CONTINUA APÓS O ANÚNCIO
Igor Corrêa Pereira avatar

Igor Corrêa Pereira

Igor Corrêa Pereira é técnico em assuntos educacionais e mestrando em educação pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Membro da direção estadual da CTB do Rio Grande do Sul.

60 artigos

blog

A humanidade precisa existir hoje

É preciso alertar para a forma como estamos tratando a juventude e a esperança no Brasil

(Foto: @lucasport01 / Jornalista Livres)
CONTINUA APÓS O ANÚNCIO

✅ Receba as notícias do Brasil 247 e da TV 247 no canal do Brasil 247 e na comunidade 247 no WhatsApp.

O senso comum nos ensina que juventude é esperança e esperança é a última que morre. Estas ideias parecem ser coerentes com uma lógica “natural”. As gerações mais jovens viverão mais tempo, logo, são essas gerações que trazem o futuro, e portanto carregam uma expectativa, que podemos chamar de esperança. E quanto a esperança, bem, uma existência que não carrega mais nenhum tipo de expectativa, consegue perseverar? Deve ser esse o sentido de dizer que a esperança é a última a morrer. Depois que ela se vai, é difícil imaginar que algo possa prosperar. 

Feitas essas reflexões, é preciso alertar para a forma como estamos tratando a juventude e a esperança no Brasil. O ano que vivemos marca o fim de uma era que pode ser chamada de “onda jovem”, segundo revela estudo feito pela Fundação Getúlio Vargas (FGV). A pesquisa demonstra que de 2021 em diante, o número de pessoas com a faixa etária entre 15 e 29 anos vai diminuir de forma constante. A estimativa atual é que tenhamos aproximadamente 50 milhões de jovens no país, ou cerca de 23% do total da população. 

CONTINUA APÓS O ANÚNCIO

A previsão é de que no final do século esse número terá caído pela metade. Seremos uma população com muito mais idosos e muito menos jovens.  É claro que este fenômeno não é exclusivo do Brasil. A diminuição juvenil será experimentada por quase metade dos países do planeta que fazem projeções populacionais. Aliás, países considerados mais desenvolvidos já tem um número muito mais reduzido de jovens. Não é à toa que no início da COVID-19, por exemplo, os italianos choraram a morte de muitos idosos. Eles são a maioria da população, somente 15% dos italianos é jovem. Essa porcentagem também se verifica na Espanha, Grécia e Portugal.  

O que preocupa não é necessariamente a queda percentual dos jovens, mas sim a sensação de que nós não estamos aproveitando essa onda jovem para produzir esperança. Essa é uma afirmação extremamente subjetiva. O que é esperança? Antes de enfrentar a reflexão filosófica que demandaria essa conceituação, vamos encarar fatos. De todo esse contingente de jovens que está por aí pelo Brasil, podemos afirmar, ainda tomando o estudo da FGV, que um terço deles não estuda e nem trabalha. São a geração "nem-nem".  E outra parcela desses jovens, por outro lado, está se matando de trabalhar em empregos adoecedores, precários e de baixa remuneração. Pelo menos 44,2% dos jovens entre 24 a 35 anos formados no ensino superior exercem atualmente trabalhos que requerem menor qualificação do que a escolaridade adquirida, revela levantamento da PNAD do IBGE. 

CONTINUA APÓS O ANÚNCIO

Como essa juventude toda pode ter esperança, se uma parte dela nem trabalha e nem estuda, e outra trabalha em algo inferior ao que se preparou para fazer? Qual o lugar da esperança?  Dou um largo suspiro antes de continuar esse texto. Às vezes falta ar. O ar que faltou aos milhões de seres humanos vitimados pela doença pandêmica. Mas o ar, esse elemento indispensável a vida, é talvez uma materialização da esperança. Sem ar, não há vida humana. Os jovens que tiraram suas vidas o fizeram por que a esperança já tinha morrido? A Organização Mundial da Saúde alertou que o suicídio é a 3ª causa de morte de jovens brasileiros entre 15 e 29 anos. Um panorama brutal quando se descobre a face dos que mais se suicidam.

 A maioria é de homens negros com idade entre 10 e 29 anos, segundo dados do Ministério da Saúde, avaliados no período de quatro anos e divulgados numa pesquisa de 2019. A morte de jovens por suicídio se soma as mortes por homicídio, que também tem a face do homem negro como maior vítima. O Brasil ocupa o segundo lugar no mundo em suicídio juvenil, só perde para os Estados Unidos.  Como foi que acompanhamos a nação mais poderosa do planeta nesse pódio macabro? Por que no país que pretende inspirar o mundo, os jovens vivem uma epidemia de depressão e suicídio, a manifestação patológica da falta de esperança? Na educação, costuma-se dizer que quando muitos alunos reprovam numa determinada disciplina, é preciso mirar a metodologia empregada pelo professor, pois talvez esteja aí o problema, e não nos alunos. 

CONTINUA APÓS O ANÚNCIO

Quando na nação que é a referência do planeta em desenvolvimento, ela lidera o número de suicídios entre jovens, é hora de pensarmos que talvez o problema não seja dos jovens, e sim do modelo de sociedade que o Brasil persegue tão obstinadamente.  Vivemos um mundo globalizado sob a égide do capitalismo financeiro. Somos diariamente chamados a competir pelos melhores lugares, que são escassos. 

Querem que acreditemos que é normal que não haja lugar para todos no mundo. Já não há lugar hoje para um terço de nossos jovens, e um lugar precário para outros tantos. O capitalismo é uma história da destruição da vida, vida natural e humana. E hoje, já nem os jovens têm lugar dentro de sua fase neoliberal financeirizada.  Se juventude é esperança e esperança é a última que morre, quando nossa juventude definha, com ela se esvaem nossas possibilidades de acreditar no futuro. O fim do mundo, com isso, passa de profecia apocalíptica a possibilidade real. Pelo menos o fim do mundo como conhecemos, ou da nossa existência nele. É hora de aceitar a provocação feita por Aílton Krenak e fazer um esforço para adiar o fim do mundo. Há um desequilíbrio entre o que tiramos da terra e o que doamos a ela. 

CONTINUA APÓS O ANÚNCIO

Da mesma forma, as riquezas extraídas da terra não são repartidas promovendo equidade entre as pessoas. Este duplo desequilíbrio não permite que tenhamos um bem-viver. A acumulação de riquezas ao mesmo tempo destrói vidas naturais e inviabiliza vidas humanas de maneira crescente. Mas e a esperança? Podemos decretar a sua morte? Como seria possível adiar o fim do mundo? Se olhamos para o passado e para o presente, vemos tantos suplícios, tanta destruição. Como ter esperança? Ao ser questionado sobre isso, Krenak explicou sua visão. Ele explicou que os povos originários da América não acreditam em passado ou futuro. Nem tampouco o pensamento desses povos concebe a ideia de esperança, no sentido de devir. Vivem aqui e agora. Todas essas culturas. Por isso não acumulam coisas, pois não alimentam uma ideia de que futuramente apreciarão o que acumularam.  

Portanto, a esperança que nutre Krenak não tem a ver com a ideia do paradigma do acúmulo. Àqueles que acham que essa forma de encarar o mundo, extremamente fincada no presente e sem esperar acumular para o futuro, represente uma desistência da humanidade, ele rebate. “Eu não desisti da humanidade. Eu estou interessado em saber se existe uma humanidade”.  

CONTINUA APÓS O ANÚNCIO

Desta maneira, em vez de proclamar a morte da esperança, talvez seja a hora de reinventá-la. Amar e mudar as coisas hoje, agora, deve interessar mais. Promover o bem comum hoje deve interessar mais, pois a morte de cada pessoa, de cada vida, deve ser sentida na nossa pele, como se nós tivéssemos morrido também um pouco. Porque de fato morremos. Não é mais possível que simplesmente finjamos que é natural ou aceitável que um número crescente de vida humana seja prescindível, descartável, irrelevante. Aceitar isso passivamente é aceitar a falência de nossa continuidade na Terra. Se a humanidade é uma ideia que não existe, como desconfia Krenak, talvez seja a hora de efetivamente fazê-la existir.  Ou então nós efetivamente já teremos desistido.
Referências:

Jovens - Projeções Populacionais - Estudo da FGV sobre juventudes

CONTINUA APÓS O ANÚNCIO

https://cps.fgv.br/pesquisas/jovens-projecoes-populacionais-percepcoes-e-politicas-publicas

Juventudes, Educação e Trabalho: Impactos da Pandemia nos Nem-Nem

https://cps.fgv.br/pesquisas/juventudes-educacao-e-trabalho-impactos-da-pandemia-nos-nem-nem

Mais de 40% dos jovens formados no Brasil estão no subemprego

https://eassim.com.br/mais-de-40-dos-jovens-formados-no-brasil-estao-no-subemprego/

Ailton Krenak: ideias para adiar o fim do mundo em tempos de coronavírus

https://www.youtube.com/watch?v=Y8T4JXInlYs&ab_channel=CanalInconscienteColetivo

iBest: 247 é o melhor canal de política do Brasil no voto popular

Assine o 247, apoie por Pix, inscreva-se na TV 247, no canal Cortes 247 e assista:

Carregando os comentários...
CONTINUA APÓS O ANÚNCIO

Cortes 247

CONTINUA APÓS O ANÚNCIO
CONTINUA APÓS O ANÚNCIO