A esquerda está parada na encruzilhada
"A esquerda parou na encruzilhada e corre sério risco de morrer atropelada", escreve Luis Costa Pinto, do Jornalistas pela Democracia. "É sério que o melhor a fazer será seguir atrelada a um personalismo atroz que deu certo no passado porque estava reunindo os rios que corriam para o mar?", diz ele, em referência ao ex-presidente Lula
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Por Luís Costa Pinto, do Jornalistas pela Democracia
É claro que Lula devia estar livre, como está, porque afinal todo o processo que o condenou foi eivado de vícios em razão de o inquérito ter sido conduzido por procuradores da República com agenda pessoal e política que recebiam ordens de um juiz desonrado.
É claro que foi um golpe jurídico/parlamentar/classista o impeachment sem crime de responsabilidade imposto a Dilma Rousseff. Ela foi uma presidente sem competência política para ocupar o cargo que ocupou, mas sempre teve honra pessoal e espírito público louváveis e acima da média de todos os homens que já sentaram na cadeira presidencial.
É claro que Fernando Haddad era não só o melhor candidato à presidência em 2018, mas é até hoje um dos melhores nomes que o país produziu em todos os tempos com biografia disponível para nos governar. A derrota de Haddad no último pleito presidencial foi dolorosa e difícil de assimilar, sobretudo porque a soma dos não-votos com os votos dados a ele superaria com larga margem a opção dos 39% de eleitores aptos a ir às urnas naquele momento e que escolheram o caminho amoral, canalha, obtuso e equestre de dar o voto a um desclassificado capitão chamado Jair Bolsonaro.
É claro que os omissos, aqueles recalcados ou perversamente isentos, ou mesmo os legitimamente decepcionados com os governos do PT, que se recusaram a ir às urnas em outubro de 2018, ou que votaram em branco ou anularam o voto, têm de fazer um mea culpa sobre o impacto atroz de seus gestos no Brasil de hoje. Feito o mea culpa, aceitem-se as desculpas e vamos em frente porque temos a vida eterna para construir algo melhor num país onde o futuro alvissareiro nunca se realiza.
É claro que “Lula, Livre” era uma bandeira justa, agregadora e até confortável pela qual lutar. Ela reunia quem pensa com o lado esquerdo do cérebro, quem se deixa governar pela Justiça e sob a ordem constitucional, quem não olha o cenário político bovinamente esperando para agir como gado a seguir zurros de asno. Mas Lula está livre já há alguns meses, e é bom que assim permaneça por todo o tempo de vida que lhe resta (e espero que sejam muitos e muitos anos ainda), e aí?
Onde enfiaram o projeto nacional da esquerda brasileira? Que país queremos debater nos palanques municipais de 2020? O que estamos esperando para esboçar um caminho para 2022?
Lula era o projeto nacional em 1994, em 1998, em 2002. Não o foi em 1989, converteu-se nele em desespero quando passou para o segundo turno como azarão contra Fernando Collor. Em 2002 a vitória numa eleição presidencial do metalúrgico que construíra uma das mais belas biografias da luta política nacional representou o casamento do projeto de Lula com os anseios inespecíficos da maioria espoliada do povo brasileiro.
“No fim do meu mandato, quero que todo cidadão desse país coma ao menos três vezes ao dia”, disse o ex-presidente petista ao tomar posse. Ponto, e bastava: numa frase, o sentimento de seu povo. As políticas públicas convergiram para isso, e não só. Mas o centro de gravidade nevrálgico dos governos de Lula foram a construção do sonho de ofertar três pratos de comida diários para a maioria miserável do Brasil. Na esteira disso foram sendo edificados programas que permitiram uma vertiginosa mobilidade social, uma ascensão das camadas miseráveis da população a estratos mais dignos, uma ampliação maravilhosa das vagas em universidades e cursos técnicos para os filhos das famílias mais pobres, um crescimento econômico que permitiu ao país ter as menores taxas de desemprego de sua História.
Em 2006 a reeleição de Lula era uma ambição natural e ela ocorreu por merecimento a quem soube enfrentar com as armas constitucionais e dentro do ringue da política os solavancos da Ação Penal 470, consagrada na memória nacional como “mensalão”. Aquela vitória sobre Geraldo Alckmin, do PSDB, era já o retorno do projeto pessoal de Lula engatado na construção de um projeto mais ambicioso da esquerda que ele representava quatro anos antes. Ambos combinaram, jogo jogado e tudo deu certo. Entre 2003 e 2012, por uma década fabulosa e sopesando os erros de condução que seriam corrigidos no curso natural da política, o Brasil foi o melhor lugar para se estar no mundo.
E agora?
E agora, cassada Dilma no epílogo de um golpe dado por recalcados de variadas espécies, o que fazer?
O que fazer agora, depois que uma cleptocracia exerceu o poder no país entre maio de 2016 e dezembro de 2018 na esteira do golpe jurídico/parlamentar/classista que apeou da Presidência uma mulher incompetente, mas honrada?
E agora, que se instalou no Palácio do Planalto uma corja de arrivistas ineptos, sem classe ou preparo, aliados a juízes e procuradores da República que agem de má fé com projetos pessoais e ambições desmedidas, para não citar também os militares de pijama ou que ainda envergam coturnos rotos e uniformes desbotados, o que fazer? É essa horda de malucos grosseiros, obtusos, ridículos até, que detém as chaves dos cofres e as canetas com as quais o país deveria ser governado. Elevaram à condição de deuses de devoção pessoal um juizeco medíocre do interior do Paraná, notório descumpridor de leis e normas, e um economista mal intencionado cuja agenda é pessoal e dedicada aos ganhos que pode gerar para o mercado financeiro no curto prazo – porque com eles se locupletará junto à plateia que hoje o aplaude e incentiva e para cuja arquibancada anseia retornar.
E agora, esquerda? Esquerdas? É sério que o melhor a fazer será seguir atrelada a um personalismo atroz que deu certo no passado porque estava reunindo os rios que corriam para o mar?
A esquerda parou na encruzilhada e corre sério risco de morrer atropelada: está como o brasileiro de piada que vai a Nova York sem saber lhufas de inglês e marca o encontro com o amigo na esquina das ruas “walk” com “don’t walk” porque foram essas as palavras que viu piscando nos semáforos.
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