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Luiz Fernando Padulla

Professor, biólogo, doutor em Etologia, mestre em Ciências, autor do blog 'Biólogo Socialista'

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A naja, o tráfico, os zoológicos e o sofrimento

Defensores desses locais ainda insistem na retórica vazia de “educação ambiental e reprodução para a preservação das espécies”, argumentos facilmente derrubados com duas perguntas: educar mantendo-os em condições inóspitas, onde desenvolvem problemas mentais e comportamentais, manifestando estereotipias totalmente diferentes do que deveriam apresentar?

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Os chamados zoológicos surgiram há muito tempo, sendo inicialmente coleções particulares. Mostrando seu lado ainda mais bizarro e megalomaníaco, durante anos, vários desses locais exibiam humanos, sendo a maioria absoluta de africanos, aborígenes, indígenas e asiáticos. Mais tarde, devido ao despertar da sociedade como um todo, voltaram suas atenções aos animais não-humanos. E hoje, em pleno século XXI, ainda estamos falando sobre essa barbárie camuflada de entretenimento.

Defensores desses locais ainda insistem na retórica vazia de “educação ambiental e reprodução para a preservação das espécies”, argumentos facilmente derrubados com duas perguntas: educar mantendo-os em condições inóspitas, onde desenvolvem problemas mentais e comportamentais, manifestando estereotipias totalmente diferentes do que deveriam apresentar? Preservar e reproduzir seres vivos para mantê-los trancados e explorados pelo capital, aprisionados em recintos diminutos e sem o mínimo de respeito às suas necessidades mínimas?

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Como já disse outras vezes, durante minha graduação e até quando trabalhava com a reabilitação de chimpanzés e outros animais no Santuário de Sorocaba, tive contado com vários zoológicos, seus diretores e funcionários, além do pessoal do Ibama e Polícia Ambiental, os quais sempre nos traziam informações revoltantes dos bastidores – fatos que mostram a realidade existente por trás da imagem ilibada e puritana de grande parte desses centros de tortura e exploração animal. E para isso, visando lucros e cifrões, camuflam seus atos ilícitos, travestidos de tramitações legais, como a famigerada permuta entre animais reproduzidos nesses locais.

Com o avanço das descobertas científicas, e a comprovação cada vez mais indissolúvel de que são seres dotados de sentimentos, é inadmissível que ainda se fale em mantê-los trancafiados em recintos diminutos, muitas das vezes aquém das necessidades fisiológicas básicas. Outro aspecto que poucos consideram diz respeito à saúde mental desses seres. Vários são os estudos científicos que provam o dano pela exposição objetificada que os zoológicos causam nesses animais.

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Privados de refúgios, em ambientes que não refletem e nem atendem suas necessidades, não é raro encontrarmos animais depressivos, apáticos e que manifestam doenças por conta dessas condições. O rompimento de laços familiares, promovidos com a troca/venda, são extremamente danosos.

Em recente levantamento, que comprova a influência negativa dos visitantes, Zoológico da Palestina observou aumento na taxa de nascimentos três vezes maior entre os animais, justamente no período imposto pela quarentena. De acordo com a matéria veiculado pelo portal UOL, era comum avestruzes não conseguirem incubar seus ovos de forma adequada justamente pela presença de pessoas ao redor; no entanto, com a pandemia e o isolamento das pessoas, a fêmea conseguiu gerar 11 ovos e construir o ninho de forma adequada. O mesmo foi observado nos babuínos, cujos abortos eram constantes, mas agora geraram um filhote.

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No Brasil, a tese apresentada pela Dra. Cristiane Pizzutto (“Estudos sobre a influência de técnicas de enriquecimento ambiental nos parâmetros endócrino-comportamentais de antropoides não humanos mantidos em cativeiro”), a qual utilizei em minhas pesquisas durante o doutorado, é um importante material para a contestação dos zoológicos e o papel que desencadeiam na saúde dos animais.

Assim sendo, não sei dizer se os animais continuam a ser menosprezados em seus sentimentos, ou se banalizou-se de vez o sofrimento desses prisioneiros inocentes, tratando-os indistintamente como objetos.

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Outro ponto que deve ser abordado diz respeito ao tráfico de animais. Este é o terceiro maior tipo de enriquecimento ilícito (atrás apenas do tráfico de drogas e armas) e tem, infelizmente, relação com várias dessas instituições, seja por brechas “legais” e até mesmo pela falta de fiscalização adequada – vale lembrar que apenas 37,5% dos zoológicos brasileiros são licenciados pelo IBAMA e, consequentemente, vistoriados, de acordo com últimos levantamentos apresentados.

São vários os casos levantados e denunciados junto ao Ibama e órgãos responsáveis, seja por maus-tratos e até por negligência e corrupção. Os casos brasileiros mais recentes envolvem o Zoológico Municipal Quinzinho De Barros de Sorocaba (SP), Zoológico de Goiânia (GO), Parque Ecológico “Engenheiro Cid Almeida Franco” de Americana (SP), Zoológico de Brasília (DF), por exemplo.

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Ilustrando um desses casos, cito o acontecido em um famoso zoológico brasileiro, que abrigava um casal de chimpanzés que exploravam há tempos. Este casal era usado constantemente para reproduzir e vender seus filhotes no mercado ilegal. Para isso, dispunham de um filhote morto nos primeiros dias de vida e que mantinham congelado para que quando a fiscalização do Ibama fosse acontecer, incluindo a checagem do livro de registro de nascimentos/mortes, tivessem esse álibi – uma vez que todos os nascidos depois, eram tidos como “mortos”, sendo que eram negociados por milhares de dólares.

(Em tempo: a própria OMS alerta que vários casos de pandemia têm relação direta com a mercantilização de animais, desequilibrando todo o ambiente e gerando o caos mundial com a disseminação de zoonoses).

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Em um dos casos que mais repercutiu no país, em 2013 a ex-presidente do Zoonit, Giselda Candiotto, foi presa acusada de tráfico internacional, contrabando e apropriação indevida de animais.

São vários os casos em que pessoas com interesses escusos acabam por ocupar cargos nessas instituições. Em Americana (SP), por exemplo, tivemos um advogado, proprietário de um zoológico particular e de um criadouro, sendo o diretor do Parque Ecológico “Engenheiro Cid Almeida Franco”. Curiosamente, durante sua “gestão” vários animais nasceram, outros morreram de forma suspeita e a permuta entre zoológicos foi enorme. O mesmo diretor, inclusive, foi multado – mas a Prefeitura da cidade é que teve que arcar com a multa – por manter suas serpentes nativas e exóticas sem autorização do órgão ambiental competente no zoológico público. Nessa gestão, assim como nas anteriores, foram várias as denúncias do sumiço de animais, sem qualquer explicação convincente.

As relações suspeitas não param de acontecer. Atualmente, um jovem estudante de medicina veterinária foi picado por uma naja (espécie exótica, originária da África e Ásia) que ele criava em casa. Além de passar dias em estado grave na UTI – em pleno momento de pandemia – a naja abandonada próxima a um shopping e as investigações suspeitam de ligação com tráfico internacional de animais uma vez que, em outro local associado ao estudante, foram apreendidas outras dez serpentes exóticas e seis cobras silvestres brasileiras. A procedência desses animais ainda está sendo investigada, e os próximos capítulos poderão trazer novas revelações, inclusive se há ou não conivência de algum zoológico e/ou seus responsáveis.

Sendo assim, cabe aqui a denúncia e o repúdio para com essas instituições. Por mais que tentem argumentar e defender esse tipo de escravidão/exploração, é inadmissível a manutenção desses centros de tortura, ainda mais quando servem de fachada para enriquecimento dos (ir)responsáveis.

Estamos no século XXI, mas infelizmente a pergunta que ainda carece de resposta é a mesma: qual a finalidade e a lógica dos zoológicos? Caso apresentem argumentos realmente convincentes, posso até mudar minha ideia.

Enquanto isso não acontece, seguirei defendendo a ideia da extinção dos zoológicos enquanto meio de entretenimento e movimentação legal/ilegal de animais – e que sejam usados apenas para a reabilitação temporária de animais que necessitam de cuidados para posterior soltura no ambiente. Se há alguma preocupação com a preservação desses seres, que se invista na manutenção dos habitats naturais, que segue sendo dizimado pelo avanço das cidades e do agronegócio. Caso contrário, tudo o que dizem e tentam argumentar não passarão de falácias que incorporam palavras bonitas e pomposas, sem qualquer utilidade prática, empática e humana, com o objetivo de manipular a opinião pública desinformada enquanto terceiros seguem atendendo aos interesses do capital.

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