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América Latina

Em carta a Lula, Mujica defende uma integração 'que inclua o povo'

Ex-presidente do Uruguai fez uma série de recomendações ao mandatário brasileiro, em função da reunião entre presidentes da América do Sul, programada para a próxima terça-feira

Luiz Inácio Lula da Silva e José Pepe Mujica (de bigode) (Foto: Ricardo Stuckert)
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Opera Mundi - O ex-presidente do Uruguai, José “Pepe” Mujica, enviou uma carta ao seu amigo, o presidente brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva, com uma série de reflexões e recomendações a respeito da integração regional, tendo como foco a cúpula de presidentes sul-americanos que se realizará na próxima terça-feira (30/05), em Brasília.

 A missiva, publicada nesta sexta-feira (26/05) pelo jornal uruguaio La Diaria, defende a construção de uma “mística da integração”, e pede ao brasileiro que evite cometer “os mesmos erros do passado”.

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 Mujica também enfatizou a necessidade de que os esforços de integração sejam mais inclusivos, fazendo com que as mudanças possam ser percebidas e aproveitadas pelas pessoas em seu cotidiano e em seus projetos de vida. “A integração não será resultado somente da visão de intelectuais e políticos, senão do sentimento e do imaginário coletivo que saibamos construir. Os intelectuais e cientistas pensam, os povos sentem”, afirmou.

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Leia a íntegra da carta de Mujica a Lula:

Lula, querido companheiro presidente,

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 Quero lhe desejar sucesso em sua iniciativa com os presidentes da nossa região. Creio que é importante a criação de um espaço de encontro, conhecimento mútuo, diálogo e reflexão, e que bom que você o chamou de “retiro”. As reuniões presidenciais geralmente são chamadas de “cúpulas”, mas não existem cúpulas sem montanhas onde se apoiar. Essas montanhas são os nossos povos.

 O retiro cria uma oportunidade histórica cujas dimensões dependerão da grandeza demonstrada pelos participantes. A partir daí, se moverão as montanhas e crescerá uma cordilheira de povo, alta como os Andes, símbolo da unidade que estamos buscando. As grandes decisões que movem o mundo são tomadas em outros lugares, longe da nossa mesa. É preciso construir vínculos em nossa região para que possamos, juntos, fazer-nos escutar a nível internacional. Os desafios que temos como humanidade requerem, mais do que nunca, de esforços coletivos e propostas inovadoras.

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 Como você sabe, eu participei de algumas reuniões com enviados de presidentes sul-americanos. Eu olhava esse punhado de lutadores sociais e políticos. Juntos, acumulávamos mais de meio século de prisão e exílio em nossas biografias, além de décadas de experiência em governos nacionais e na liderança de organizações sociais. Vidas inteiras dedicadas a melhorar as condições de vida da nossa gente.

 Mas já vivemos dois séculos de fracassos, tentando uma integração regional a partir daquele sonho bolivariano, de um conjunto de repúblicas confederadas, que ficou olvidado no tempo. Agora, temos suficiente experiencia suficiente para não repetir os mesmos erros do passado.

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 Não basta que nos unamos, devemos também caminhar juntos, e se não for possível em algumas ocasiões, as portas devem estar abertas para sair e voltar quando seja possível. Devemos ser capazes de construir um consenso progressivo que não nos paralise e que permita o avanço daqueles que estejam em condições de fazê-lo, e depois incluir aqueles que assim o desejem.

 Não é inteligente repetir os fracassos. A inovação não vem somente da tecnologia. Também nasce da nossa forma de atuar como militantes políticos e sociais, pela qual podemos inovar, tomando em conta tudo o que não pudemos, não quisemos ou não soubemos fazer. Devemos construir, não impor.

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 Quero compartilhar brevemente algumas reflexões. Considere isto como uma modesta contribuição de um grupo de ajuda. Não temos pretensões nem expectativas, sabemos que esse é o peso e a responsabilidade daqueles que estão nos governos. Trabalhamos para nos apoiar e nos defender. Não são questões de esquerda, de direita ou de centro, mas sim de sermos países desenvolvidos ou não.

 A integração regional é uma meta. O caminho passa pela proliferação de projetos de cooperação entre dois ou mais países da região. Há um extenso e legítimo inventário de propostas plasmadas em recentes reuniões regionais.

 Acreditamos que os projetos devem, de alguma forma, potenciar a solidariedade continental e despertar a sensação de pertencimento. Pensamos que isso deve ser algo que possa ser sentido pelas pessoas. É indispensável que se desenvolva uma visão integradora que represente as necessidades, os valores e os desejos dos nossos povos.

 Por exemplo, uma plataforma permanente de resposta regional rápida diante de desastres naturais; melhorar a integração energética e as infraestruturas regionais; promover a industrialização e a complementação produtiva entre os países da região; dinamizar o comércio, criando formas concertadas para as transações com nossas próprias moedas; buscar acordos para melhorar os mecanismos alfandegários, assim como a necessária harmonização dos protocolos sanitários e fitossanitários.

 São exemplos de metas alcançáveis. Partir do possível para chegar ao desejável, promover projetos que possamos realizar. Para isso, contamos com uma ferramenta fabulosa, como é o Banco de Desenvolvimento da América Latina (CAF).

 Precisamos facilitar a circulação de cidadãos. Devem abundar os intercâmbios estudantis e a validação de diplomas, multiplicar os espaços de encontro entre as novas gerações, cujo futuro se decido agora.

 Devemos nos unir na proteção da água doce e na defesa da natureza. Todos nós nos identificamos, em todos os cantos do continente, com aquilo que representa a Amazônia, a vida em toda a sua grandeza e dignidade, como também evocam os Andes, com a abundância, a liberdade dos prados e as riquezas da entranha das nossas terras.

 A integração não será resultado somente da visão de intelectuais e políticos, senão do sentimento e do imaginário coletivo que saibamos construir. Os intelectuais e cientistas pensam, os povos sentem. Por isso, precisamos de datas, de uma bandeira, de um nome, até mesmo de um hino.

 Sem a força do povo, continuaremos imóveis. Devemos construir mística, porque esta é a luta por outra cultura, algo que nunca alcançamos.

 Até hoje, quando falamos de integração, temos sido como fenícios, preocupados em quanto eu vendo, quanto você me vende. Os fenícios foram mercadores formidáveis, mas não criaram nenhuma civilização.

 Um passo no caminho da meta de integração seria ter um mesmo dia do ano em que, em todo o nosso continente, todas as escolas possam se dedicar a esse tema. Em português, em espanhol ou em suas línguas locais. Cada um em seu lugar, e todos juntos.

 Avançar na integração significa difundir paixão, esperança e conhecimento entre o nosso povo.

 Dois temas de organização parecem ser muito úteis:

 Pensamos que deve ser fluída e frequente a comunicação entre os presidentes, para que falem diretamente com seus pares quando o considerem pertinente. Cada presidente, ou um membro do seu círculo mais próximo, deve ter os meios para contactar fácil, informal e rapidamente os seus pares.

 No gabinete, ou o mais perto possível do presidente, deve haver uma pessoa com a função de dar seguimento aos projetos que envolvem dois ou mais países da região, para avaliar o progresso, facilitar informações, resolver obstáculos, escutar as pessoas, fazer avançar. Essa pessoa cumpriria a função de “secretaria de integração” e deveria atuar permanentemente para motivar a os responsáveis estatais envolvidos nos projetos.

 Nossos representantes em foros internacionais devem apresentar posições e propostas acordadas previamente, para mostrar que somos uma região que cuida dos seus interesses comuns. É desejável que nossos presidentes incorporem alusões à região em cada discurso a nível nacional e internacional.

 Querido Lula, o conjunto de crises globais que estamos vivendo pode levar ao colapso das condições essenciais para a vida no planeta. Muitos esforços serão necessários para enfrentar as mudanças climáticas, a crise do modelo econômico hegemônico, o ordenamento internacional obsoleto e as grandes forças polarizantes. Unir forças é o mínimo que podemos fazer para não sermos vítimas passivas e para dar a nós mesmos a oportunidade de um futuro melhor.

 Conhecemos a sua liderança e esforço, que abarca muito mais que a região e que incorpora uma mensagem de paz.

 Aos meus 88 anos, a capacidade de sonhar uma América distinta dá mais sentido à vida.

 Com os melhores desejos para todos os participantes do Retiro, lhe envio um abraço fraternal, do seu amigo e companheiro,

 Pepe

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