Nem "decreto bolivariano", nem "conselhos populares da Dilma"

Há exageros e distorções dos dois lados. O Decreto que criou a PNPS – Política Nacional de Participação Social –, rejeitado pela Câmara, não radicalizou a nossa democracia, tampouco se constituiu numa benesse do governo federal aos movimentos sociais



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Nas últimas semanas, o país, que mal havia se recuperado das tensões e embates da eleição presidencial, se surpreendeu com a suspensão, na Câmara Federal, do Decreto nº 8.243/2014, que criou a PNPS – Política Nacional de Participação Social. O Projeto de Decreto Legislativo nº 1.491/2014, que susta a PNPS, de autoria do partido Democratas (DEM), foi aprovado apenas dois dias após o 2º turno, o que deixou no ar a sensação de revanchismo ou, como afirmou o deputado federal Vicentinho (Partido dos Trabalhadores – PT), de "birra pós-eleitoral".

O fato é que as reações contrárias ao Decreto já vinham se mobilizando desde a sua publicação, em maio deste ano. Os argumentos de que a Política é inconstitucional ou autoritária (bolivariana, disseram alguns!) denotam a existência e capacidade organizativa de forças conservadoras que rechaçam qualquer sinal de ampliação da participação da sociedade na gestão das políticas públicas. Por outro lado, os protestos ao veto nas redes sociais falam em "Decreto da Dilma" e "conselhos populares da Dilma". Há exageros e distorções dos dois lados. O Decreto não radicalizou a nossa democracia, tampouco se constituiu numa benesse do governo federal aos movimentos sociais.

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A Constituição Federal de 1988, que avançou na garantia dos direitos sociais, introduziu instrumentos de democracia participativa, como plebiscito, referendo e iniciativa popular. Ao mesmo tempo, abriu caminho para a criação de instâncias e mecanismos que garantissem a participação direta da sociedade na tomada de decisão na administração pública. Desde a década de 1990 (portanto, bem antes do governo PT), foram instituídos conselhos de direitos, de políticas e de gestão de políticas sociais específicas e foram realizadas conferências nacionais que resultaram em diversas políticas setoriais.

A PNPS, como uma das respostas do governo aos protestos de 2013, tinha o objetivo de fortalecer a articular os espaços participativos na administração pública federal. Portanto, não criava nada de novo nesse campo, embora fosse importante como instrumento de regulamentação do funcionamento e garantia de disseminação dessas instâncias e mecanismos. Por outro lado, a existência desses espaços de participação institucionalizada, sob a tutela do Estado, não assegura a partilha de poder decisório. Na prática, os conselhos (e demais estratégias) estão expostos a diversos riscos e obstáculos, como o de se tornarem estritamente técnicos ou utilizados meramente para referendar decisões já tomadas. Além disso, a não obrigatoriedade de paridade entre os representantes da sociedade civil e de outros segmentos pode permitir a ocupação desses espaços por interesses que não correspondem aos da maioria da população.

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Há, portanto, um longo (e árduo) caminho entre a garantia legal da participação social e a sua efetivação na prática. Além disso, esses canais não são as únicas (nem mesmo principais) estratégias de interlocução com os movimentos sociais. A fragilização do diálogo entre o governo federal e os movimentos sociais nos últimos anos sinaliza que há muito a fazer, para além do Decreto, buscando o fortalecimento da democracia e das demandas sociais. Nem decreto bolivariano, nem conselhos populares da Dilma – exageros à parte, a PNPS não é a última tábua de salvação para os movimentos sociais, que têm enfrentado dificuldades dos dois lados, governo e oposição, para fazer valer direitos e agendas.

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