A lição política do golpeachment

O Golpeachment (Golpe de Estado travestido de Impeachment Constitucional) reatualiza algo que é da própria estrutura da luta de classes sob a hegemonia burguesa, qual seja, a instrumentalização perversa da Lei de modo a retomar o poder político do Estado quando for necessário fazê-lo



✅ Receba as notícias do Brasil 247 e da TV 247 no canal do Brasil 247 e na comunidade 247 no WhatsApp.

O Golpeachment (Golpe de Estado travestido de Impeachment Constitucional) reatualiza algo que é da própria estrutura da luta de classes sob a hegemonia burguesa, qual seja, a instrumentalização perversa da Lei de modo a retomar o poder político do Estado quando for necessário fazê-lo.

Noutros termos, nas sociedades subsumidas ao Modo Capitalista de Produção e regidas pelo Estado Democrático de Direito as classes dominantes, sempre que seus interesses econômicos, políticos e culturais são democraticamente questionados, veem-se obrigadas a mostrar o mais rapidamente possível aos cidadãos/eleitores que o próprio Estado Democrático de Direito não era bem o que eles estavam pensando...

Para irmos direto ao nosso tema, atenhamo-nos ao atual caso brasileiro.

continua após o anúncio

Nossos cidadãos/eleitores supunham – pelo menos era esse o princípio do qual partiam – que a República Federativa do Brasil estruturava-se, organizava-se e operava no e pelo Estado Democrático de Direito e que, pois, os agenciamentos sociais amparavam-se nos pilares 01) Constituição Federal/1988, 02) Democracia Representativa, 03) Cidadania Inclusiva e 04) Soberania Popular.

Ora, digam o que disserem as esquerdas sobre o Partido dos Trabalhadores (PT), fato é que sua governança do país desde as eleições presidenciais de 2002 teve o mérito de testar na prática a efetiva validade do Estado Democrático de Direito, questionando as classes dominantes sobre sua obediência irrestrita (como deveria ser) à Lei, ou, se se preferir, aos fundamentos Constituição Federal/1988, Democracia Representativa, Cidadania Inclusiva e Soberania Popular.

continua após o anúncio

Assim, entre os anos 2003 – 2015 o Governo PT viu por bem (corajosamente, dirão uns; ingenuamente, dirão outros) testar in vivo os balizamentos do Estado Democrático de Direito, exigindo-lhe provas de que de fato ele é:

a) ESTADO, vale dizer, uma estruturação política, jurídica e administrativa da Nação Brasileira (índios, brancos e negros, com maioria populacional negra [cf. Censo/IBGE: 2015]) e não apenas de suas classes dominantes;

continua após o anúncio

b) DEMOCRÁTICO, vale dizer, um Estado capaz de – no plano da Democracia Representativa – agenciar, operacionalizar e encapsular a ampla diversidade étnica, social e cultural brasileira, de forma a contemplar da melhor maneira possível os seus interesses e de fazê-los valer sob a rubrica Soberania Popular; e finalmente

c) DE DIREITO, vale dizer, um Estado apto para operacionalizar a inscrição da nação e da diversidade brasileiras enquanto Cidadania subsumida ao princípio jurídico 'todos iguais perante a Lei'.

continua após o anúncio

Entretanto, não é preciso ser versado na história de nosso país para perceber que as classes dominantes brasileiras não forneceriam em realidade as provas nem de Direito, nem de Democracia e nem de Estado pactuadas em 1988 e agora demandadas pelo Governo PT, o que talvez dê razão àqueles que atribuem ingenuidade ao projeto sócio-econômico, político e cultural através do qual o Partido dos Trabalhadores se alçou ao comando da República...

De fato, o Golpeachment nada mais é do que a consequência lógica do modus vivendi et operandi – histórico, em última instância – das classes dominantes em nosso país, pouco importando se as mesmas foram proprietárias de escravos e depois patrões de trabalhadores assalariados: num caso e noutro há de prevalecer o Autoritarismo (anti-Direito por definição), o Patrimonialismo (anti-Estado por definição) e o Exclusivismo (anti-Democracia por definição).

continua após o anúncio

Neste contexto, o Golpeachment é o efeito lógico-estrutural expressivo da impossibilidade de civilizar as nossas classes dominantes lá onde seus interesses econômico-políticos e seus costumes sócio-culturais são confrontados concretamente com o arcabouço jurídico-estatal que elas mesmas pactuaram com os demais associados (cf. Constituição Federal/1988), posto que – no campo do 'inconsciente político' que preside a mentalidade de tais classes (discursividade autoritária, patrimonialista e exclusivista) – os demais associados deveriam sim acreditar que tal pactuação era pra valer, mas não ao ponto em que chegaram as coisas...

E a que ponto chegaram as coisas?

continua após o anúncio

Eu já o disse: ao ponto de materializar, na e para a sociedade brasileira, o Estado Democrático de Direito – e, pois, efetivar realmente a Democracia Representativa, a Cidadania Inclusiva, a Soberania Popular, cada uma delas (e em conjunto) consignada pelo voto direto depositado legal e legitimamente em urnas eleitorais.

Todavia, em 2002 as urnas eleitorais colocaram pela primeira vez verdadeiramente em xeque o controle das classes dominantes sobre o ponto das coisas e delas emergiu o Governo PT, assentando na Presidência da República o ex-migrante, ex-operário e ex-líder sindical LUIZ INÁCIO 'LULA' DA SILVA, o qual comandara com ousadia política exemplar as históricas greves operárias dos anos '80 no ABC Paulista e que contribuíram enormemente para a derrocada final da Ditadura Militar (1964 – 1984) bem como para a redemocratização do país (Constituinte/1987, Constituição Federal/1988).

continua após o anúncio

Pois bem, apesar de todos os tropeços, vacilações e erros, certo é que o Governo PT jamais abriu mão da necessidade irrecorrível de sustentar – atenção: para a sociedade brasileira em seu todo – a validade política do Estado Democrático de Direito, vale dizer, em que pese os eventuais descaminhos pelos quais infelizmente se embrenhou, sua governança encarnou de maneira notável a função didática de ensinar ao país o respeito inegociável à Constituição Federal/1988, e, por decorrência, à Democracia, à Cidadania e à Soberania Popular.

Ao fazê-lo, o Governo PT deu a ver ao Brasil que o Estado Democrático de Direito não era sob hipótese alguma mera formalidade de uma pactuação entre classes sociais antagônicas, mas sim a estruturação legal e legítima de um movimento histórico que vencera – após pelo menos vinte anos de luta constante – a Ditadura Militar.

Goste-se ou não do Governo PT, o país deve isso a ele.

Neste sentido, as classes dominantes brasileiras precisariam ter aprendido com a governança proposta e exercida pelo PT que o Estado Democrático de Direito é uma conquista substantiva e histórica do país, devendo pois ser acolhido, protegido e respeitado como um bem comum e lugar por excelência para o pleno exercício da sociabilidade esclarecida, cosmopolita e democrática.

Não obstante, na contramão dessa sociabilidade e obtusamente apegada aos seus interesses exclusivistas, a burguesia nacional – porém nada nacionalista... – conspirou e preparou-se desde certamente 2003 (primeiro Governo Lula) para atentar contra a presidência em mãos do Partido dos Trabalhadores, pouco lhe importando se tal atentado fosse ao preço da manipulação, instrumentalização e perversão descaradas seja da Constituição Federal/1988 seja da Soberania Popular (ambas, pedras angulares do Estado Democrático de Direito).

E coisa alguma a deteve: cooptando corruptivamente o Poder Judiciário (STF, MPF, PGR, PF, etc), o Poder Legislativo (Câmara e Senado) e o PIG (Partido da Imprensa Golpista: Globo à frente), ela se valeu de modo acintoso das garantias constitucionais facultadas pelo Estado Democrático de Direito (liberdade de reunião, de imprensa, de manifestação, etc) para perversamente desmentir a Lei, instrumentalizando-a de sorte a fazer valer como legal e legítimo o ilegal e ilegítimo.

Sim, o Golpeachment é o travestimento – perverso, por definição psicanalítica – de um Golpe de Estado em Impeachment Constitucional, confluindo barbaramente para a derrisão do estatuto sócio-histórico (cf. expus acima) de nosso Estado Democrático de Direito, doravante rebaixado a pífio gendarme dos inadiáveis interesses dos casa-grandenses...

A lição política do Golpeachment apresenta-nos pois uma dupla face: retroativamente, aprendemos a inatacável importância do Governo PT na sustentabilidade in totum do Estado Democrático de Direito (Constituição Federal/1988: Democracia Representativa, Cidadania Inclusiva, Soberania Popular), e, prospectivamente, aprendemos (certamente a maioria de nós aprendeu) que o destino do país não pode ficar em mãos de perversos debochadores da Lei.

O grande antropólogo francês PIERRE CLASTRES (1934 – 1977) certa vez intitulou um brilhantíssimo conjunto de ensaios sobre os silvícolas sul-americanos (brasileiros, inclusive) de A sociedade contra o Estado: pesquisas de antropologia política (1962/1974); ora, o deboche da Lei protagonizado pelo Capital em nosso país (recentemente, também em outras nações) nos obriga a re-intitular a obra clastresiana de maneira que possamos obstaculizar os perversos mecanismos ditos 'de exceção' (cf. Agamben): batizemos portanto nossa tarefa política de 'A sociedade contra o Golpe de Estado'.

iBest: 247 é o melhor canal de política do Brasil no voto popular

Assine o 247, apoie por Pix, inscreva-se na TV 247, no canal Cortes 247 e assista:

Este artigo não representa a opinião do Brasil 247 e é de responsabilidade do colunista.

Comentários

Os comentários aqui postados expressam a opinião dos seus autores, responsáveis por seu teor, e não do 247

continua após o anúncio

Ao vivo na TV 247

Cortes 247