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Lindbergh Farias

Senador pelo PT do Rio de Janeiro

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A palavra que falta

O que necessitava aumentar está diminuindo e o que precisava ser contido está aumentado: a política econômica do governo está totalmente errada

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Permitam-me começar com uma citação tão conhecida como pouco compreendida. Marx, logo na primeira frase do clássico "18 Brumário de Luís Bonaparte", adaptando uma frase original de Hegel de que todo acontecimento histórico verdadeiro se reitera muitas vezes, ironicamente afirmou que a história, por assim dizer, se repete duas vezes, primeira como tragédia e depois como farsa. Sei que é preciso parcimônia com as analogias. Por enquanto, não chegamos à fase da farsa neste Brasil de 2015. Talvez estejamos na iminência de ver acontecer a tragédia que, todavia, pode ser evitada.

Na tragédia grega, o leitor tem consciência do destino irrefreável dos personagens, traçado que foi anteriormente pelos deuses. Sabemos que o personagem caminha para o cadafalso e nada pode evitar o desenlace do destino. Diferente é o drama no romance moderno. Jogado no mundo, os personagens do romance moderno, sem dúvida,estão atados às determinações sociais. No entanto, felizmente, essas determinações não são divinas nem naturais. A partir dos constrangimentos e determinismos socialmente herdados, abre-se ao personagem um processo no qual são feitas as escolhas e as decisões são tomadas.

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Se há um consenso no Brasil, é que vivemos um momento histórico de crise. Contudo, o desacordo sobre o conteúdo e o diagnóstico da crise é praticamente geral. Por exemplo, em declaração dada aos jornais no começo desta semana, se bem interpreto o sentido de suas palavras, o empresário Abílio Diniz afirmou que o nervo da crise é político e não econômico. A crise residiria nas disputas entre as forças políticas organizadas - principalmente os grandes partidos -, que estão preocupadas apenas com seus interesses de grupo em vez de pensar no país. Dessa maneira, para Diniz, a crise econômica seria um epifenômeno da crise política.

Embora reconheça uma parte de verdade naqueles bem-intencionados que privilegiam a dimensão política da crise em detrimento da economia, não consigo separar a política da economia. São duas faces da mesma moeda, uma dimensão retroalimenta a outra. Por isso, só sairemos a contendo da crise se tivermos propostas tanto para a política como para a economia.

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No plano do debate econômico, desde o começo do ano, tenho feito acerbas críticas, sempre leais ao governo da presidenta Dilma, à condução do ajuste fiscal pelo ministro Joaquim Levy. Em um dos seus sermões, o padre Antonio Vieira disse que os discursos de quem viu são profecias. Chegamos ao penúltimo mês de 2015, e de alguma maneira nossas críticas se realizam.

Reparem, ouvintes e leitores: o que acontecia entre 2014 e 2015? Havia um cenário, plenamente administrável, de desorganização fiscal conjuntural da economia brasileira - tanto que a equipe do ministro Guido Mantega estudava um conjunto de medidas. Por outro lado, a inflação era moderada e estava sob controle. O desemprego era inferior a 5%.

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O maior problema macroeconômico era o déficit das contas do governo, que foi alto. As causas do déficit são bem conhecidas: elevados gastos públicos com o pagamento de juros aos rentistas, excessivas desonerações aos empresários e fraca arrecadação devido ao baixo crescimento. Tratamos desses assuntos em outras ocasiões.

Pois bem, o Ministro Levy assumiu a Fazenda em janeiro prometendo fazer um ajuste das contas públicas, ou seja, equilibrar o orçamento do governo. Tomou diversas medidas. E nada está dando certo. E para piorar: trouxe a inflação e o desemprego de volta. Para ilustrar, vejam o gráfico abaixo. Ele mostra que a linha vermelha, que representa o déficit das contas do governo como proporção do PIB, já estava em elevação em 2014. Mas, era só isso. Os demais índices macroeconômicos estavam sob controle. A saída para resolver o problema do gasto público, era principalmente fazer a economia crescer, reformatar as desonerações e reduzir as despesas com os juros. Nada disso foi feito. O ajuste de Levy preferiu seguir uma perigosa vereda alternativa: promover uma recessão que resultou numa vertiginosa queda da confiança na economia.

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A primeira medida do então novo ministro foi promover um tarifaço para reduzir despesas públicas: aumentou o preço da gasolina, diesel e energia elétrica. Isso causou inflação. Em dezembro de 2014, a inflação ficou dentro da meta, foi 6,4%. Hoje, já está em 9,5% quando são considerados os últimos de 12 meses (ver linha lilás do gráfico).

Ora, explicam vários economistas com os quais concordamos, em contraponto: em vez de tarifaço deveria ter sido adotado uma linha de aumento gradual, o que não levaria a inflação a crescer abruptamente, derrubando a popularidade da recém reeleita presidenta Dilma, alta até aquela medida.

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Dando continuidade às barbeiragens na condução da política econômica, ato contínuo, o Banco Central, supostamente para conter a inflação, passou a elevar os juros. As despesas com juros dispararam e já alcançaram R$ 510 bilhões ou quase 9% do PIB nos últimos 12 meses (ver linha azul do gráfico). Para efeito de comparação: os orçamentos anuais da saúde e da educação, somados, não alcançam R$ 200 bilhões.

A análise não seria completa se não passasse, em seguida, à análise das perversas repercussões sociais do ajuste, abordando as questões do aumento do desemprego e da contenção dos programas sociais.

Quais as repercussões sociais do ajuste? Um dos fios da meada pode ser localizado, além do tarifaço inflacionário, no plano do Ministro Levy de corte de gastos públicos, em todas as áreas, em todos os ministérios. É aritmética básica da economia: corte de gastos em obras públicas, políticas e programas sociais causam desemprego.

A dinâmica é simples. O empreiteiro quando reduz a velocidade de execução de uma obra precisa de menos trabalhadores e, portanto, faz demissões. Quando beneficiários de políticas e programas sociais deixam de receber o que recebiam, deixam de gastar o que gastavam. Na outra ponta, alguém deixa de vender o que vendia e deixa de produzir o que produzia. O resultado são mais demissões de trabalhadores. O desemprego que, em dezembro de 2014, era 4,3%; hoje alcançou 7,6% (ver linha verde do gráfico).

O gráfico mostra a economia brasileira antes e depois do Ministro Levy. Em alta estão: o desemprego que aumentou 3,3%, a inflação que deu um salto de 3,1%, o déficit público que foi elevado em 2,63%, e as despesas de juros que sofreram um acréscimo de 2,81%. Em baixa estão: os rendimentos dos trabalhadores (redução de 4,3%, agosto/2015 contra agosto/2014), o emprego com carteira assinada (fechamento de 658 mil postos de janeiro a setembro), o volume de serviços (queda de 3,5%, agosto/2015 contra agosto/2014), as vendas do comércio varejista (diminuição de 3%, acumulada em 2015) e a arrecadação do governo (queda de 3,72% - acumulada no ano).

O que necessitava aumentar está diminuindo e o que precisava ser contido está aumentado. São os números que dizem: a política econômica do governo está totalmente errada.

Tenho me preocupado em tempo integral com os rumos da economia brasileira, fazendo o bom combate na tribuna do Senado, compondo a Comissão de Assuntos Econômicos do Senado, conversando com segmentos dos trabalhadores e do mercado, bem como economistas da escola desenvolvimentista da UFRJ e da UNICAMP. Nunca como hoje a economia pode ser considerada uma ciência lúgubre. Todos os meus interlocutores são uníssonos: mantida a política economia, as projeções para o novo ano de 2016 chegarão terrificantes.

A leitura diária dos jornais virou uma agonia. A produção industrial brasileira caiu 1,3% em setembro. Órgãos de pesquisa do governo e consultorias de mercado estimam uma recessão de 3.4% nesse ano e superior a 3% no próximo ano. A recessão resulta em desemprego, sem dúvida o maior dos problemas. Vários analistas preveem que na virada de janeiro a fevereiro do próximo ano, o desemprego atingirá a simbólica casa de dois dígitos - de 10% -, e no meio estará em torno de 12%, podendo chegar a 13% no final do ano. Pior, há gente que fala em até 16% de desemprego em 2017!

Além do desemprego, o caldo de cultura da crise social é exponencializado ao cubo com a piora dos serviços públicos na ponta, em especial os serviços de saúde. As prefeituras estão quebradas, os estados também, cada um fazendo o seu ajuste.

Para comprovar o que digo, basta ler e interpretar - afora a visita direta aos serviços públicos -as mensagens de orçamento que os prefeitos de governadores estão enviando às câmaras municipais e assembleias legislativas: sem exceção, em virtude da arrecadação baixa, os orçamentos indicam crescimento nominal vegetativo, abaixo da inflação. Descendo do Olimpo dos orçamentos para a terra dos homens, sou testemunha de várias situações do Rio de Janeiro de fechamento de postos de saúde e farmácias populares. Em São Paulo, o governo estadual está fechando escolas.

O cotidiano do brasileiro hoje pode ser resumido da seguinte maneira: aumento do desemprego, piora dos serviços públicos e quando você liga a televisão é corrupção atrás de corrupção! Ninguém aguenta!

Para completar o circuito de problemas, a crise interrompeu abruptamente o processo de afluência social de milhões de brasileiros pobres que estavam formando uma nova classe trabalhadora, nos termos das importantes pesquisas do sociólogo Jessé de Souza, atual presidente do IPEA.

No Estadão, em 31 de outubro, lê-se a seguinte notícia: "crise joga três milhões de famílias da Classe C de volta a base da pirâmide". Conforme estudo da consultoria Tendências, citado na matéria, "a recessão derrubou parte da nova classe média, a população da classe C, para a base da pirâmide social.

Entre 2006 e 2012, no boom do consumo, 3,3 milhões de famílias subiram um degrau, das classes D/E para a classe C, segundo um estudo da Tendências Consultoria Integrada. Eles começaram a ter acesso a produtos e serviços que antes não cabiam no seu bolso, como plano de saúde, ensino superior e carro zero. Agora, afetadas pelo aumento do desemprego e da inflação, essas famílias começam a fazer o caminho de volta (...) De 2015 a 2017, 3,1 milhões de famílias da classe C [10 milhões de brasileiros!], devem cair e engordar a classe D/E."

Está-se brincado com fogo. Não se interrompe regressivamente um processo de afluência social sem graves consequências, inclusive no campo da política. Lembremos do verso da canção de Chico Buarque e meu conterrâneo Paulo Pontes: "pode ser a gota d'água".

É preciso traduzir os números, aparentemente frios, de nosso debate intelectual sobre a recessão econômica na carne e osso da vida real e suada dos homens e mulheres. E principalmente retirar conclusões visando a ação. Em primeiro lugar, se a crise é política e econômica, os números em elevação do desemprego perspectivam a proximidade do agravamento da dimensão social da crise. Depois, e não é de hoje, várias experiências históricas do passado confirmam que quando crise bate no social, a política entra em curto-circuito e sobrevém a desesperança.

Por tudo isso, os números da pesquisa do IBOPE divulgados na semana que passou, conquanto tenham caído como uma bomba atômica entre os agentes do sistema político em Brasília, jamais, a quem acompanha os sinais emitidos das ruas, poderiam ser recebidos como um raio em céu azul. Mais que partido A ou B, a pesquisa IBOPE descortinou que o sistema político brasileiro se encontra na UTI.Todos os hipotéticos candidatos à presidência em 2018 (Lula, Aécio, Serra, Alckmin, Marina e Ciro), de quase todas as vertentes políticas e ideológicas, amargam altíssimos índices de rejeição.

Quem semeia ventos colhe tempestades (versículo bíblico, Oséias 8). A oposição, principalmente PSDB e DEM, pensava que fazendo um combate sem regras nem princípios ao governo Dilma - desgastado em virtude da política econômica -, como por osmose estaria credenciada a ocupar em breve a Presidência da República, na qual foi derrotada em quatro eleições seguidas.

Era só cumprir tabela e correr para o abraço, calculavam os maus alunos que não entenderam as verdadeiras intenções de Maquiavel. Engano da oposição. Não se faz política sem esperança. Todos sabem, e a população tem essa intuição, que o programa econômico da oposição é o mesmo de Joaquim Levy, um programa de desesperança.

Poderia arguir muitos exemplos históricos de situações parecidas. Fico com a vizinha Argentina de finais do governo de Carlos Menem, em dezembro de 1999. Resultado de uma política econômica desastrada de paridade 1/1 entre a moeda local, o peso, e a moeda internacional, o dólar- preceito cambial por desatino absoluto inscrito inclusive na constituição do país, um autêntico sistema neocolonial de CurrencyBoard -, depois um breve período de euforia de consumo nas classes médias, logo sobreveio a realidade da falsidade do artifício da âncora cambial. Aconteceu uma corrida bancária de retirada de depósitos em peso em compra de dólares.

A crise social se agravou, a taxa de desemprego chegou a 20%. O governo caiu, novos presidentes foram empossados no Congresso. A desesperança era absoluta, ninguém virou portador credenciado da política. A sociedade, por um tempo, recusou a política, tanto que cunhou o conhecido refrão "que se vayan todos".

Queremos questionar, ainda na fase da tragédia: qual seria o efeito do lema "que se vayan todos" no Brasil? Na Argentina, depois de um tempo de agonias, em razão das raízes do peronismo na sociedade e do lema "que se vayan todos" expressar justa indignação, mas não projeto político, as coisas começaram a se acomodar a partir da eleição de Nestor Kirchner, em fevereiro de 2003.

Outro resultado perverso da crise de desesperança pode ser a chegada de surpresa de um personagem novo, um outsider alheio ao sistema político. Foi que o aconteceu na Itália com a assunção do empresário de mídia e dono de time de futebol Silvio Berlusconi, na esteira da débâcle do sistema político italiano na década de 1990, com as consequências da operação "Mãos Limpas".

A corrupção precisa ser combatida sem tréguas e os culpados condenados. Entretanto, como no pior passado brasileiro (lembremos do combate da UDN a Getúlio Vargas) não podemos instrumentalizar a justa bandeira do combate à corrupção para provocar um clima de intolerância e desestabilização de governo, como tem sido durante o ano inteiro a malograda - como atesta a pesquisa IBOPE - estratégia da oposição. Miraram um alvo específico - o PT e o governo Dilma - e acabaram por atirar em si mesmos.

É na crise que aparece a palavra. A crise já é um somatório em combustão - ela é política, econômica e agora social, em agravamento. Insisto nesta caracterização porque detecto um certo grau de alienação nos meios institucionais, até mesmo do PT, sobre a gravidade da crise. Por um lado, nas batalhas políticas recentes conseguimos afastar o perigo imediato do impeachment. Por outro, eu não tenho a menor dúvida em afirmar que o agravamento da crise econômica e da crise social vai trazer de novo, lá na frente, os ataques especulativos do impeachment golpista.

Falta a palavra. Certos setores do PT insistem, corretamente, em fazer a defesa da democracia ameaçada. Porém, ao privilegiar a política, esquecendo a necessidade de mudança na economia, cometem grave erro estratégico. Mais uma vez, insisto no meu mantra: política e economia são inseparáveis. Logo, lutar pela democracia, ser contra o impeachment e defender a mudança da política econômica compõe a síntese que permite superar, em termos progressistas e de esquerda, a difícil conjuntura brasileira de hoje.

Anima saber que não somos personagens de uma tragédia grega, na qual o destino é traçado de antemão. É possível refazer roteiros já traçados. Não sou profeta para saber da exata palavra que nos falta no futuro. Mas vivi, como todo o povo brasileiro, as agruras de 2015 o suficiente para saber que outra palavra, outro verbo precisa irromper, antes que seja tarde.

Artigo escrito com Jaldes Meneses, professor associado de História da Universidade Federal da Paraíba

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