado da direita, os ‘simpatizantes do golpe’.

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Essa ambiguidade é muito improdutiva para o perfil do eleitor brasileiro de maneira geral. O eleitor brasileiro pode ser muitas coisas, mas ele tem uma característica interessante: ele gosta da distinção entre esquerda e direita em moldes minimamente elementares – haja vista o estereótipo do manifestoche, que acha que tudo que o ameaça no mundo é coisa de comunista.

O mais dramático é que essa ambiguidade discursiva de Ciro o induz ao erro. Ciro está nervoso – ele ‘é’ nervoso, mas está ficando mais. A imprensa e a blogosfera o incomodam, o que é um senhor feito (já que ambas se incomodam entre si).

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Diante deste nervosismo conjuntural e internalizado, Ciro Gomes desanda a desfilar a sua incomensurável capacidade de produzir enunciados trágicos para quem se pretende um líder nacional. O ímpeto viril e coronelista do candidato Ciro é um assombro. Sobram injúrias graves (não gosto de Fernando Holiday, mas chama-lo de ‘capitão do mato’ não me parece um dizer proveniente do progressismo), insinuações para se lamentar (seu tom machista quando fala em Dilma Rousseff) e pressupostos bastante hostis a um eleitorado já muito machucado por um golpe misógino e patrimonialista, como, por exemplo, relativizar a prisão política de Lula.

Não bastasse, Ciro elogia a Lava Jato ao mesmo tempo em que a critica. Esse é o grande vírus da contradição que se alastrou pelo discurso político de Ciro Gomes: ele quer atender as demandas do eleitor da direita e do eleitor da esquerda. É muita pretensão para quem ainda se coloca como única opção eleitoral para ambos os lados, uma verdadeira overdose de prepotência.

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Essa ambição desmedida vai tragando Ciro para dentro de si mesmo. Ele perde a capacidade de sorrir, de ouvir e de somar. Sua campanha já está marcada pelo tom agressivo e pelas contradições múltiplas e diárias. É de evidência olímpica que não há unidade nem no discurso nem no projeto. É o famoso ‘o que vier a gente fatura’ – menos o PT, ele faz questão de frisar.

Existem vários tipos de suicídios políticos. Esse que Ciro faz é uma espécie de haraquiri. A ‘desonra’ de flertar com uma direita golpista vai crescendo de maneira insuportável até atingir um ponto de basta, em que só a “adaga” do tiroteio verbal pode apaziguar um coração petrificado pela vaidade e pela impossível comparação com o maior político vivo do país.

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