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Paulo Moreira Leite

Colunista e comentarista na TV 247

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A lenda do golpe sem dor

"A nova moda ideológica brasileira consiste em defender o impeachment de Dilma Rousseff a partir de argumentos econômicos. Tenta-se vender a ideia de uma barganha, segundo a qual vida vai melhorar caso a presidente seja afastada do cargo", afirma Paulo Moreira Leite, colunista do 247; "O objetivo é amortecer a consciência dos brasileiros sobre as consequências nefastas, para seu bolso e suas famílias, no caso de uma ruptura nesse nível", diz o jornalista; PML analisa, no entanto, um cenário diferente após um eventual afastamento de Dilma: "Se era possível compreender o retrocesso que teria ocorrido no país em caso de vitória de Aécio Neves, nas eleições, imagine-se o que aguarda a população brasileira em caso de uma ação sem base legal, no grito, por forças que se colocam acima da lei"

Boa Vista - RR, 07/08/2015. Presidenta Dilma Rousseff durante cerimônia de entrega de 747 unidades habitacionais dos Residenciais Pérola VI e VII e Ajuricaba, do Programa Minha Casa Minha Vida. Foto: Roberto Stuckert Filho/PR (Foto: Paulo Moreira Leite)
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A nova moda ideológica brasileira consiste em defender o impeachment de Dilma Rousseff a partir de argumentos econômicos. Tenta-se vender a ideia de uma barganha, segundo a qual a vida vai melhorar caso a presidente seja afastada do cargo -- mesmo que não possa ser enquadrada em crime de responsabilidade, como exige a Constituição.

Esse movimento irá se acentuar depois que a Fitch diminuiu a nota de crédito do Brasil, ontem, mesmo que seja prudente sublinhar a precária credibilidade de agências de risco para analisar o mundo real -- como se viu na crise de 2008/2009, a maior em 80 anos de regime capitalista, que nenhuma delas foi capaz de antecipar.  

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O debate que procura ligar o impeachment como um remédio para a economia brasileira é anterior, porém. Depois que o STF travou atalhos irresponsáveis que poderiam levar ao afastamento de Dilma de qualquer maneira, a oposição procura outros caminhos.

"O mercado financeiro deu sinais claros de que quer o impeachment de Dilma", interpretou Sonia Racy, no Estadão de anteontem. "Depois da decisão do STF, despencou feio."

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Num artigo intitulado "Fim dos Tempos" com direito a uma chamada na primeira página da Folha ("Sobrevida do governo Dilma trará consequências graves para o país"), o colunista Vinícius Torres Freire prevê um "cenário pavoroso", com "sequelas horrendas" até o final de seu governo caso "isso que vamos chamar sarcasticamente de 'elite política' decida não levar Dilma Rousseff para o cadafalso."

A serventia dessa argumentação -- "sinais claros a favor do impeachment", "sequelas horrendas" -- é convencer o distinto público de que a queda de uma presidente -- reeleita com 54 milhões de votos, com uma base social muito superior àquela registrada pelas pesquisas de opinião -- pode ser encarada como um processo restaurador e sem traumas, sem desgastes e sem tragédias, que abriria as portas para um conto de fadas econômico.

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O objetivo é amortecer a consciência dos brasileiros sobre as consequências nefastas, para seu bolso e suas famílias, no caso de uma ruptura nesse nível. Se era possível compreender o retrocesso que teria ocorrido no país em caso de vitória de Aécio Neves, nas eleições, imagine-se o que poderia aguardar a população brasileira em caso de uma ação sem base legal, no grito, por forças que se colocam acima da lei.

A experiência do país desmente essa hipótese, seja no caso de João Goulart, derrubado por um golpe militar, em 1964, seja no de Fernando Collor, afastado por impeachment, realizado de acordo com as normas legais, em 1992.

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Em 1962, até John Kennedy, num máximo de arrogância imperial, chegou a fazer ironias sobre a política econômica de Goulart, sinalizando publicamente seu apoio aos conspiradores. Embora o embaixador Lincoln Gordon tenha anunciado ajuda norte-americana após a vitória dos golpistas, começando por liberar empréstimos retidos nos últimos meses como parte do esforço para cortar todo oxigênio de Goulart, os primeiros anos da ditadura foram dolorosos e difíceis. Os salários foram arrochados, o desemprego subiu e a recessão ajudou a levar a derrotar os candidatos da ditadura nos pleitos estaduais de 1965, em Minas Gerais e Rio de Janeiro, vexame que levou  o regime baixar ato institucional proibindo eleições diretas para governador. A decepção popular era imensa. Apesar da inflação no período anterior,  em 1960 a economia crescera 9,4%, ficara em 8,6% em 1961, em 6,6% em 1962.

Após o golpe, a economia patinou por anos a fio e só deslanchou a partir de 1968, quando o regime abandonou os programas de austeridade da fase inicial e  buscou consolidar-se através do milagre brasileiro de Delfim Neto, estimulado pelo Estado, cujo papel era tratado com desprezo pela equipe de Roberto Campos, titular  da política econômica após o golpe.

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Deposto em menos de 6 meses -- entre a primeira denúncia e a renúncia -- Collor entregou um país sob o caos econômico, que  só seria arrumado dois anos mais tarde, sob um regime de populismo cambial típico, operado a partir da engenhosa troca de moedas permitida pelo Plano Real. Incapaz de sobreviver aos ataques especulativos contra a moeda brasileira, pois as reservas se encontravam na lona, o sistema veio abaixo já no final do primeiro mandato de Fernando Henrique, que conseguiu reeleger-se graças a um socorro de US$ 40 bilhões oferecido pelo Tesouro norte-americano. Seu governo terminou com inflação alta, desemprego também. Para fechar as contas, o governo teve de pedir empréstimos ao FMI.

Em 2015, a oposição enfrenta uma dificuldade essencial para debater a política econômica de Dilma Rousseff. Dogmático em suas concepções, o ministro da Fazenda, Joaquim Levy, trata de cumprir sua agenda conservadora com método, empenho e destemor. Dedica-se a desmanchar, ponto a ponto, os alicerces da política econômica anterior, num grau que nem todos poderiam imaginar no momento em que foi empossado para dar "uma arrumada na casa", como disse Dilma numa entrevista coletiva. O modelo de crescimento de Levy é absolutamente coerente em suas concepções. O ministro  não demonstra a menor intenção de fazer concessões de nenhum tipo, comportamento que dificulta sua permanência num governo que se reelegeu em nome de uma visão oposta.

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Embora seja 100% favorável às medidas de austeridade implementadas na gestão de Levy, a oposição fará o possível para manter-se longe delas, pelo temor de ser contaminada. Fará o possível para fingir que é contra.  

Outro ponto a envolve o impacto econômico da Lava Jato. Você pode ter a opinião que achar mais conveniente sobre a Operação do ponto de vista jurídico. Também já compreendeu que o caráter seletivo das investigações ajuda a criar uma cultura política segundo a qual Estado = Corrupção = PT. É parte do conto de fadas destinado a embelezar o impeachment.

Interessada em usufruir ao máximo dos benefícios políticos e eleitorais da investigação, a oposição procura minimizar o efeito da Lava Jato sobre as perspectivas negativas de crescimento, os projetos de desenvolvimento, as ofertas de emprego e o futuro do país do ponto de vista material.

Colocando a culpa nas "pedaladas fiscais", apontando erros de má calibragem na política econômica e outros fatores que, mesmo reais, e até graves, tenta apontar o Planalto como responsável maior e exclusivo de uma recessão que não para de se agravar e pode, como temem alguns analistas, transformar-se em depressão.

A verdade é que, com exceção de períodos de guerra e invasão militar, poucos países do mundo passaram por um processo tão  profundo de destruição de seu parque produtivo como o Brasil enfrenta na Lava Jato. Em casos semelhantes, o processo destrutivo foi produzido de fora para dentro, em conflitos nacionais com potências estrangeiras que se transformaram em guerra declaradas. Uma exceção à regra ocorreu entre 1975 e 1979, na ditadura genocida de Pol Pot, no Camboja. O parque econômico do país foi desmantelado e seus antigos dirigentes enviados a campos de concentração porque eram corruptos que precisavam ser "reeducados." A arte foi suprimida por estimular a decadência e os templos abertos a criação de suínos.

No Brasil, país onde o Estado sempre foi -- queira-se ou não -- o principal indutor do desenvolvimento econômico, as empresas estatais foram paralisadas, colocadas sob suspeita e fora de ação. Os grandes grupos nacionais privados, que há meio século participaram de um crescimento associado aos investimentos públicos, que, bem ou mal, ajudaram o país a ter a sétima econômica do mundo, tiveram seus executivos encarcerados. O crédito foi cortado, os investimentos foram parados ou cancelados.

E se você quer acreditar na lorota de que todos podem lavar as mãos e não assumir suas responsabilidades por essa tragédia econômica e social, pois era preciso enfrentar a corrupção -- o que não se discute --, cabe questionar os métodos empregados, a politização descabida.

Ocorreu, acima de tudo, um esforço sistemático para destruir um sistema político que, na visão dos dirigentes da Lava Jato, é o principal dínamo da corrupção -- e outros pecados -- do país. Será mesmo?     Empregando um eufemismo elegante, próprio da linguagem acadêmica, um grupo de três professores liderados por Gesner de Oliveira, economista importante do PSDB paulista, estima que uma Lava Jato "mal conduzida" (entendeu a mensagem, certo?) "pode custar mais de R$ 200 bilhões em termos de PIB e mais de 2 milhões de empregos. É um passo na direção de algo pior que a recessão vivida atualmente: a depressão." O artigo foi escrito há três meses. Na época, não se falava em crescimento negativo de 3% para 2016.

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