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Jean Menezes de Aguiar

Advogado, professor da pós-graduação da FGV, jornalista e músico profissional

219 artigos

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A moda de linchar bandidos na rua

Numa sociedade em que o Estado é relapso e burro com a criminalidade e o crime se organiza empresarialmente, a difusão do ódio social pela classe bandida é um rastilho de pólvora

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Ser bandido é uma atividade perigosa. Ao mesmo tempo que o meliante ameaça a vida de alguém, quando assalta, corre o risco de perder a própria vida se qualquer um do povo conseguir pegá-lo. A intolerância passou a ser uma das grandes marcas da sociedade pós-ética. E o ódio ao assaltante se torna praticamente um prazer. Ou um diletantismo.

O linchamento urbano de supostos criminosos parece estar virando moda no Brasil. Lugares diferentes e sob influências sociais diferentes vêm adotando a prática. Rio, Bahia, Goiás, Santa Catarina etc. Há uma espécie de difusão do manejo vingador.

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Grande parte da sociedade, com rasgos conservadores, não desaprova. Ao contrário, estimula. Há os que caçam mesmo. Por seu turno, a imprensa dá ampla divulgação. Não perderia um escândalo desses por nada.

É uma moda nefasta e criminosa. Populista, alimentada por quem contrapõe: '- gosta de bandido? Leve para sua casa'. Largas parcelas do jornalismo de quinta se especializam no assunto. Veem-se emissoras de Tv, até as 'clássicas', tirarem suas casquinhas. Sangue e desgraça sempre renderam altas audiências e ávidos anunciantes.

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Um fator social é que com o consumismo não se quer mais esperar por soluções formais: uma sentença judicial. Apressam-se resultados. O suposto bandido é preso pela própria sociedade, na rua, julgado e sentenciado. É a nítida vingança da classe trabalhadora que se vê no direito de espancar ou mesmo matar, ante a ameaça da perda dos bens. Ou de seus filhos assassinados em assaltos que deram errado.

Numa sociedade em que o Estado é relapso e burro com a criminalidade e o crime se organiza empresarialmente, a difusão do ódio social pela classe bandida é um rastilho de pólvora.

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O Código Penal faz sua parte. É leniente com o crime chamado Exercício arbitrário das próprias razões. No artigo 345 se lê: 'Fazer justiça pelas próprias mãos, para satisfazer pretensão, embora legítima, salvo quando a lei o permite: Pena – detenção, de quinze dias a um mês, ou multa, além da pena correspondente à violência. ' A pena de detenção praticamente não existe mais.

Também no Direito há as 4 excludentes de ilicitude. Dentre elas, a Legítima Defesa que autoriza se mate o bandido para repelir injusta agressão. Mas essa reação nunca é a que se vê no linchamento, com o suposto bandido manietado, por exemplo, posto sob um formigueiro para ser picado, como ocorreu esta semana. Isso quando não leva uma surra. Ou é morto mesmo.

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Constroi-se toda uma teoria justificante para a pancadaria e a surra no assaltante. Mas o grande tormento é o equívoco.

O equívoco é dos maiores fantasmas que há. Não o linchamento em si, dizem os que defendem. O equívoco de linchar um inocente porque 'parecia' ser o assaltante. Se os sistemas judiciais do mundo, com toda segurança e cuidado, erram, o que se dirá em relação a alguém que correu apavorado e é confundido com um ladrão?

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Problema paralelo aí é se imaginar que milícias, essas que substituíram o tráfico nos morros cariocas e que o Estado não consegue combater, deem ampla difusão à prática do linchamento. Milícias são nítidas atividades comerciais. Como o tráfico, não querem confusão com ladrões em suas áreas. Matar para dar o exemplo é a moeda mais barata e rápida.

Se houver, saída daí, uma pedagogia ou um valor no sentido de que isto possa ser o correto, na base do 'bandido bom é bandido morto', o problema se agiganta. Milícias podem estar 'educando' novas gerações para a vingança.

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O filósofo já disse: 'os monstros somos nós'.

Um ladrão de 16 anos que tentou roubar uma motocicleta em Goiânia foi amarrado a um poste e seriamente agredido por aproximadamente 40 pessoas. Como é menor 'sofrerá' medidas educativas oficiais que ninguém acredita que eduquem ou regenerem.

No geral são 3 as situações. Há uma diferença entre as reações com linchamento; as agressões paulistanas a gays; e a prática de criminosos de Brasília que incendeiam índios e mendigos. Em Brasília é a futilidade e a náusea sociais de filhos de 'autoridades' que resolvem, para quebrar o fastio existencial, incendiar pessoas. Quanto aos gays na cidade que parece ser a cidade mundial dos gays, SP, há o paradoxo de um ódio rácico e dirigido por boçais secularmente deslocados no tempo, organizados em bandos primatoides.

Já reação social do linchamento é um retrato triste da exaustão do sistema punitivo ou minimamente segregador. A falha do sistema que não deveria jamais legitimar a violência, de tanto insistir em sua falência persecutória, parece se prestar a fundamentar a barbaria.

Ninguém pode atacar ninguém. Ninguém pode linchar ninguém. O grande problema é se a sociedade construir que essa prática possa ser aceitável. Esta hipótese que parece ser originariamente absurda, em tempos de difusão na internet e intolerância pode virar um padrão. Será uma nova doença social.

Do blog Observatório Geral

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