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Tarso Genro

Advogado, político filiado ao Partido dos Trabalhadores, foi governador do Rio Grande do Sul, prefeito de Porto Alegre, ministro da Justiça, ministro da Educação e ministro das Relações Institucionais do Brasil

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A destruição da República

"Considerações sobre as forças políticas que assaltam – por dentro e por fora do Estado", escreve o ex-ministro da Justiça Tarso Genro

(Foto: ABr)
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Por Tarso Genro 

(Publicado no site A Terra é Redonda)

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Busco inspiração num conto genial de O.Henry, “Histórias de uma nota de dez dólares”, para falar um pouco do difícil momento que atravessamos, na política, na economia, na cultura e na questão religiosa, tomada esta como o conjunto de avanços dos oportunistas nas religiões do dinheiro sobre a laicidade do Estado, somado às cumplicidades dentro do Poder Legislativo para a destruição da República. Na “Parte I”, do conto, o autor adverte, para explicitar com quem estamos falando na sua peça de ficção: é com a moeda! Ela, o substrato da política real das classes dominantes do mundo, simbólico mediador das trocas na circulação dos bens materiais e do capital financeiro, diz: “Eu sou uma nota de dez dólares, ano 1901. Talvez você já tenha visto alguma na mão de algum amigo seu”.

É a partir de dois fatos políticos, ambos naturalizados – como de costume – pela mídia tradicional, que a crise pode ser comentada com ilustração de fatos e exemplos: a aprovação da política do calote dos precatórios, que atinge todas as classes sociais e prejudica, como de costume, muito os mais fracos (sem poupança para resistir) e pouco os mais fortes ; e a indicação do Ministro “terrivelmente evangélico” para o Supremo, que deixou claro – no seu depoimento ao Senado – tanto a sua ignorância histórica como o seu desprezo pela Revolução Francesa, tanto a sua capacidade de mentir sobre o seu compromisso com a laicidade do Estado, como seu desprezo pelo Parlamento, cuja maioria queria ser enganada.

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Escreve O.Henry: “O dinheiro fala. Mas você pode achar que a conversa de uma velha e pequena nota de dez dólares em Nova York não seria mais do que um sussurro”. (…) “Mas não se esqueça que as moedas também podem fazer seus comentários aqui e ali”, segue O.Henry, lembrando que, quando você der uma gorjeta ao empregado da mercearia para ele roubar o peso da carne a seu favor, é possível ler, nas palavras escritas acima da efígie da moeda, o seguinte: “Nós confiamos em Deus.”

A “confiança em Deus”, a moeda, as celebrações místicas de “curas” mentirosas, os ataques simulados de fé em Deus (e não no dinheiro) no convescote da vitória dos Pastores configuram, hoje, não o surgimento de religiosidades generosas, capazes de irromper de qualquer confissão religiosa, mas um intercâmbio em moeda, entre forças políticas que assaltam – por dentro e por fora do Estado – os bens morais e materiais da República.

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A aprovação do calote dos precatórios não foi somente a desmoralização completa da política dos “tetos”, do neoliberalismo gendarme da circulação da moeda (para tranquilizar os financiadores da dívida pública no próximo ano), mas foi também a forma política que – por negociações com moedas bem maiores do que as de 10 dólares – ajustou as cumplicidades orçamentárias, entre o fascismo e ultraliberalismo, para ferrar os “de baixo”. Dez por cento que é retirado da renda dos mais pobres pode sinalizar a fronteira entre viver e morrer, mas para os mais ricos pode simbolizar apenas o adiamento da compra do próximo carro importado. Nestes episódios, falaram a todo o vapor as notas de dez dólares, para os que simulam confiar em Deus.

A indicação do “terrível evangélico” para Supremo, todavia, anunciou mais do que a quebra de um “pé”, na dignidade do STF. Ela fez do estupro da laicidade uma relação do mal planejado, já que a indicação previamente anunciada pelo Presidente (acatada pela maioria do Senado) funcionou, não apenas como uma pressão contra os fracos, mas sobretudo como ato preparatório para a confecção dos recibos de compra das consciências destes e da indução ao suicídio moral dos covardes.

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Estes dois eventos políticos mostram que estão longe de serem superados os efeitos da destruição política e moral da democracia liberal-representativa causada pela eleição de Bolsonaro. Precisamos ter em mente que a maioria dos que o apoiam, na sociedade, não são bandidos, nem são fascistas. Estão, na verdade, cansados do ritual democrático que nem sempre está ligado ao seu progresso material e cultural que, nos momentos de crise do sistema, lhes trata como peça de uma vasta engrenagem que eternamente torna os ricos mais ricos e os pobres mais deserdados.

Quem souber reconquistar o senso comum para vencer as eleições de 2022, vai ter que, rapidamente, conquistá-lo também para governar e melhorar a vida das maiorias, rapidamente, porque o cansaço da espera adiciona raiva. E a raiva é o elemento central da tentação totalitária. Contra esta é que se deve arrumar uma ampla frente política, que tenha no seu núcleo estratégico os pensamentos mais elaborados da esquerda e da centro-esquerda, para dirigir com firmeza a redenção econômica e política de um Brasil feito para todos.

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