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Pedro Simonard

Antropólogo, documentarista, professor universitário e pesquisador

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A hora do pesadelo brasileiro

Quem vive no Brasil e tem um mínimo de discernimento crítico tem a impressão de estar vivendo um pesadelo que não acaba e piora mais e mais

(Foto: Isac Nóbrega - PR)
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Quem vive no Brasil e tem um mínimo de discernimento crítico tem a impressão de estar vivendo um pesadelo que não acaba e piora mais e mais. Um dos elementos mais assustadores deste pesadelo é a falência das instituições que não funcionam. O ministro Luiz Fux do Supremo Tribunal Federal, vice-presidente desta corte, em decisão que confronta outra tomada pelo presidente do Supremo, Dias Toffoli, tomou partido da Lava Jato, suspendendo por tempo indeterminado a implementação do juiz de garantias, uma jabuticaba prevista no pacote anticrime aprovado pelo Congresso em dezembro de 2019. O primeiro motivo alegado pelo probo juiz é que a proposta de lei que implementa o juiz de garantia deveria ter partido do Poder Judiciário, já que afeta o funcionamento da justiça no país. Argumento absurdo porque, no regime republicano onde existe a divisão de poderes, o Judiciário não cria leis, logo este argumento levantado por Fux é inconstitucional. O segundo motivo é que a lei foi aprovada sem que fosse determinada dotação orçamentária o que, resumidamente falando segundo o argumento do juiz, aumentaria as despesas sem ter fonte definida para cobri-las. Seria até razoável este argumento se o juiz que o elaborou não fosse o mesmo que decidiu a favor do auxílio moradia a ser pago aos seus pares. Será que o ministro pensou na previsão orçamentária quando aprovou mais um privilégio para os juízes?

O juiz de garantias é mais uma faceta da falência das instituições da sociedade brasileira. Na prática sua criação foi necessária porque a sociedade desconfia da honestidade dos membros do judiciário e das forças de segurança pública. O juiz de garantias seria uma tentativa de impor limites às decisões arbitrárias daqueles que têm poder de polícia e de justiça e teve como um dos motivos que levaram a sua proposição os desmandos da Lava Jato. Sérgio Moro se colocou contra a criação desta nova função para juiz, buscando defender seus próprios interesses. Aprovado o juiz de garantia pelo Congresso, Moro solicitou ao seu “peixe” que desse uma mãozinha para conter a implementação do juiz de garantias. O amigão de Moro, “in Fux we trust”, não se furtou a sujar as mãos para atender à demanda do amigo em apuros.

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Conhecendo a composição do judiciário brasileiro, podemos deduzir que a criação do juiz de garantias pode não alterar muito a realidade. É muito comum encontrarmos famílias que utilizam o judiciário como uma espécie de feudo. O próprio Fux tem uma filha que é desembargadora no Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro. A título de exercício imaginemos de que adiantaria a implementação do juiz de garantias em um caso em que o advogado de uma das partes fosse filho de um juiz, irmão do promotor e sobrinho do juiz de garantias? Muitos vão alegar que esta situação é muito difícil de ocorrer; difícil sim, mas não impossível. No TJ de Alagoas estas relações perigosas de parentesco podem ocorrer com uma certa facilidade.

Outro pesadelo é a gestão do Ministério da Educação. Parece que Bolsonaro faz uma prova de seleção para escolher o ocupante deste cargo cujos critérios eram ter a menor capacidade cognitiva e ser intelectualmente mais incapacitado. Após várias denúncias de medidas inapropriadas tomadas pelo ministro Abraham Weintraub, o mais novo escândalo é referente à elaboração da prova do ENEM 2019 e à divulgação das médias do SISU. Um monte de trapalhadas que desnudam para todos os cidadãos a incompetência do ministro Gene Kelly, aquele que dança com guarda-chuva. Não satisfeito com sua incompetência, Weintraub resolveu coroar sua inépcia com chave de ouro, alegando que não há nada errado com o SISU e que as denúncias que foram feitas se devem à ação de membros de “partidos de extrema esquerda” (sic)! 

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Para a Secretaria Especial de Cultura, Jair Bolsonaro nomeara um nazista. Não que isso fosse realmente um problema para alguém que já afirmou, em alto e bom som, que a ditadura matou pouco e tinha que ter matado uns 30 mil, que defende a tortura abertamente, tendo como livro de cabeceira as memórias de Brilhante Ustra, que afirmou que “cada vez mais, o índio é um ser humano igual a nós” (os indígenas não eram seres humanos antes de “evoluir”, presidente?), que é belicoso, chauvinista, misógino, racista... O problema do ex-Secretário Especial de Cultura Roberto Alvim não é ser nazista, mas é o fato de ter explicitado isto muito claramente. Tem alguns seguidores de Bolsonaro que são judeus e o nazismo não é aceito entre eles. Se Bolsonaro não tivesse tomado uma ação rápida e drástica, este episódio poderia abalar sua base de sustentação política.

Saído Alvim, entra Regina Duarte que, segundo ela mesma, está experimentando, fazendo um test drive, um estágio para ver se ela gosta e se permanecerá na função. Regina Duarte sempre esteve do lado errado da história. Quem não se lembra do famoso “eu tenho medo” falado por ela em peça da campanha presidencial dos tucanos em 2002? Regina já começa seu test drive cercada de denúncias de irregularidades na prestação de contas em projeto aprovado pela Lei Rouanet. O recém-empossado presidente da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior/Capes, Benedito Guimarães Aguiar Neto ex-reitor da Universidade Presbiteriana Mackenzie defende a abordagem criacionista. É mais um membro do governo Bolsonaro indicado para destruir; se ele não acredita na ciência, por que aceitou a presidência de um órgão que é responsável pela organização do sistema de pós-graduação no Brasil? Para destruí-lo?

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Como pau que bate em chico, bate em Francisco a oposição também protagoniza seu próprio pesadelo. O governador do Maranhão, Flávio Dino, propôs uma frente ampla contra o fascismo da qual participaria até Luciano Huck que esteve em Davos (sabe-se lá porque) onde, segundo reportagens, foi saudado duas vezes como futuro presidente do Brasil (toc toc toc, batendo na madeira). Em sua participação no Fórum Econômico Mundial Huck afirmou que a economia está indo bem que o problema é a gestão. Logo, o desemprego, a precarização do trabalho, a desindustrialização do país, o desmonte da ciência, da saúde e da educação, o entreguismo são, segundo Huck, coisas positivas, o problema é a gestão do Bolsonaro. É com este sujeito que Dino quer fazer aliança. Não dá para entender. No momento político atual, há um refluxo das forças de esquerda e forte hegemonia da direita neoliberal. Numa frente ampla na atual conjuntura, quem daria as cartas, quem decidiria os pontos de confluência política e econômica entre as forças participantes desta frente seria, logicamente, a direita, posto ser ela hegemônica. Quando Dino propõe uma frente ampla nestes moldes ele está se sujeitando àqueles que controlam a política e a economia. Por sua vez, o partido de Flávio Dino, o PCdoB, decidiu abandonar sua sigla tradicional e a cor vermelha, travestir-se de verde e amarelo e mudar o nome para Movimento 65. Resta saber se o número 65 tem a ver com o registro do (ex)partido no TSE ou se tem a ver com a quantidade de anos de retrocesso que esta medida representa para o PCdoB.

Setores nacionalistas e de esquerda já criticaram a proposta de “frentão” ampla contra o fascismo. O ex-senador Roberto Requião também criticou este tipo de frente ampla e defendeu uma frente contra o fascismo, mas que não seja tão ampla assim e dela não participem os patrocinadores do golpe. 

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Nesta série de pesadelos, a cada dia surge um episódio mais bizarro, mais fantástico que, contados para nossos amigos no exterior, parecem irreais de tão absurdo, mas são reais.

É preciso combater o pesadelo com a composição de uma frente antifascista costurada em torno de princípios nacionalistas e de esquerda, separando claramente o joio do trigo, os neoliberais, os neocons, os entreguistas dos nacionalistas e dos esquerdistas. Ciro Gomes já se adiantou e se exclui desta frente. Desta maneira não correrá o risco de ser excluído dela. Contudo, os partidos de oposição, sobretudo os de esquerda, parecem cada vez mais perdidos e não conseguem propor pautas que norteiem o debate nacional. E pior, não raro seus filiados implementam medidas oriundas das políticas públicas destrutivas do governo Bolsonaro. O governador da Bahia, Rui Costa do PT, por exemplo, permite a transformação de escolas da rede estadual baiana em escola cívico-militares. Pobres Paulo Freire, Darcy Ribeiro, Rubens Alves e Anísio Teixeira.

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Neste pesadelo nacional está cada vez mais difícil distinguir quem é de esquerda, quem é de centro e quem é de direita.

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