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A capital da ditadura

O movimento contra a construção do Memorial Liberdade e Democracia João Goulart em Brasília deita suas raízes na falta de educação política e de civismo que, afinal, não é privilégio da capital federal

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O movimento contra a construção do Memorial Liberdade e Democracia João Goulart em Brasília deita suas raízes na falta de educação política e de civismo que, afinal, não é privilégio da capital federal. É um repúdio ensaiado que germina em solo impróprio, mas fértil, onde costumam vicejar ódios, rancores, mágoas, ressentimentos e recalques comuns ao consultório do especialista. E como manifestação indevida busca legitimar-se em aleivosias e leviandades tais como atribuir aos mortos juízos que por esta condição não podem confirmar ou desmentir. Paira no ar a dúvida: será que mestre Niemeyer terá projetado o memorial sem saber onde seria erguido? Desde logo rejeito o argumento por suspeito de servir aos interesses dos detratores de Jango, única e exclusivamente a eles. No mesmo viés, não se pode admitir que "Brasília não quer" o memorial. Suponho que a Brasília a que se referem vagamente, ligeiramente, levianamente, não excede o grupelho cujo grão-mestre já tem patenteados não apenas o criador da capital, como também suas iniciais, seu nome e seu sobrenome, e quem sabe seu sorriso e seu aceno de mão.

A julgar pelo alto grau de indignação desse grupo, pode-se imaginar veto ideológico ao governo João Goulart, aos seus planos anunciados há 51 anos e até hoje na agenda nacional; e, nesta hipótese, os opositores à homenagem ao único presidente brasileiro morto no exílio formariam, ombro a ombro, com os militares que o sucederam inconstitucionalmente na presidência da República. Supor-se-ia, também, que este reduzido e exclusivo clube saudosista endossa a infâmia de que Jango era comunista, mas para evitar o anacronismo deste pensamento nos dias em que os EUA reatam com Cuba e a União Soviética é um retrato na parede (qual a Itabira de Drummond) sublimemos esta suposição. No entanto, sob a superfície rasa da falácia que adivinha "dinheiro público" na obra que "agride o patrimônio da humanidade" e outras supostas verdades absolutas se esconde o pensamento arcaico, vetusto e desgastado do anticomunismo cego e surdo aos gritos da contemporaneidade.

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Para começo de conversa, o Instituto João Goulart não tem verba de governo algum, seus primeiros passos são custeados por doações via internet, no sistema de "crowdfunding". Em segundo lugar, o memorial será erguido em terreno apropriado, ao lado do Memorial JK. Não será um templo religioso construído em quadra residencial ao arrepio da legislação do uso do solo no Distrito Federal, nem será um mastro na Praça dos Três Poderes, óbvia agressão ao projeto original de Niemeyer e Lúcio Costa e impune ao fim da ditadura que o plantou. Em terceiro lugar, o mote segundo o qual Jango "não gostava de Brasília" é de infantilidade espantosa, beira a molecagem. Como se o fato de ser gaúcho (e não mineiro) tornasse Jango menos brasileiro – ou ainda pior: como se Brasília não tivesse em sua história Hélio Prates da Silveira, Arthur da Costa e Silva, Aimé Lamaison, Emílio Médici, Ernesto Geisel, gaúchos a quem jamais foi indagado se lhes agradavam as tesourinhas da capital da república; todos tiveram-na como missão político-administrativa da qual se desincumbiram conforme sua capacidade.

De fato, julga-se apenas o presidente deposto João Belchior Marques Goulart, duas vezes vice-presidente da república (a primeira de Juscelino Kubitschek), herdeiro do getulismo desenvolvimentista de Volta Redonda, da Petrobras, do trabalhismo petebista do aumento de cem por cento no salário mínimo nos anos 1950, da criação do décimo terceiro salário em 1962, hoje ameaçado pelo Projeto de Lei da terceirização, de autoria de um antigo correligionário do grupo contrário ao Memorial João Goulart – veja como é a vida, simples e sem mistérios. Como Jango, cuja memória histórica foi restabelecida em caráter oficial pela presidenta Dilma Rousseff há um par de anos apenas.

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Aí poderia residir a verdadeira motivação dos que se opõem à criação do Memorial Jango, nas semelhanças de estilo e de objetivos entre os programas de governo de então e de hoje. Os mesmos interessados em manter o povo acabrunhado e silente na ignorância de sua História se insurgiram nas décadas de 1950, 1960 e se insurgem na atual. Os interesses capitalistas internacionais continuam a ditar diretrizes e diatribes aos golpistas de ocasião. É aí, no dinheiro, onde se refugia a ideologia deles. Não é por temor à figura de João Goulart, mas pelo que ela representa no contexto republicano que se ergue a onda contra a justa homenagem do memorial. É contra toda e qualquer tentativa de construir uma sociedade menos injusta, menos desigual, menos desumana do que a nossa. Que mal há em Brasília contar em seu acervo arquitetônico com memoriais a JK, Jango, Vargas e outros que tenham trazido progresso econômico e social ao país? Qual o desdouro em dedicar um trecho do eixo Monumental a esses monumentos? Qual o problema real, onde está o incômodo que tanto irrita o grupo que se opõe ao Memorial Liberdade e Democracia João Goulart? Pesquisando declarações, esmiuçando argumentos e destrinchando alegações, não se logra alcançar o mínimo motivo legítimo, à exceção daquele jamais explicitado, que é manter o feudo e seus senhores, à revelia dos avanços e das conquistas populares. Há trinta anos se disse que o fim do regime militar trouxera ao poder a "vanguarda do atraso". É a mesma mentalidade que pretende manter para sempre Brasília como "a capital da ditadura"; não como a cidade futurista construída por Juscelino.

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