A polícia política e a vida dos outros
Que os extremistas procurem camuflar os anos de chumbo, com os surtos de nostalgia durante o período Bolsonaro, não espanta
Polícias secretas adoram bisbilhotar. O cinema já se ocupou delas, o mais recente filme sobre o assunto versando a respeito da Alemanha Oriental, A vida dos outros, dirigido por Florian Henckel von Donnesmarck, atirou um balde de água fria em todos os que encontram encantos na ditadura. Brecht já chamara a atenção para semelhantes horrores com o seu Terror e Misérias do III Reich... Pois não é que, a partir do golpe parlamentar contra Dilma Rousseff, entramos em nível nacional com namoros totalitários e sistemas de vigilância repugnantes. O que agora chama atenção diz respeito a um aplicativo israelense. O regime militar, inaugurado em 64, legou adversários ferozes entre suas vítimas, mas também saudosistas das crueldades então praticadas. É uma explicação para o papel reservado à ABIN, no governo de Michel Temer e, sobretudo, na fase de triste memória de Jair Bolsonaro, na tentação de espionar inimigos e prever seus movimentos em nome de... - fins pessoais na presidência.
Regimes arbitrários possuem uma inclinação irresistível para, como afirmava Michel Foucault, punir e vigiar. Gastam fortunas em aparelhos de escuta e, com a era da eletrônica, meios para facilitar o trabalho dos agentes. Não se ignora a dimensão com que se fanatizam pelo caráter secreto de seus procedimentos, como se, com isso, obtivessem orgasmos de satisfação. Muitos dos crimes executados disfarçavam mal e porcamente prisões de gente inocente e torturas atrás de informação. Com a Lei da Anistia, nunca nos inteiramos completamente em termos estatísticos do número de vítimas e de jovens que tombaram no caminho. Se não se revelavam como os artífices, sem dúvida aqueles funcionários da segurança deixaram rastros de maldade, inspirados, quem sabe, em perversas vaidades no desejo de se exibir.
Que os extremistas procurem camuflar os anos de chumbo, com os surtos de nostalgia durante o período Bolsonaro, não espanta. Parece difícil que venham a conseguir discrição dos órgãos investigatórios, diga-se Ministério Público, Polícia Federal e Supremo Tribunal. O público tomou conhecimento de ousadias do grupo, incluindo como foco os Ministros Gilmar Mendes e Alexandres de Moraes, provavelmente para antecipar posições de ofício. Os que ocuparam o poder durante quatro anos no Brasil recente não se destacaram pela dignidade nos comportamentos, esmerando-se, ao contrário, em repetir palavras de baixo calão e estampar éticas discutíveis nas questões administrativas.
Como se tornou claro, o exercício dos mandatos não inspirava a vontade de mudar, muito menos de salvar o país. Funcionava, ainda, e em particular, para atentar contra a democracia e convidar os militares para a festa de programadas quarteladas. O Supremo Tribunal Federal constituiu um de seus alvos. Por isso, não cola a desculpa de que se transformaram de perseguidores em perseguidos. Um por um, além dos já condenados, terão de se ver às voltas com a cadeia. E não se equivoquem. Na democracia, as informações progridem e circulam. Basta ver, ouvir e pensar.
* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.
