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Lula Miranda

Poeta, cronista e economista. Além de colunista do 247, publica artigos em veículos da chamada imprensa alternativa, tais como Carta Maior, Caros Amigos, Observatório da Imprensa e Fazendo Média

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A história de um gigante

Sempre que passo pela rua, faça chuva ou faça sol, ele me fornece alguma suposta notícia “fresquinha” – daquelas que seriam próprias ou típicas de colunas de intrigas ou das páginas policiais dos grandes veículos

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Gigante, como o próprio apelido sugere, é um homem grande, de mais de dois metros dos pés ao pescoço. Magrelo, pele escura – não exatamente escura como a “poética” graúna, mas como a pele dos escravos que vieram antes dele.

Migrante nordestino como eu, veio da pequena cidade de Campo Alegre, no pobre estado de Alagoas. É um dos inúmeros vigilantes, quase todos alagoanos e “alegrenses”, que trabalham no lado mais nobre do bairro de endinheirados onde moro.

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Infelizmente, apesar de residir nas franjas de um bairro que acolhe membros da alta burguesia paulistana, não sou um deles. Talvez por isso, Gigante não me chama de “Doutor”, como faz para com os outros moradores grã-finos; ele me chama de “jornalista”, e, também talvez por isso, sempre me conta as “novidades” do bairro.

Já faz alguns anos, chamou-me quando passava pela manhã, como sempre, distraído rumo ao trabalho, observando um velho companheiro de todas as manhãs: um joão-de-barro, que tem mania de gente e fica “caminhando” pela rua em meio aos passantes.

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– Jornalista, venha cá!

E já foi logo emendando:

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– A mulher do “Doutor Fulano”, aquela que trabalhou naquela novela das oito, foi ensinar a empregada a dirigir ontem à tarde. A “mulé” me derrubou o muro daquela casa ali e quase saiu atropelando todo mundo aqui na rua. Você vai colocar isso lá no seu jornal?

No que lhe disse:

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– Rapaz, deixa isso pra lá! A minha filha trabalha para o jornal do “Doutor Fulano”.

E esse negócio de fofoca a gente não publica não; a gente deixa pra lá, faz de conta que não aconteceu. Certas coisas a gente deve fazer de conta que não aconteceram, não divulga.

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– Ah, bom... Ele disse com uma indisfarçável frustração estampada na face.

Outro dia, anos mais à frente, contou-me um “terrível acontecido” na casa do tal

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“Doutor Fulano”, que envolvia o segurança da casa deste num determinado crime da maior gravidade. Mas esse “acontecido” não poderia, em respeito à privacidade das pessoas e por motivos éticos, revelar. Pois não se devem publicar “fofocas”. Cito, sem dar maiores detalhes, só para ilustrar, para dar uma vaga ideia, de quão frágil e precária é a “inexpugnável” segurança de alguns “endinheirados”.

Sempre que passo pela rua, faça chuva ou faça sol, ele me fornece alguma suposta notícia “fresquinha” – daquelas que seriam próprias ou típicas de colunas de intrigas ou das páginas policiais dos grandes veículos. Sei não, mas tenho a impressão que ele se sente um “cabra” importante ao servir como “fonte” de um jornalista. Aliás, essa “síndrome” provavelmente afete a todos os indivíduos que servem como fonte.

Quando não é para dar, “em primeira mão”, alguma notícia, ele me submete a uma espécie de “Quiz”, no qual faz perguntas relacionadas a conhecimentos gerais ou sobre o noticiário da ocasião. Outro dia, perguntou-me o que era o pré-sal. No outro, o que era “esse diabo de embargos inclementes”.

Nesse último caso, o dos “embargos inclementes”, além de explicar, mais ou menos, rapidamente, o que era os tais embargos infringentes, aconselhei a que perguntasse ao

“Doutor Fulano”, o dono do jornal, pois este sabia mais do que eu.

Ah! Recentemente, faz alguns meses, misturando os fatos e os personagens, perguntou-me se sabia sobre esse gringo que estava espionando o Brasil; queria saber quem era e como fazia para espionar a Dilma?

Por esses dias, caminhando pelas outras ruas do bairro, a caminho do metrô, percebi que Gigante também trabalhava à noite “guardando” a casa de um ancião. Perguntei-lhe então a que horas ele dormia, se trabalhava à noite na casa desse senhor e, durante o dia, como vigilante na rua do tal “Doutor Fulano”.

– Ah, eu não durmo não. Quando o sono bate eu tomo um banho de água fria e tá tudo certo. Eu só tiro um cochilo mesmo é nos meus dias de folga.

– Mas você não dorme nunca! Perguntei-lhe, espantado.

– Se cochilar, o cachimbo cai, jornalista! Tem que ficar sempre de tocaia, com uma quartinha de água numa mão e um pedaço de rapadura ou um “mói” de farinha na outra – respondeu-me em bom “nordestinês”.

Gigante é aquilo que se convencionou chamar, no jargão da malandragem, de “escudo de papel” ou “1º tiro”. Ou seja, é o indivíduo que representa apenas uma primeira barreira aos chamados “ladrões de galinha”, mas que de nada adianta diante de criminosos organizados e bem armados. É o primeiro a receber o “balaço” – daí o apelido de “1º tiro”. Ademais, integra aquele exército de seguranças privados que trabalham desarmados e são, quase sempre, despreparados para o ofício. Mas, a despeito disso, em face da crônica falta de policiamento e da incompetência de nossos governantes, auferem uma indispensável e ilusória sensação de segurança aos que lhes contratam o serviço.

Hoje, encontrei Gigante, como quase todas as manhãs. Estava extremamente pálido, com o olhar distante, meio leso, meio perdido, e com aquela indisfarçável cara de cansaço extremo. Disse-lhe então:

– O cansaço vai lhe derrubar, seu cabra! Esse negócio de não dormir tá lhe matando!

No que ele respondeu, falando como se fora um morto-vivo.

– É... Esse negócio não tá dando muito certo não. Se ainda fosse pra “enricar”, mas mal dá pra pagar as contas.

– Isso mesmo – eu lhe disse.

Se ainda fosse pra “enricar”...

Pobre Gigante...

É... São muitos os “Gigantes” espalhados por esse Brasil afora.

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