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Hélio Rocha

Repórter de meio ambiente e direitos sociais, colaborador do 247

119 artigos

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A dramática entrada da América do Sul nos anos 2020

"Hoje, não há um país do continente que esteja estabilizado, quando não em convulsão social devido à década perdida dos anos 2010"

Repressão na Bolívia (Foto: AFP)
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A década de 2020 (que formalmente se inicia em 2021, mas na boca do povo começa mesmo na troca da dezena), começa com linhas dramáticas na história da América do Sul como poucas vezes antes na história, aí incluindo os anos 1970 e 1980, os chamados “anos de chumbo” no Brasil ou “décadas de las dictaduras” nos países vizinhos. Hoje, não há um país do continente que esteja estabilizado, quando não em convulsão social devido à década perdida dos anos 2010, quando, do caminho parecido certo para uma América do Sul livre e democrática, passou-se à súbita servidão ao capitalismo financeiro e aos anseios econômicos das grandes potências, sempre sendo protagonistas as mídias sociais com seu poder de dissuasão e convencimento ao bel-prazer de seus clientes (que via de regra não coincidem com os usuários).

Momentaneamente o caso mais dramático é o da Bolívia, em que, uma vez deposto o presidente Morales em um golpe de Estado com todos os ingredientes típicos daqueles perpetrados no século XX, assumiu como chefe de Estado a senadora Jeanine Añez, que já toma medidas de exceção como aparelhamento de TVs públicas e banimento de diplomatas de outros países, especialmente o México, que recebeu Morales em exílio. Novas eleições foram marcadas para maio deste ano, mas a experiência brasileira nos faz crer que as chances de retomada da presidência pelos movimentos populares são mínimas. 

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O cocaleiro Andrónico Rodríguez, considerado o herdeiro político de Evo Morales, lidera a disputa em pesquisas de intenção de voto, com 23% contra 21% do ex-presidente Carlos Meza, articulador do golpe. Entretanto, o adversário a ser vencido, mesmo, considerando os fenômenos políticos norte-americano e brasileiro em 2016 e 2018, é o do líder fundamentalista cristão Luis Fernando Camacho, que deve lançar uma chapa em comum com Marco Antonio Pumari, outro articulador golpista de viés anti-indígena. Os dois, juntos, têm os mesmos 23% do candidato popular, hoje um com 13%, outro com 10%.

Dado o poder de articulação dessas forças neoconservadoras de escopo antidemocrático, racista e supremacista cristão, que nasceram no Tea Party americano (corrente interna de extrema direita do Partido Republicano), da senadora pelo Alaska Sarah Palin, e se consolidaram na oposião ao projeto de bem-estar social de Barack Obama até tomarem forma no ultraconservadorismo e imperialismo de Donald Trump, imagina-se o que vai ocorrer na Bolívia. Uma escalada de mentiras, manipulações judiciais e potencialização da difamação nas redes sociais, patrocinadas por empresas (sobretudo estrangeiras), deixará pequena a margem de Andrónico Rodriguez para articular o povo contra Fernando Camacho.

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Da Bolívia para todo o continente é um pulo, em se tratando de perturbações externas, tendo se tornado, de repente, o Brasil um dos “países mais estáveis da América do Sul”, novamente, mais pelo drama dos vizinhos do que por nossa bonança, inexistente ante as intempéries do bolonarismo. O Chile diuturnamente passa por protestos, ameaças de ataque pelo Governo, num impasse que parece sem fim porque o presidente Sebastián Piñera se recusa a renunciar, pauta inegociável dos manifestantes. Pelos mesmos protestos passou o Equador, agora controlados, mas ainda latentes. A Colômbia de Iván Duque ainda não estourou como Chile e Equador porque possui um das redes de repressão e controle militar mais organizadas do terceiro mundo.

Por fim, três países importantes ainda estão às voltas com suas eleições. A Argentina é dona do único indicativo positivo no continente, com a retomada do peronismo nacionalista após a desastrosa passagem de Maurício Macri, o “Amoêdo argetino”, na Casa Rosada. O Uruguai ainda não sabe o quanto seu presidente neoliberal Lacalle Pou pode desarticular os anos de avanços em bem-estar social e políticas identitárias do governo da Frente Ampla, mas conta com uma das populações mais organizadas e com melhor nível educacional no continente para defender as estruturas do país.

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A vitória de Pou, por margem exígua, parece fruto do desgaste do Governo, quando o acúmulo de dificuldades enfrentadas ao longo dos anos sobressai aos êxitos e é depositado nas costas do grupo que está no poder. Faz parte do fluxo da alternância de poder nas democracias, cabendo à oposição mitigar anseios liberalizantes e repressivos que não estejam, de fato, na pauta defendida pela população (como aqui conseguimos com o decreto das armas: apesar de estar na pauta do presidente eleito, não era uma plataforma popular e, com a ajuda da oposição, foi refutada).

Por fim, a Venezuela entra em ano eleitoral para a Assembleia Nacional, presidida hoje por Juan Guaidó, mas com poderes limitados desde que o presidente Nicolás Maduro convocou a Constituinte, que opera em paralelo à Assembleia e restringe o seu poder conservador, majoritariamente atrelado às elites econômicas. Isto porque, no caso desta, as eleições produzem um congresso assemelhado ao atual no Brasil, ao passo que aquela chamada por Maduro compôs-se por meio de um sistema eleitoral proporcional às facetas de sua população, com cadeiras para indígenas, negros, mulheres, sindicalistas, pequenos comerciantes, autônomos, agricultores, empresários, isto é, qualquer que seja o grupo social venezuelano, mas em proporção reservada que, na medida do possível, resguarde semelhança com o que é, de fato, o povo da Venezuela.

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Em sendo assim, a Assembleia tende a renovar o mandato de Guaidó como seu presidente e, desta forma, permitir que ele siga por aí afirmando-se chefe de Estado do país que lhe conferiu, quando muito, 50 mil votos numa eleição parlamentar. As elites dos bairros de Mérida e adjacência, em Caracas, vão se movimentar neste domingo (5) para que ele seja seu representante no, até agora, único movimento golpista malogrado da América do Sul. Entretanto, a presidência de Maduro resiste porque tem ao seu lado o aspecto institucional (a Assembleia Constituinte, hoje com maior legitimidade popular) e militar. Guaidó, ainda que eleito, seguirá um boneco de posto de gasolina, utilizado quando desejarem as potências.

Este é 2020 para o nosso continente. Há 10 anos para mudar a situação sulamericana.

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