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Pedro Maciel

Advogado, sócio da Maciel Neto Advocacia, autor de “Reflexões sobre o estudo do Direito”, Ed. Komedi, 2007

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05 de outubro de 2014 foi o “18 Brumário” da esquerda?

Mas por que a classe média é assim, tão pouco generosa e democrática? Talvez em razão da história das políticas públicas no Brasil. No Brasil nunca existiu um verdadeiro Estado do Bem Estar Social como o europeu, que forjou uma classe média a partir de políticas de garantias públicas

Brasília - O Movimento Vem Pra Rua realiza manifestações em todo o país. O ato é em apoio à Operação Lava Jato e contra a corrupção e a forma de se fazer política no Brasil (Marcello Casal Jr/Agência Brasil) (Foto: Pedro Maciel)
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O dia 24 de Janeiro está se aproximando. Provavelmente será o dia da vergonha nacional, o dia em que a democracia será lancetada por aristocratas de toga, representantes privilegiados da plutocracia.

Como se chegou até aqui?

Vou compartilhar uma reflexão sobre as eleições de 2014, na qual milhões de brasileiros viveram em 05 de outubro de 2014 a experiência democrática restrita.

Naquele dia o voto dos milhões de brasileiros elegeu governadores, deputados, senadores e levou ao segundo turno outros tantos postulantes, especialmente ao cargo de principal governante do país e diferenças reais, entre os candidatos, tornaram a eleição muito relevante.

Mas só os muito ingênuos imaginaram que tratava-se de uma “festa da democracia”, estávamos longe disso, apesar de alguns fatos importantes terem ocorrido e merecerem registro, como a vitória do PCdoB no Maranhão (que impôs derrota acachapante ao candidato do clã Sarney) e a vitória do PT na Bahia em 1º. turno, fato eu desmoralizou os institutos de pesquisa que indicavam que o petista não teria mais que 20% dos votos.

Como sou pontepretano, campineiro e socialista foi nessa perspectiva comentei à época o resultado das eleições no meu estado, onde a esquerda em geral colheu uma derrota constrangedora.

Se os partidos de centro-esquerda do estado de São Paulo não foram exatamente “varridos do mapa” naquelas eleições, a votação expressiva de Aécio Neves no estado, quase 11 milhões de votos, contra pouco mais de 5 milhões de votos dados a Dilma, a diminuição significativa da bancada progressista na Câmara dos Deputados, a perda de uma cadeira no Senado, perda de cadeiras na Assembleia Legislativa e o desempenho sofrível de Alexandre Padilha representaram o inicio da ascensão de um neofascismo que estava adormecido e, pior ainda, a classe média que sempre apoiou os setores de centro-esquerda afastou-se desse campo. E a pergunta foi: por quê?

É verdade que a mídia bandeirante é implacavelmente contraria ao PT, foi amplamente favorável a Aécio e aos diversos candidatos de oposição, esse é um elemento importante, mas não é a causa principal.

A opção da classe média
Penso que o elemento de reflexão foi a opção da classe média pelos candidatos e partidos de direita.

Por que isso ocorreu? Teria sido a classe média paulista cooptada pelos setores mais conservadores com seu discurso sedutor? É possível, e não teria sido a primeira vez. Foi assim no tempo de Getúlio, Juscelino e João Goulart.

Quando ouvi a Marilena Chauí dizer que a classe média é fascista, violenta e ignorante, tive a reação que provavelmente todos tiveram, fiquei perplexo e rejeitei a tese inicialmente, afinal não dá para pensar em um país menos desigual sem uma classe média forte.

Nos governos Lula e Dilma o aumento da classe média foi interpretado como sinal de desenvolvimento do país, de redução das desigualdades, de equilíbrio da pirâmide social, e mais, de positiva mobilidade social, em que muitos têm ascendido na vida a partir da base. A classe média seria como que um ponto de convergência conveniente para uma sociedade mais igualitária. Para a esquerda, sobretudo, ela indicaria uma espécie de relação capital-trabalho com menos exploração.

Mas a classe-média paulista não votou nos partidos ou candidatos de centro-esquerda ou de esquerda, porque revelou-se reacionária e assumiu o discurso da meritocracia que, como sabemos, ela [a meritocracia] está na base de sua ideologia conservadora e se opõe à democracia em vários aspectos estruturantes dessa.

Assim, boa parte da classe média é contra as cotas nas universidades, pois a etnia ou a condição social não são critérios de mérito; é contra o bolsa-família, pois ganhar dinheiro “sem trabalhar”, além de um demérito, desestimula o esforço produtivo, esse é o seu discurso; ela [a classe média] quer mais prisões e penas mais duras porque meritocracia também significa o contrário, pagar caro pela falta de mérito; reclama do pagamento de impostos, porque o dinheiro ganho com o próprio suor não pode ser apropriado por um Governo que não produz e muito menos ser distribuído em serviços para quem não é produtivo e não gera impostos. A classe média paulista (e paulistana de forma mais acentuada) é contra os políticos porque em uma sociedade racional, a técnica, e não a política deveria ser a base de todas as decisões: então, deveríamos ter bons gestores e não políticos. Tudo uma questão de mérito (essa lógica estupida nasceu a figura constrangedora de João Dória em 2016).

Triste tudo isso, mas real no nosso estado...

Mas por que a classe média é assim, tão pouco generosa e democrática? Talvez em razão da história das políticas públicas no Brasil. No Brasil nunca existiu um verdadeiro Estado do Bem Estar Social como o europeu, que forjou uma classe média a partir de políticas de garantias públicas.

O nosso Estado no máximo oferecia oportunidades, vagas em universidades públicas no curso de medicina, por exemplo, mas o estudante tinha que enfrentar 90 candidatos por vaga para ingressar. O mesmo vale para a classe média empresarial, para os profissionais liberais, etc. Para estes, a burocracia do Estado foi sempre um empecilho, nunca uma aliada. Mesmo a classe média estatal atual, formada por funcionários públicos, é geralmente concursada, portanto, atingiu sua posição de forma meritocrática.

Então, a classe média brasileira se constituiu por mérito próprio, e como não tem patrimônio ou grandes empresas para deixar de herança para que seus filhos vivam de renda ou de lucro, deixa para eles o estudo e uma boa formação profissional, para que possam fazer carreiras também por méritos próprios. Li tudo isso e li também que isso tudo forjou o ethos meritocrático da nossa classe média; ethos que se opõe às políticas sociais desenvolvidas pelo PT e seus aliados. Esse conflito só seria mitigado com mais democracia, mais debate e mais participação popular.

Mas há outro aspecto.

A burocracia partidária

Some-se a isso tudo o fato de que, apesar de a Presidente Dilma ter liderado e vencido em 2014 no 1º e 2º turnos a corrida presidencial, dizem setores do próprio PT foram seus maiores adversários e poderiam ter levado Dilma à derrota, não foi o que aconteceu, mas a arrogância e cegueira de alguns criaram as condições necessárias ao Golpe de Estado de 2016.
  
A quais setores eu me refiro?

Aos que, diferentemente da presidente e de Lula, passaram a crer que o país não existia antes deles, aqueles que se tornaram desprezíveis burocratas e distanciaram-se das ações socialmente validades e sustentáveis, aqueles que se distanciaram do povo brasileiro.
Me refiro à burocracia partidária, a qual assemelha-se às castas, pelo fato de encontrar-se sempre pronta a cerrar os olhos perante os mais grosseiros erros dos seus chefes em política geral se, em contrapartida, estes lhe forem absolutamente fiéis na defesa dos seus privilégios.
Será possível fazermos um paralelo entre a derrota da esquerda no estado de São Paulo naquele 05 de outubro de 2014 com o que ocorreu na França do século XVIII (quando revolução foi derrotada pela aristocracia com apoio da própria burguesia)?

Penso que sim.

Reli recentemente o “18 Brumário de Luiz Bonaparte”1 elaborado por Marx.

O “18”, vou chamá-lo assim, procurou compreender por que do fracasso da revolução na França e as razões do golpe de Estado de Luiz Bonaparte, pelo menos é assim que eu interpreto o texto.

Nas quatro primeiras partes do “18” Marx faz um resumo do “Luta de Classes na França” e segue tratando dos fatos que ocorreram e culminaram com o Golpe de Estado de Luiz Bonaparte. Marx procurou analisar e explicar porque a revolução pós-burguesa, que se instalou depois da revolução burguesa de 1789, fracassou.

Uso esse texto e comparo com a derrota da esquerda no estado de São Paulo nas eleições desse 05 de outubro.

Bem, a revolução pós-burguesa fracassou porque a burguesia francesa do século XVIII impediu sua evolução e continuidade, em razão do viés social e popular que a revolução de 1789 tomou. E como a burguesia fez isso? Renunciou ao poder político, manteve intacto o poder econômico sob seu controle absoluto e usou os setores médios da sociedade.

Nasceu o bonapartismo e foi apresentada à História uma face pragmática da burguesia, seu desejo de poder através do controle da economia, sua face de classe, sua natureza não democrática e seu posicionamento enquanto classe. A revolução foi domesticada e depois disso ocorreu o golpe de Estado de Napoleão, é o 1º. Brumário. Teria sido a militância petista domesticada pelos 12 anos no poder?

O 5 de Outubro de 2014 revelou que a esquerda tem de refazer suas alianças com a classe média, com os micro e pequenos empresários, pois os setores conservadores no estado de São Paulo cooptaram e cooptam a classe média de diversas formas e ela, classe-média, que deveria ser aliada das classes sociais mais humildes acaba seduzida pela cantilena liberal e sonha ser elite, esse sonho faz com que ela rejeite todos que possam geram turbulência àqueles que a seduziram e que prometeram que nela [a classe média] será elite um dia.

O sonho da revolução pós-burguesa e o sonho de uma sociedade de iguais foi varrido por Bonaparte com ajuda da burguesia e ocorreu o retorno dos aristocratas e a ascensão da aristocracia burguesa. Esse 05 de Outubro seria o 18 Brumário da esquerda?

Finalizando
Bem, mantenho-me onde sempre estive, nas fileiras dos setores progressistas, dos trabalhadores, do micro, pequeno e médio empresário, confiante e com a certeza de que o Brasil pode e deve seguir avançando nas mudanças iniciadas em 2003, mas é necessária uma reflexão honesta acerca da tática, das ações no governo e, em qualquer hipótese buscar a reconciliação com antigos companheiros que buscaram acolhida no PSB, PDT, PSOL, PV, PPS, esquerda do MDB e com todos os setores democráticos e patriotas, afinal todos tem muito a dizer, aprender e ensinar e no dia 24 de janeiro todos que puderem devem estar em Porto Alegre para defender a democracia e a restauração do Estado de Direito.

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