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Roberto Ponciano

Escritor, mestre em Filosofia e Letras, especialista em Economia. Doutorando em Literatura Comparada

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A nova cruzada sobre uma falsa insígnia vermelha

(Foto: REUTERS/Vitaliy Gnidyi)
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A história se repete, a primeira vez acontece como tragédia, a segunda, como simulacro ou farsa. No Brasil dos “analistas de geopolítica”, que se debruçam sobre o mundo como se ele fosse um tabuleiro de war e os povos, um pequeno detalhe. Um tanque russo participando da invasão e ocupação de outro país, mais fraco militarmente, levando uma bandeira da extinta URSS (pelos mesmos ex-agentes da KGB que se apossaram do poder e meios de produção e retomaram os símbolos do czarismo russo) os leva à esquizofrênica impressão de que estamos em 1944 e os russos estão tomando Berlim e derrotando Hitler. Impossível não vir à minha cabeça Chaplin troçando de Hitler, em O Grande Ditador, na famosa cena em que ele joga com o mundo, como se este fosse o globo terrestre. Só que, agora, quem faz o papel insano de jogar com o globo terrestre são nossos analistas “vermelhos”, que rasgaram todos os princípios do internacionalismo proletário e torcem, babando, pela potência agressora.

Tanatos e eros são os nossos princípios condutores. A parte consciente de nossa vida é apenas o topo de um iceberg, na verdade, talvez a comparação seja ruim, melhor falando, o cume de uma montanha que, na verdade é um vulcão. Por baixo, uma vida de pulsões e sentimentos controversos sai refinada em homem de linguagem civilizada, que tem que racionalizar todos os seus impulsos. Muitas vezes, este refinamento chega ao paroxismo. Foram necessários 151 anos, desde a Comuna de Paris, até a invasão russa na Ucrânia, para que parte da esquerda, pela primeira vez na história, apoiasse a potência agressora e não o povo agredido. Não à toa, se confundem, no culto a Putin, os cultores desta coisa que se convencionou chamar de geopolítica, a direita conservadora e, até, Bolsonaro.

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Marx nunca defendeu os agressores. Na crítica que ele faz a Napoleão Bonaparte, o grande dialético mostra as contradições do executor testamentário da Revolução Francesa. Se as guerras napoleônicas levaram à Revolução Francesa para além das suas fronteiras, elas nunca garantiram a libertação dos povos do absolutismo, por uma razão bem concreta, revoluções não se exportam. A invasão de Bonaparte à Espanha transforma a guerra legitimista em defesa do herdeiro do trono da Espanha, em uma justa guerra de libertação nacional contra o invasor. Marx nunca foi adepto do bonapartismo, antipositivista, jamais aderiu à loucura nacionalista das guerras de conquista  e compreendeu que a dinâmica da emancipação humana passa pela participação ativa dos povos, das classes sociais.

Esta coisa nova e reacionária que se convencionou chamar de “geopolítica”, na verdade é velha, como nos alertou Sartre, não há nada de muito novo na análise política depois de Marx. Cada problema que parece ser uma grande novidade, acaba sendo a retomada sobre novas vestes de uma questão pré-marxista. O campismo é filho bastardo da escola historicista alemã, para a qual os povos e nações não contam, o que conta na história é a “realidade”, e esta realidade é feita por atores geopolíticos. Nada mais reacionário e antimarxista. Todo e qualquer defensor desta confusa mistura de marxismo vulgar, reduzido apenas a uma linguagem pretensamente anti-hegemonista, com neopositivismo, te dirá que temos que ser realistas e “pragmáticos” na análise geopolítica e “não-sentimentais”. 

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Quero analisar todas estas 3 pretensas tiradas que pretendem ser científicas.

O tal do realismo se refere a uma redução do marxismo a um positivismo senil, no qual a realidade são os fatos da movimentação da diplomacia e da força dos Estados, retirados deles exatamente seu CARÁTER DE CLASSE. O que caracteriza o marxismo, desde o primeiro momento, é mostrar que isto nada tem de científico (senhores, vos lembro que a ciência, ela também é superestrutura, ideologia em disputa), que, na verdade, ao se retirar o caráter de classe dos atos políticos, se retira deles a possibilidade de os entender em sua motivação e determinação histórica. Portanto, este “realismo” é apenas um positivismo de quinta, recriado, pintado com o ar grave dos especialistas que assim se autoproclamam. É bom lembrar a estes especialistas que Marx nunca se auto proclamou especialista, pelo contrário, ele disse, eu “não sou marxista”. 

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A segunda palavra, a da moda é o tal do pragmatismo. Quer ganhar uma discussão, lacrando? Diga, na política “temos que ser pragmáticos”’. É uma jogada de efeito, à direita e à esquerda, que na verdade é uma falácia de autoridade, uma acusação de que seu oponente é um “romântico” e se nega a enxergar o mundo. Caros, cuidado com suas artimanhas mágicas, podem funcionar numa mesa de bar às 3 da madrugada, mas, cá entre nós, em quem tem três linhas de estudo da história e do pensamento humano, soa ridícula. O pragmatismo também é uma superestrutura, uma escola de pensamento, estranha e antitética ao marxismo, uma ideologia que nega a objetividade da verdade, e, levada ao pé da letra, na sua ideia de que aquilo que é exitoso (o que é bem diferente de práxis como critério da verdade) e que é real e verdadeiro, pode justificar as ações até de Hitler. Quando vocês querem dizer pragmáticos, no fundo vocês querem dizer que devemos ser oportunistas e passar por cima de todos os princípios. Isto tem pouco de realista, e, o resultado a longo prazo, dos ditos “pragmáticos” pode ser funesto. Temer e seu golpe de Estado nos faz lembrar sempre que estes pragmáticos quase nunca pensem a longo prazo e fazem do taticismo “estratégia”.

A terceira acusação, a do “sentimentalismo”, na verdade diz verdade ao fato de que parte da esquerda simplesmente não quer mais discutir os princípios socialistas. E não quer dizer porque sabem que estão num contradictio in adjecto, sem defesa possível. Não há linha possível no marxismo ou no leninismo para guerras de defesa, de agressão, de conquista ou de mudança de regime de um país através de um outro que carregue nossa ideologia. Aliás, voltando às grandes diferenças de concepção de mundo, é bom lembrar que Trotsky defendia que a Rússia revolucionária (anterior ainda à URSS) devia ser bastião de uma guerra revolucionária na Europa e Lênin condenava tal empreitada, baseado no princípio da autodeterminação dos povos e do internacionalismo proletário. Depois da paz de Brest Litovsky e da derrota do Exército vermelho na guerra contra a Polônia, ficou basicamente assentado entre a esquerda revolucionária que o princípio leninista era o mais avançado na luta por corações e mentes no mundo.

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Não, não somos sentimentais, só não somos chauvinistas e não passamos por cima de princípios básicos do socialismo para apoiar uma tosca cruzada de um nacionalista grão russo, sob a desculpa esfarrapada de que é uma Guerra Santa contra a Otan. Depois do início das hostilidades fui reler todos os artigos de Lênin sobre a guerra, em nenhuma linha consegui ver a autorização para que, em nome do marxismo, algum comunista participe de uma guerra de agressão. Aliás, a cissão entre o movimento social-democrata e o movimento comunista, em 1914, se deu sobre a disputa destes princípios. Lênin e Rosa Luxemburgo cerraram fileiras contra a guerra nacionalista de autodefesa, e deixaram bem claro que a única guerra justa é a dos povos por sua emancipação e libertação. Obviamente que a invasão da Ucrânia sobre a Rússia não pode se classificar como guerra justa pelo marxismo, sob nenhum aspecto.

Chegamos todo dia ao paroxismo para a defesa desta invasão e chegamos a verdadeiras trivialidades grotescas para a justificativa da guerra. Colunas de refugiadas sendo expulsas de seu país viraram “corredores humanitárias” e temos que admirar que o exército russo “apenas expulsa” um povo de seu lar, sem fuzilar a população civil. Vocês não se dão conta do ridículo destes argumentos? Há alguma seriedade nisto? Vocês estão do lado do invasor e louvando que ele “apenas expulsa e toma a terra de um povo”, sem o metralhar. Por estes argumentos poderíamos bater palmas para o exército israelense e a faixa de Gaza! 

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Noutra notícia, alguns companheiros analistas acusam os mortos. Não estou exagerando. Numa determinada análise, um obus russo caiu sobre um prédio de comunicação ucraniano. O culpado pelas mortes seria Zelensky (pelo qual não tenho nenhuma simpatia), já que os russos teriam avisado do bombardeio e os ucranianos resolveram ficar e defender suas posições. Meus caros, por estes critérios, podemos culpar a população civil de Belgrado e de Beirute por ter morrido nos ataques da Otan!

A loucura desta análise chega ao ponto de culpabilizar o povo ucraniano pela invasão, já que o governo ucraniano se nega a se dissolver e ceder às exigências de guerra russas.

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O que mais me dói nestas análises é que camaradas, que até ontem defendiam Lênin, não tenham se dado conta de como castigam a dialética e todos os princípios de autodeterminação dos povos e de internacionalismo proletário. Todos os argumentos que utilizamos até ontem para fustigar os agressores foram jogados por terra e defendemos, com um cinismo nada revolucionário, todos os mesmos atos praticados pela Otan. Vocês estão do lado dos que bombardeiam as cidades, não da população bombardeada, lembrem-se, pela primeira vez na história.

Os argumentos geopolíticos, na maioria das vezes, são muito mais apenas desejos, atos volitivos, que realidade. Sobre um triunfalismo mambembe, todo dia se celebra o sucesso do exército invasor russo e a conquista de uma nova ordem multipolar, que não é conquistada através da revolução e da emancipação da humanidade, da luta dos povos contra seus opressores, mas pela emergência de “novos players” que sucederão aos EUA (eu realmente não sei que obra de Marx que perdi para tentar entender esta geringonça de pensamento).

Meus camaradas da “geopolítica” estão numa cruzada em defesa da Terra Santa. Ficaram órfãos de um bastião socialista para chamar de seu e me saem com frases bregas sobre “cutucar o urso russo com vara curta”, ou sobre uma nova hegemonia chinesa que libertará a humanidade, mas, creio firmemente que nem eles acreditam nestas tolices. São tolices apenas, tão rasas como era a crença de que a Albânia era o farol do socialismo.

A luta entre potências pela hegemonia política e comercial não é uma guerra de libertação. Nem preciso lembrar a estes novos cruzados, da nova Terra Santa, que o símbolo da águia czarista é tão reacionário quanto qualquer símbolo fascista, que eles fingem utilizar para reduzir uma nação de 44 milhões a um acampamento de nazistas. 

Como Aldir Blanc, na letra de Agnus Sei, esta não é uma guerra progressista de libertação, é uma guerra imperialista de agressão e anexação, como ele, digo: “o meu pastor não sabe que eu sei da arma oculta na sua mão”.

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