Jessica Buxbaum explica como as armas cibernéticas israelenses estão dominando a América Latina
Vigilância cibernética é um risco permanente na América Latina, diz jornalista
Artigo de Jessica Buxbaum originalmente publicado no MintPress News 7/3/23. Traduzido e adaptado por Rubens Turkienicz com exclusividade para o Brasil 247
Em janeiro, o jornal salvadorenho El Faro revelou que a polícia do país comprou três ferramentas de vigilância israelenses. Através de um contrato de aproximadamente US$ 2,2 milhões, a polícia de El Salvador adquiriu o Wave Guard Tracer da Wave Guard Technologies, projetado para rastrear chamadas, textos e informações; o sistema GEOLOC vendido por uma empresa israelense desconhecida, que intercepta sinais entre cartões SIM e torres de celulares a fim de fazer vigilância física; e o WEB Tangles, fabricado pela Cobwebs Technologies, que usa as contas de mídias sociais da pessoa para criar um relatório de identidade.
Israel é notório por vender armas e tecnologias de vigilância cibernética para governos de todo o mundo — e a América Latina não é uma exceção. Porém, em países como o México, onde a corrupção governamental é desenfreada, estas exportações israelenses são ainda mais insidiosas.
Os intermediários israelenses que supervisionam o mercado cibernético da América Latina
A polícia salvadorenha comprou a tecnologia cibernética de vigilância através da EyeTech Solutions, uma das principais empresas intermediárias israelenses que vendem spyware [softwares de espionagem] em toda a América Latina. A maioria das transações do mercado cibernético ofensivo são executadas por intermediários — os quais frequentemente recebem uma comissão de 12 – 15%. A empresa israelense sediada no México é operada por Yaniv Zangilevitch, um ex-oficial de espionagem do exército israelense e amigo pessoal do presidente salvadorenho Nayib Bukele.
Frequentemente, os intermediários estabelecem contratos graças às suas conexões com autoridades governamentais — como Samuel Weinberg. As relações de Weinberg com o ex-Secretário de Segurança Pública Genaro Garcia Luna o ajudaram a obter vários acordos de negócios. Garcia Luna foi considerado culpado nos EUA na semana passada por tráfico de drogas e crime organizado. Agora, a Unidade de Inteligência Financeira do México está investigando a família Weinberg pelas suas relações com Garcia Luna, bem como o seu envolvimento em escândalos de espionagem política. Os Weinberg não foram encontrados para fazer comentários.
Ex-funcionário da segurança pública do México, Tomás Zerón de Lucio também mantém relações com intermediários de cibertecnologias israelenses como Avishay Samuel Neriya. Neriya é sócio de outro homem de negócios israelense, Uri Emmanuel Ansbacher, da BDS Security Systems, que vendeu sistemas de espionagem às agências de inteligência mexicanas. Segundo a revista mexicana Proceso, Ansbacher foi o principal intermediário das empresas israelenses que vendem tecnologias de vigilância cibernética para as agências de segurança mexicanas — como o Escritório do Procurador Geral, o Secretariado de Defesa Nacional e o Centro de Inteligência e Segurança Nacional.
As conexões de Zerón com Israel lhe permitiram viajar para lá de modo a escapar das autoridades que o estavam procurando em conexão com acusações de tortura, desaparecimento forçado e peculato.
A analista de segurança mexicana Paloma Mendoza-Cortés explicou que a tecnologia cibernética ofensiva está sendo usada pelo governo mexicano de várias maneiras ilegais, incluindo o monitoramento de jornalistas, defensores dos direitos humanos, críticos acadêmicos e outros opositores e por grupos políticos de oposição para espionar o governo e outros partidos.
“Estas práticas são muito difundidas precisamente devido ao vácuo legal”, Mendoza-Cortés contou ao MintPress News: “Consequentemente, houve casos de autoridades de segurança que trabalham simultaneamente como consultores — uma situação que em outros países seria ilegal”.
Outro intermediário, Balam Security, chefiado por Asaf Zanzuri, vendeu numerosos sistemas de espionagem ao governo mexicano. Estes incluem um sistema aéreo tático sem piloto e um drone de coleta de inteligência fabricado pela manufatura israelense de armamentos Aeronautics. A Balam Security se gaba que os seus clientes incluem o Secretariado da Marinha do México, o Secretariado de Defesa Nacional, os Secretariados federal e estaduais de Segurança e Proteção Civil e a Polícia Federal.
Vigilância cibernética, um risco permanente na América Latina
Segundo a embaixada mexicana em Israel, 30 empresas de segurança cibernética operam no México, com algumas provendo serviços para o governo — como a Toka Cyber, a InElint e a Centraleyes (antes chamada de Cygov).
Em 2020, a empresa Toka foi selecionada pelo Chile e pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento para aconselhar o Chile sobre a sua prontidão nacional de segurança cibernética. Em resposta a consultas feitas pelo MintPress News concernentes às suas operações na América Centra e do Sul, a Toka declarou o seguinte:
O Banco Interamericano de Desenvolvimento contratou a Toka para um curto projeto de consultoria no Chile há três anos. A Toka já não provê serviços de consultoria e não tem, nem está buscando quaisquer negócios na América Central e do Sul.
A empresa InElint não tinha um contato para informações, nem um website disponível para se verificar o seu trabalho no México. A Centraleyes não respondeu às consultas do MintPress News.
Em adição a isto, os intermediários mencionados acima e outras empresas orquestraram vendas de produtos de empresas cibernéticas israelenses como Cognyte, Circles e Cellebrite Solutions — que operam no México e em outros países latino-americanos.
“As aquisições estatais de tecnologias que poderiam ser usadas para propósitos ilegais são riscos permanentes na América Latina”, disse Mendoza-Cortés, explicando que os maiores mercados para armas cibernéticas ofensivas estão na Colômbia, no México e em todas a América Central. “Isto ocorre graças a orçamentos de segurança significativos — reforçados por fundos de assistência de segurança dos EUA, aumentando a atratividade do mercado”.
Os clientes da empresa Cellebrite incluem agências de cumprimento da lei na Colômbia, incluindo a polícia nacional, cumprimento de leis no México e a patrulha de fronteiras da Argentina. O cumprimento das leis frequentemente se baseia no software da Cellebrite para extrair informações de celulares para usá-las como evidências, o que levanta preocupações legais e de segurança. Moxie Marlinspike, fundador do aplicativo criptografado de mensagens Signal, alega que o software da Cellebrite não é confiável e que as informações podem ser corrompidas — colocando potencialmente pessoas inocentes na cadeia.
Também cresceram as preocupações de que esta tecnologia poderia ser usada para processar judicialmente jornalistas, com as forças policiais de todo o mundo usando-a para aprisionar repórteres. Em 2019, o governo de Nicolás Maduro comprou mais de US$ 54.300 de ferramentas da Cellebrite para a polícia da Venezuela. Segundo o banco de dados comerciais da ImportGenius, a tecnologia da Cellebrite também foi importada pelo Equador, o Peru, o Paraguai e pela Embaixada Britânica no Panamá em 2018. A Embaixada Britânica não respondeu aos pedidos de comentários sobre por que e como está usando o Cellebrite. Cellebrite tampouco respondeu às questões do MintPress News sobre as suas operações nos países citados acima.
Através de um contrato com o Departamento de Estado dos EUA, a empresa Cognyte (antes conhecida como Verint Systems) grampeou as telecomunicações mexicanas e proveu o governo do país com acesso àquelas informações. Em 2021, a gigante das mídias sociais Meta disse que havia removido 100 contas ligadas à Cognyte por haverem visado jornalistas e políticos no mundo todo. Meta disse que o software da Cognyte é desenhado para explorar erros humanos, afim de coletar as informações de uma pessoa. A sua investigação identificou clientes da Cognyte na Colômbia e no México.
Uma recente investigação do jornal israelense Haaretz revelou que a empresa ofereceu o seu sistema Open Source Intelligence para o exército chileno, mas documentos vazados não confirmaram se estas ofertas se materializaram em vedas. Segundo a ImportGenius, o software da Cognyte também foi vendido no Equador e no Panamá. A empresa não respondeu aos pedidos de comentários do MintPress News.
Mendoza-Cortéz explicou que as armas cibernéticas israelenses têm se tornado imensamente populares na América Latina devido à corrupção. “É incrível que Israel, um dos países com os melhores serviços de inteligência, não esteja ciente do nível e profundidade da corrupção na América Latina”, disse ela.
E concernente a isto, ela explicou que “a tecnologia é suscetível a cair nas mãos erradas, aumentando a violência, a violação dos direitos humanos e a insegurança na região”.
*Jessica Buxbaum é uma jornalista do MintPress News que cobre a Palestina, Israel e a Síria. Seu trabalho foi publicado no Middle East Eyw, The New Arab e no Gulf News.