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Gustavo Conde

Gustavo Conde é linguista.

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A semiótica das pesquisas eleitorais

O editor e colunista do 247 Gustavo Conde faz uma análise semiótica do regime das pesquisas eleitorais, que têm apresentado padrões distintos de aferição, com metodologias muito diferentes entre si e, mais que isso, defasadas do ponto de vista do sentido e da conexão com a realidade política do país; para Conde, é preciso se vacinar contra as armadilhas das pesquisas que parecem operar na mesma zona obscura do golpe

A semiótica das pesquisas eleitorais
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O cenário eleitoral vai se afunilando e a movimentação do eleitor se intensifica, seja para trocar sua posição, seja para consolidar escolhas construídas ao longo do período pré-eleitoral.

A segmentação do eleitor brasileiro não é apenas de cor, classe, idade e inclinação ideológica. Ela é também discursiva, traço qualitativo que é atravessado por uma série mais complexa de crenças, práticas e autoidentificações.

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Há muitos tabus nas metodologias dos institutos, todos. Em geral, eles têm pudores para considerar um traço como a ‘politização’. Como a política é criminalizada no Brasil – e dela é feito um simulacro muito chinfrim – suas derivações de ordem técnica são também ignoradas.

Isso faz com que tenhamos uma considerável perda de qualidade no conjunto das pesquisas eleitorais, que vivem dentro de suas respectivas caixinhas metodológicas.

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O conjunto de pressupostos colocado em cena por algumas pesquisas está defasado e lida com zonas de ‘vazio semântico’, como bem apontou a socióloga e colunista do 247 Thais Moya.

Perguntar a um cidadão se ele prefere ‘um salário maior sem direitos trabalhistas’ ou um ‘salário menor com direitos trabalhistas’ (como fez o Datafolha recentemente) é mergulhar em uma profunda desonestidade intelectual e conceitual.

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No fundo, é um tipo de questionário que não deixa opções para o indivíduo pesquisado, impondo-lhe premissas que não são técnicas nem produtivas – ou, melhor: não estão ‘conectadas’ com a realidade do discurso temático que as englobam.

Esse é o nó. Pressupostos velhos – e enviesados politicamente –, pesquisas mal feitas.

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O golpe prejudicou toda a produção de ordem técnica do país, uma vez que ele prejudicou instituições, economia e indicadores sociais. Tudo acaba sendo arrastado para a zona obscura prima-irmã do próprio golpe: velha, defasada e desconectada da realidade.

Nós vivemos, além da crise institucional, uma crise de ordem técnica e conceitual – afinal de contas, como defenderia o filósofo francês Louis Althusser, o sentido das palavras e do discurso está nas instituições e não em uma zona neutra e desinteressada de gerenciamento da linguagem.

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O colapso é grande e nem é só brasileiro, como também postulou de maneira meridiana a filósofa Marilena Chauí, em seminário recente.

O neoliberalismo se impõe como o novo totalitarismo e esse totalitarismo é, acima de tudo, de sentido. O mercado – como bem disse Fernando Haddad, que também é um filósofo e um intelectual respeitado – não tem ‘rosto’ e não pode ser entrevistado para reconhecer os seus erros.

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De sorte que as pesquisas eleitorais estão mergulhadas nessa selva de colapso dos pressupostos, históricos e/ou pragmáticos.

Como há muitas variáveis que constituem a facção de uma pesquisa, o ‘acerto’ ainda pode acontecer, evidentemente. Mas, a percepção que salta aos olhos de um pesquisador minimamente vacinado é a de que iremos ter a maior discrepância da história no que diz respeito a pesquisas eleitorais.

Por n razões – não penas pelas defasagens conceituais. O momento político brasileiro é inédito. O perfil do eleitor mudou, o perfil da população mudou e as associações de segmentação mudaram.

Esse é o ‘dentro da caixinha’ que pode fazer com que os institutos de pesquisa encontrem seu mais tenebroso ano no quesito ‘acerto’ e ‘confiança’. Há um estilhaçamento das metodologias e uma recusa em aprofundar novos protocolos de aferição – da mesma maneira que a imprensa se recusa a se conciliar com a realidade política do país e com as plataformas digitais, que oferecem muitas novas possibilidades.

Há, portanto, uma predileção clara pelo velho.

Dito isso, o dado que me parece importante no que diz respeito a pesquisas eleitorais é, justamente, esse novo perfil do eleitor brasileiro, traumatizado pelo golpe, pela ameaça de um novo golpe e pela incerteza gerada pelo poder judiciário que não fez questão de esconder sua ingerência no processo eleitoral.

Esses sentimentos se juntam a outra dimensão perceptual deste singular eleitor de 2018: há uma polarização entre os mais politizados e os menos politizados. Quem adere a uma candidatura como a de Jair Bolsonaro, proscrito do debate porque internado em um hospital, adere à despolitização.

Quem migra de maneira acelerada para uma candidatura como a de Fernando Haddad, quer se reconectar com a história e com a democracia, porque a massa discursiva que é produzida por Haddad e pelo PT tem outra densidade e outra dimensão do que aquela que sequer é produzida do outro lado do espectro cognitivo – sic.

São escalas diferentes de discurso e de sentido.

Os institutos de pesquisa nem sonham em adentrar esse terreno complexo – e quase semiótico – dos deslocamentos do desejo político. Eles poderiam, ao menos, ser ambiciosos em algum momento de suas respectivas trajetórias de aferição pública. Fica meu lamento.

Neste momento, portanto, estamos em uma zona obscura também no que se refere aos prognósticos eleitorais. Isso, por um lado, é bom – porque nos obriga a votar com a convicção e não com a aberração que é o chamado ‘voto útil’, prática que já foi cara ao brasileiro, mas que, neste momento, torna-se uma cultura impossível de precisar e atualizar.

O que parece ser indiscutível é que o eleitor se move com extrema velocidade, uma vez que a eleição se aproxima.

O que vale nessas pesquisas que vão sendo desovadas e atendem aos mais diversos interesses – menos o do cidadão mais humilde que também aprecia a análise de cenários – são as tendências: quem cresce e quem decresce.

Os valores ‘chapados’ caem na obscuridade característica de períodos golpistas, em que sequer as estatísticas econômicas e/ou sociais – dos órgãos oficiais – podem ser levadas a sério.

Como Lula bem percebe e entende, as pesquisas não servem para nada, a rigor. Elas podem significar a armadilha mais tóxica para quem nelas depositar fichas e projetos.

Elas ‘animam’ o período pré-eleitoral, mobilizam paixões, desencadeiam debates e reflexões (como essa). Sua relevância, no entanto, cai na rede putrefata das instituições tomadas pelo golpe, com as exceções de praxe (falo do Vox Populi, que além de marcar posição com metodologias mais conectadas com a realidade política, é também um instituto ‘ousado’).

Se o brasileiro quiser, de fato, dar uma resposta contundente ao golpe, que é o que parece que está no horizonte destas eleições, ele tem que passar ao largo das pesquisas e votar com sua convicção e com suas ferramentas de análise.

O país não pode ficar ‘refém’ de pesquisas. Seria mais um foco de estresse para uma população já estressada com a devastação social promovida pela desinformação produzida pela Rede Globo e também pela ausência de um mandatário na esfera institucional do executivo do país.  

O prognóstico que aponta no horizonte, portanto, é o da maior discrepância entre resultado das eleições e os apontamentos das pesquisas. Assim como as instituições brasileiras, os institutos de pesquisa também passam por suas crises de identidade.

Resta a observação cuidadosa de todos os cenários, de todas as propostas e de todos os conteúdos disponíveis na cena do debate eleitoral.

Mas, acima de tudo, resta ao eleitor colocar em cena algo muito importante que também foi perdido em meio à devastação social do golpe: o caráter.

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