CONTINUA APÓS O ANÚNCIO
Marcelo Zero avatar

Marcelo Zero

É sociólogo, especialista em Relações Internacionais e assessor da liderança do PT no Senado

364 artigos

blog

A Constituinte Neoliberal e Pinochetista de Guedes

Colunista Marcelo Zero afirma que Paulo Guedes e Jair Bolsonaro querem substituir a Constituição Cidadã "por uma Constituição do Capital, baseada no desmantelamento dos direitos sociais e econômicos, na desconstrução do incipiente Estado de Bem-Estar, na privatização generalizada". "A Constituição de Ulysses Guimarães seria substituída pela Constituição de Pinochet"

CONTINUA APÓS O ANÚNCIO

✅ Receba as notícias do Brasil 247 e da TV 247 no canal do Brasil 247 e na comunidade 247 no WhatsApp.

O governo Bolsonaro/Guedes está promovendo uma mudança profunda na ordem social e econômica que vigorava até pouco no Brasil. A ordem criada pela chamada Constituição Cidadã, de Ulysses Guimarães.

Essa Constituição, devidamente aprovada por uma Assembleia Nacional Constituinte, previu um modelo que ampliava os chamados direitos socais e econômicos da população, construía um incipiente Estado de Bem-Estar, arquitetava um pacto federativo e instituía mecanismos de controle, que ao prever, entre outras coisas, repasses obrigatórios para a Saúde e a Educação, moderava a voragem capitalista, em nome do bem-estar geral do povo. 

CONTINUA APÓS O ANÚNCIO

O exemplo vinha das realizações civilizatórias da socialdemocracia europeia, que, em geral, havia obtido sucesso, no pós-guerra, na implantação de um modelo que combinava crescimento econômico com distribuição de renda, eliminação da pobreza e planejamento estatal. 

Tal modelo, ressalte-se, foi o que permitiu a criação de modernas democracias inclusivas e de sistemas de representação política mais permeáveis aos interesses das classes trabalhadoras. Com efeito, foi a ampliação dos direitos sociais e econômicos que permitiu o efetivo desfrute dos direitos civis e políticos a toda a população. Não há cidadania com desigualdade e pobreza. 

CONTINUA APÓS O ANÚNCIO

Agora, contudo, o governo Bolsonaro/Guedes quer implantar uma nova ordem econômica e social, sem a necessária participação de uma Assembleia Nacional Constituinte. 

Querem substituir a Constituição Cidadã, a Constituição do Cidadão, por uma Constituição do Capital, baseada no desmantelamento dos direitos sociais e econômicos, na desconstrução do incipiente Estado de Bem-Estar, na privatização generalizada, inclusive dos serviços públicos, na extinção de qualquer planejamento estatal e na implantação do Estado Mínimo. 

CONTINUA APÓS O ANÚNCIO

Em outras palavras, a Constituição de Ulysses Guimarães seria substituída pela Constituição de Pinochet, a mesma que os chilenos querem extinguir a todo custo, mas que é o farol arcaico de Guedes e assemelhados.

Tudo começou, reconheça-se, com a Emenda Constitucional nº 95, que implantou o teto de gastos primários por longos 20 anos, uma loucura inédita em todo o mundo. 

CONTINUA APÓS O ANÚNCIO

Embora tal emenda tenha sido justificada pela busca do “equilíbrio fiscal”, seu objetivo principal, estrutural, sempre foi o de tornar inevitável o Estado Mínimo e uma nova constituição “pinochetista”. 

Assim, essa emenda implantou um teto absoluto, inflexível, que não depende do comportamento das receitas. Caso a preocupação essencial fosse com o “equilíbrio fiscal”, o teto dos gastos teria sido moderado pela arrecadação. Não o foi. 

CONTINUA APÓS O ANÚNCIO

Com esse teto inflexível aconteceu algo inevitável, que quase todos previram. As despesas discricionárias, inclusive os investimentos, caíram bem mais que as despesas obrigatórias, por motivos óbvios. Desse modo, a participação dessas despesas nos gastos totais caiu muito. Em outras palavras, o teto de gastos forçou a queda da qualidade do gasto público, o que passa a justificar as “novas medidas”. 

Isso está explícito na justificação da PEC Emergencial (PEC nº186, de 2019).

CONTINUA APÓS O ANÚNCIO

Está lá escrito:

......a âncora fiscal desse processo necessita de reforço. Quando aprovado o Teto de Gastos, esperava-se a aprovação de uma série de medidas que contivessem a expansão das despesas obrigatórias, entre elas a reforma previdenciária.

No entanto, a aprovação destas medidas foi postergada, o que exigiu a contenção da expansão da despesa primária a partir da redução das discricionárias aos menores níveis da série histórica disponível. Como consequência, observa-se acentuada compressão do investimento público, o qual em 2019 poderá ser inferior a 0,5% do PlB, ante 1,4% do PIB em 2014. Esta redução das despesas discricionárias também tem mostrado potencial de comprometer a capacidade operacional dos órgãos federais para a prestação de serviços públicos essenciais aos cidadãos

As despesas obrigatórias, responsáveis por mais de 94% da despesa primária total, apesar de terem seu crescimento arrefecido, ainda seguem trajetória ascendente. Embora essencial para o ajuste estrutural, a reforma da previdência não irá impedir o crescimento das despesas obrigatórias até meados da próxima década. 

Desta forma, este período de transição requer a adoção de medidas adicionais transitórias, para sustentar o Teto de Gastos, assegurar os ganhos advindos com a queda dos juros e da inflação e, como consequência, dissipar incertezas ainda remanescentes quanto à sua viabilidade.

Assim, a PEC apresentada tem como objetivo principal a contenção do crescimento das despesas obrigatórias para todos os níveis de governo, de forma a viabilizar o gradual ajuste fiscal indicado pelo Teto de Gastos e dispor instrumentos para que os gestores públicos locais, preocupações com a saúde financeira dos entes, cumpram sua missão. 

Como se vê, o Teto de Gastos (com maiúsculas) produziu uma profecia autorrealizável. Ele “forçou” a realização da reforma da previdência e, como não isso foi suficiente, agora torna-se necessário “viabilizar o ajuste fiscal que sustente o Teto”, com novas medidas destinadas a cortar ainda mais as despesas obrigatórias, sob a suposição de que a elusiva “fadinha da confiança”, que não deu as caras com o golpe de 2016, com a prisão de Lula, com a reforma trabalhista, com a reforma da previdência, com os leilões do pré-sal e com tudo o mais que foi feito, agora, com as PECs pinochetistas, nos fará crescer com sua varinha de condão, mesmo que a desigualdade, a pobreza e o desemprego continuem elevados. Acredite, se quiser. 

O que essas PECs pinochetistas preveem não é pouco.

Aproveitando-se do senso comum imbecilizado, que vê o Estado e os funcionários públicos como as fontes de todos os males, pretende-se reduzir, de forma linear, os salários do funcionalismo em 25% e impedir promoções e estruturações de carreiras, bem como novos concursos públicos para repor os que se aposentam. 

Além disso, prevê-se a proibição de valorização real do salário mínimo; que eventuais excessos de arrecadação de recursos vinculados possam ser utilizados para amortização da dívida pública; a proibição de criação ou expansão de programas e linhas de financiamento, assim como de refinanciamento de dívidas, a revisão de todos os benefícios fiscais etc.

Todos esses gatilhos seriam acionados, em caso de descumprimento da regra de ouro, para a União, e, para Estados e Municípios, no caso em que as despesas correntes cheguem a 95% das receitas. Desse modo, nas condições atuais, esses gatilhos seriam acionados de imediato, para a União e para a grande maioria de Estados e Municípios. O chamado “Estado de Emergência Fiscal” deverá ser constante.

Ademais, as medidas a la Pinochet e Chicago Boys estipulam que todos os fundos não-constitucionais ou instituídos por lei orgânica ficam extintos, entre eles o FNDCT, que financia a ciência brasileira, que o Fundo Social, que garante 50% dos recursos para educação será extinto, que a vinculação dos royalties do pré-sal à saúde (25%) e educação (75%) acabará; que o repasse dos recursos do PIS-PASEP para o BNDES será reduzido de 40% para 14%; que não haverá mais revisão geral anual da remuneração dos servidores públicos; que o repasse para os entes federados do excedente em óleo do pré-sal não mais ocorrerá etc.

Não bastasse, elas determinam também a extinção de todos os municípios, que, a partir de 2025, não comprovem autossustentabilidade financeira. Também está previsto o fim virtual do planejamento estatal, pois não haverá mais PPA. 

Muda-se, assim, toda a ordem econômica prevista na Constituição de 1988, o que acarretará consequências sociais profundas. Em particular, os serviços públicos, principalmente saúde e educação, serão sucateados, o que abrirá caminho para mais uma profecia autorrealizável: sua privatização, como aconteceu no Chile. 

Como bem confessou o ministro Guedes, as PECs criam num “novo Estado” no Brasil. O Estado dos sonhos dele e do “mercado” e o Estado do pesadelo dos chilenos: o Estado Mínimo, sem nenhuma responsabilidade social e nenhum compromisso com a eliminação da pobreza, a redução das desigualdades e o provimento de serviços públicos. O Estado com o compromisso de atender somente os interesses do capital, especialmente do capital financeiro. Afinal, com o Teto dos Gastos, a reforma da previdência e essas PECs pinochetistas fica plenamente assegurada a remuneração do rentismo. 

Os “rombos” serão transferidos para os orçamentos dos cidadãos, especialmente os mais pobres. 

O pior é que esse austericídio constante, previsto no Teto de Gastos e agora efetivado nas PECs pinochetistas, agravará a recessão, além de aumentar a pobreza e a desigualdade. O neoliberalismo, especialmente esse neoliberalismo radical de Chicago Boy da década de 1970, simplesmente não funciona. 

A consequência mais nefasta de longo prazo será, contudo, o dano à democracia.

O economista Guilherme Santos Mello definiu bem essas PECs como um “AI-5 econômico”. O são. Em mais de um sentido.

Além de serem feitas sem o necessário concurso de uma Assembleia Nacional Constituinte, elas erodirão os fundamentos da democracia brasileira. Sem direitos sociais, igualdade e combate à pobreza não há democracia efetiva e sustentável. 

A experiência mundial, não apenas a do Chile, mostra que hoje em dia, as democracias não morrem mais em quarteladas e em AI-5 políticos, como sonha o clã Bolsonaro, mas sim com os AI-5 econômicos e sociais, que compõem a distopia neoliberal sonhada por Guedes e por outros Chicago Boys tardios e ultrapassados. 

As PECs pinochetistas de Guedes criam a profecia autorrealizável de uma permanente crise econômica, social e democrática. 

Há, porém, antídoto contra esse veneno institucional, social e político: povo na rua. 

iBest: 247 é o melhor canal de política do Brasil no voto popular

Assine o 247, apoie por Pix, inscreva-se na TV 247, no canal Cortes 247 e assista:

Carregando os comentários...
CONTINUA APÓS O ANÚNCIO

Cortes 247

CONTINUA APÓS O ANÚNCIO
CONTINUA APÓS O ANÚNCIO