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Ricardo Nêggo Tom

Cantor, compositor, produtor e apresentador do programa Um Tom de resistência na TV 247

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A cordialidade do racismo antirracista

Quando alguém diz: “Ele é preto, mas é gente boa” ou “Apesar de preta, você é bonita”, ele está sendo cordial, sem deixar de ser racista

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Após o início de intensos protestos nos USA, por ocasião da morte de George Floyd, assassinado covardemente por um policial branco, um surto de solidariedade racial tomou conta da sociedade e espalhou-se pelo mundo. Vou me ater apenas a falar do Brasil, país onde vivo e conheço bem de perto a estrutura do preconceito étnico nosso de cada dia. A presença africana no país passa pelas mais diversas personificações sociais e objetificações existenciais. Física, cultural ou psicologicamente, o negro brasileiro é visto de forma diferente nas relações. Sejam elas, políticas, religiosas, sexuais ou lúdicas.

Apesar da miscigenação racial evidente em nossa sociedade, e parte dela pode ser atribuída aos abusos sexuais (estupros) cometidos pelos senhores de engenho contra as mulheres pretas escravizadas, a polarização racial, que em tese seria inviável em virtude da diversidade de cores e culturas presentes na essência do nosso povo, intuiu-se “democraticamente” como uma herança maldita do Império. É aqui que se encaixa a cordialidade do racismo à brasileira. Todo mundo já ouviu alguém: “Que bobagem! Somos todos iguais”, fosse no intuito de negar a existência do racismo ou diante de uma tentativa cortês de dizer que não é racista, mas cultiva hábitos racistas sem perceber.

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Quando alguém diz: “Ele é preto, mas é gente boa” ou “Apesar de preta, você é bonita”, ele está sendo cordial, sem deixar de ser racista. Ao mesmo tempo em que se acredita estar sendo democrático, racialmente falando, esse alguém está respeitando a instituição do racismo como uma norma de convivência social. Lembram daquela música “Você não vale nada, mas eu gosto de você”? Pois é! O racismo cordial, sem a mesma licença poética da composição, é aquele que tolera publicamente os pretos, mas não abre mão do juízo de valor entre as raças. Principalmente, quando não tem nenhum preto por perto. Vocês não valem o mesmo que nós, eu não queria estar na pele de vocês, mas já que vocês existem me esforçarei para conviver com vocês da melhor forma. Até me direi antirracista se for preciso.

Um racista cordial não vê um preto com igualdade. Ele o enxerga com uma certa piedade, e o “aceita”, avaliza a sua presença em “seus domínios”, em nome do mito da democracia racial já citado anteriormente. Eu acho que o fato de brancos não matarem pretos por causa da cor da pele, pelo menos sob permissão legal do estado, é considerado por muitos para negar a existência do racismo no Brasil. Também acho que baseado nesse mesmo ponto de vista, muitos passaram a se considerar antirracista. Descobriram o preto que habita dentro de si, mas que eles farão de tudo para esconder novamente depois que a moda de defender preto passar. E a gente sabe que passa, né? Até uva passa. Basta surgir um mito que odeia minorias e considera privilégio qualquer política que as defenda, que muitos desses antirracistas o pedirão para que acabe com esse vitimismo e com essa frescura de defender preto.

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Essa sentimento antirracista, compartilhado por osmose e por modismo entre pessoas que nunca tiveram tanta empatia assim com a causa, vem tomando conta do país de forma perigosa e superficial. Quem nunca quis ou interessou em entender o funcionamento do nosso racismo estrutural, não deveria se dizer antirracista. Não conscientemente. Quem nunca procurou saber o porquê da necessidade, ou, até mesmo já se posicionou contrário às cotas raciais nas Universidades, não deveria usar selo antirracista no avatar do Facebook. Quem sempre ignorou a desigualdade racial e nunca conseguiu reconhecer-se como um privilegiado por ser branco, não deveria se posicionar como antirracista nesse momento. Soa como pura formalidade, pontuada como o mesmo racismo cordialidade de sempre. Pelo menos, os mais atentos perceberão.

Não se desarvore a querer fazer justiça a toque de caixa, quando você teve muito para isso e nunca quis. Por que agora? Por que o efeito manada te obriga? Para não dizerem ou descobrirem que você não passa de um racista cordial, caso não se posicione? Para aquele seu “amigo” ou colega preto que você nunca defendeu de fato, quando via que ele estava sendo tratado diferente de você por causa da cor ou sempre fez uma “brincadeira” racista sem maldade com ele, vir que vocês estão juntos e misturados? Procure estudar o tema e refletir sobre ele. Tentar colocar em prática algo cujo a mínima teoria é desconhecida, pode fazer com que você se arrependa depois. Vai que não era bem isso que você queria defender?

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Não basta dizer para não matar preto. É preciso aprender a respeitar as diferenças, não apenas de maneira cordial. A sua visão social, cultural e até humana, precisa mudar.  Não precisa ser preto para lutar contra o racismo, não precisa ser mulher para lutar contra o machismo, não precisa ser homossexual para combater a homofobia, mas é preciso não ser racista de fato e de direito, para ser antirracista. Todos são bem vindos à nossa luta, desde que não seja apenas tesão de uma noite. No dia seguinte, tem que saber o nosso nome e como foi parar na nossa cama. A nossa causa não é objeto de prazer para o bom mocismo e para o oportunismo do racismo cordial de ninguém. Não é para descartar depois de ter ficado bem na fita apoiando-a. Ou é para estar junto em todas horas, ou sigamos na nossa cordialidade.

Antirracismo. Ame-o ou deixe-o!

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