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Jean Menezes de Aguiar

Advogado, professor da pós-graduação da FGV, jornalista e músico profissional

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A imprensa passou a odiar advogados?

Mas se a imprensa e a advocacia lutaram juntas há décadas, o que houve?

(Foto: Leo Rocha)
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Por Jean Menezes de Aguiar
Ilustração: Leo Rocha

O paradoxo costuma ser interessante. O filósofo Paul Feyerabend, no famoso – e odiado livro- Contra o Método, dispara sugestivamente: ‘Prefiro formulações mais paradoxais, pois nada embota a mente tão completamente como ouvir palavras e slogans familiares.’

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A imprensa brasileira merece honrarias históricas, podendo ser considerada como aquele Quarto Poder referido no Dicionário de Política, de Norberto Bobbio. Os últimos 50 anos bem o demonstram.

Correndo junta e descolada de tantas outras profissões honrosas que optaram por certa ‘reclusão’, está a advocacia. Outra incansável batalhadora pelos direitos de todos, feios, pobres, os que têm ‘cara de assassino’ e aqueles que ‘está na cara que é o culpado’, como muitos gostam.

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Não foi à toa que bombas da ditadura explodiram na ABI e na OAB carioca, esta, no colo de uma secretária que morreu. A OAB cariosa sempre foi valente contra a ditadura.

Mas se a imprensa e a advocacia lutaram juntas há décadas, o que houve?  

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Diferenças há, estruturalmente, nas profissões de jornalista e advogado. E algumas semelhanças. Historicamente, não poucos aí eram tipos por ‘intelectuais’, conceito meio complicado, sabe-se.

Por outro lado, esta ideia de intelectualidade, para muitos, já era. O Brasil com o maior número de faculdades de direito do mundo, mais de 1000, só em São Paulo mais de 200, haveria de se imaginar uma degradação na formação. Não deu outra.

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Há mais de 30 anos em sala de aula, consegui observar, com tristeza, nalgumas escolas, não poucos alunos entrarem com visão de mundo de um analfabeto funcional e saírem, 5 anos depois, igual, quando não piorados por preconceitos então envernizados. A escola deixou de ‘formar’, de trans-formar. O câmbio de aluno em cliente foi antropofágico, péssimo para o próprio alunato.

Talvez não seja assim com a medicina. Estima-se que o jovem entre como for, mas saia médico, ou seja, minimamente comprometido com os princípios médicos universais. No direito, não é bem assim. Veem-se diplomados defendendo que ‘bandido bom é bandido morto’ e toda uma série de diatribes contra direitos humanos e democracia; crenças em terraplanismo, AI5, intervenção militar etc. Um horror.

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Se por um lado a formação profissional andou pífia, por outro adveio a advocacia-ostentação. São Paulo ‘inventou’ a empresa de advocacia. Aí, Rio e São Paulo foram sociologicamente distintos.

Nesta cultura corporativa, tenta-se conhecer o advogado não pelo que ele é, verbo ser, mas por um primarismo métrico: ‘quantos advogados são no seu escritório?’ Se ele for cínico e responder ‘60’, ganha, automaticamente, uma cintilante atenção do interlocutor, invariavelmente um tolo impressionável.

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Com esta advocacia-ostentação – traduzindo-se, dinheiro-, deu-se certo divórcio do jornalismo, enquanto (poéticos?) agentes políticos, sociais e fiscais do Estado. Veio a época dos advogados milionários e sua cultura.  Aí, talvez uma primeira cisão. Àqueles intelectuais jornalistas e advogados que lutavam por alguma redemocratização ou contra um governo infame – a regra brasileira-, adveio, com a arrogância e a empáfia do dinheiro, próprias de uma advocacia-só-financeira, uma então discutível visão de mundo. Não se vai jurar que uma advocacia-ostentação, de busca meramente financeira, possa ser coisa de ‘intelectuais’.

Nesta análise, até a OAB mudou. Peguei, há 40 anos, a velha OAB trincheira. Hoje, talvez haja uma OAB mundo-corporativo. Necessidades mudam, sabe-se, e jamais um ‘antigamente era melhor’ será algo não piegas. O fato é que mudanças cobram preços.

Já o jornalismo, que também ‘evoluiu’ para uma até televisiva deficiência na formação profissional, como produto geral do país, continuou levando sua vida como pôde. Certamente, a ABI como entidade-mãe, percebeu os mesmos percalços da OAB.

Uma segunda ‘causa’ para a ruptura entre jornalismo e advocacia, talvez seja certa onda social a que o país mergulhou com uma ignorância meio dolosa, a princípios básicos, constitucionais e democráticos, comuns a qualquer democracia.

Aí, um jornalismo de TV vespertino, por exemplo, com extra-alimentados âncoras, ou vedetes de um histrionismo audiencial, recepciona os 5 conceitos de venda ou audiência: medo, pânico, caos, escândalo e terror. Defendem ‘prisão para averiguação’, ‘bandido bom é bandido morto’ e outras estupidezes jurídicas. Se isso não foi decisivo para uma cultura tosca, certamente contribuiu.

Com esta segunda situação, vieram ‘preferências’ que qualquer observador atento percebeu. Grande parte da imprensa adotou flagrante e sistemática assimetria no tratamento jornalístico dado a ‘autoridades’ públicas, de um lado; e advogados de réus, do outro. A coisa ficou desavergonhada.

Mas a imprensa preferir delegados, juízes e promotores, em vez de advogados de réus, ‘pode’? Pode, pode-se tudo, até a incoerência. Sim, ela prefere, e muito. Aos servidores públicos, abre o que precisar de espaços e tempos para seus nomes completos, referências, cargos, lotações, decisões etc. Aos advogados dos réus aprendeu a malandragem de nominá-los como ‘a defesa do réu’. E nada mais.

O problema é que se a imprensa sonha em ser isenta em relação a um processo judicial, deveria disfarçar mais. Equilibrar a atenção entre os 3 agentes soberanos do processo: acusação, julgamento e defesa.  Mas o que se tem visto, às escâncaras, é a defesa só interessar à imprensa quando o carro do advogado do réu, na saída do julgamento no Tribunal do Júri, é apedrejado, por ter, o advogado, absolvido o acusado.

Uma cultura parcializada da horda bestial, punitivista, reacionária, persecutória, cadeísta, penalizante, não garantista, menosprezante do devido processo legal e da ampla defesa, própria de uma sabida Direita Penal e de países pouco democráticos, não deveria encantar a imprensa brasileira. Mas parece que encantou.

Em época de barbaria brasileira como a atual, destes famigerados 2020-2021, em que terraplanistas e negacionistas da ciência são eleitos, o papel da imprensa precisa se refinar.

Grande parte da imprensa caiu numa vala mundana de querer se vingar do advogado do réu, considerando-o um ser de quinta – ou de vigésima-, então infernalmente necessário a um burocratismo processual conforme ela própria deixa entrever quando, por exemplo, critica e ‘julga’ recursos processuais que mal sabe o que são, numa idiossincrasia que lhe atormenta a cisma da imparcialidade.

Não é ‘o advogado’ que tem que ser importantizado, mas o equilíbrio processual, conhecido como dialética processual, tema universal estudado em todas as democracias. Tudo bem que Sergio Moro e Deltan, por exemplo, na Lava Jato, venderam jornal, deram audiência e foram o suspiro tesudo de muitos e muitas. Mas o fato é que a imprensa, em análises dos processos judiciais, dispensou tratamento totalmente assimétrico ao advogado do réu, por exemplo, Cristiano Zanin Martins.

A imprensa está em xeque? Talvez sim, talvez não. Num mundo de um capitalismo lisérgico; de lucros e metas a se bater dane-se quem for; e da busca da ostentação como educação e ética, a imprensa pode ser o que lhe der na gana. Mas se quiser pode ser mais imparcial.

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