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Miguel Paiva

Miguel Paiva é chargista e jornalista, criador de vários personagens e hoje faz parte do coletivo Jornalistas Pela Democracia

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A vida num aplicativo

"Na portaria seu Josias o saudou com um sorriso profissional. Era a primeira vez que ficava na portaria. O serviço de porteiros por aplicativo que ele tinha contratado quando era síndico continuava a funcionar", escreve Miguel Paiva na crônica sobre o uso de aplicativos

(Foto: Miguel Paiva)
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Por Miguel Paiva, para o Jornalistas pela Democracia 

Às oito horas da manhã  abriu os olhos. Tinha marcado a entrega do café da manhã pela I-Breakfast para oito e dez. Era o tempo de esticar o braço para o seu lado direito e constatar que infelizmente aquela bela mulher com quem dormira a noite inteira não estava mais lá. Entendeu. Afinal, todos têm compromissos.  

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Levantou correndo, tomou uma ducha, escovou os dentes e quando enxugava a boca o interfone tocou. Era o porteiro do dia, chamado Josias segundo anunciou, que avisava que o café da manhã estava subindo. Recebeu, agradeceu e quase não percebeu o rosto de quem entregava. Era um rapaz louro, forte, igual aos que via na praia todos os dias. Estranhou uma pessoa daquele tipo fazendo este serviço. Engoliu o café, vestiu-se rapidamente e chamou o táxi do aplicativo. Dois minutos, dizia o celular.  

Na portaria seu Josias o saudou com um sorriso profissional. Era a primeira vez que ficava na portaria. O serviço de porteiros por aplicativo que ele tinha contratado quando era síndico continuava a funcionar.

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O táxi chegou na hora marcada e o motorista se manteve em silêncio com a temperatura do carro a 22 graus segundo especificado no chamado. Silêncio e temperatura amena.

A cidade passava por seus olhos na velocidade lenta do carro no engarrafamento. Não conseguia ver ninguém nos outros carros. Todos com vidro escuro. Lembrou das paqueras do início do século quando ainda dava para trocar um sorriso sedutor no sinal fechado. Agora era o breu. Podia inclusive ter um marciano dirigindo aquele uber ao lado.

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Chegou no Co-Working onde costumava marcar reuniões e fazer seu trabalho de assessor jurídico. Pagava caro mas evitava assim de ir até a empresa no centro da cidade. Era pago por serviço prestado. Deu uns telefonemas, anotou algumas providências no celular e quando viu a hora já tinha passado. Pediu o almoço no i-food mais rápido que se apresentou e depois de comer fechou os olhos recostado na poltrona por dez minutos.

Acordou com seu celular tocando. Alguém queria falar com ele enquanto mensagens no Whatsapp não paravam de entrar. Agilizou as pendências, atualizou a agenda e partiu para a academia. Sua hora dedicada todos os dias ao exercício era fundamental. Na academia, impessoal e enorme, usava aparelhos terceirizados com professores contratados por aplicativo que fiscalizavam sua série de exercícios pelo programa instalado no seu celular.  

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Antes de voltar pra casa deu um pulo no bar onde costumava encontrar os amigos. Estavam todos lá. Ficou sabendo pelo localizador do aplicativo. Fernando, Paulo, Antônio, Leila, Dora e Ruth. Os amigos levantaram os olhos de seus aparelhos para cumprimentar quem chegava. Ele sentou-se perto da janela.  

Gostava de ver o movimento da rua. Os entregadores em motocicletas barulhentas disputando o espaço com os carros de aplicativo, as bicicletas de serviços de entrega e os amigos de aluguel, cada dia mais numerosos.  

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Brindaram aos novos números do mercado financeiro. Sorriram para o aumento do emprego formal. Trocaram ideias sobre o crescimento da economia brasileira apesar do desemprego formal. Afinal, para ele a vida estava normal. Já tinha se acostumado àquele ritmo. Fechou o raciocínio antes de descer do carro chamado pelo aplicativo na frente de casa.

Não podia chegar atrasado ao jantar para duas pessoas encomendado por ele. Foi o tempo de chegar, receber o jantar todo embalado para ser servido diretamente, separar o vinho que o aplicativo TuttoVino havia mandado, tomar um banho e ouvir a campainha da porta tocar. Era ela.

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Correu ansioso mas não conseguiu evitar a decepção.

- Você? Pensei que fosse a Magali? Foi quem eu pedi pelo aplicativo.

- Magali pegou outro serviço mas eu também estou decepcionada. Achei que era o Roberto. Marquei pelo Tinder.

- Eu também.

- Acontece. zO que fazemos agora, ela perguntou.

- Gosta de lagosta?

- Prefiro carne seca.

- Não tem problema. Peço pelo celular. Chega rapidinho.

- Fazemos o quê enquanto esperamos?

- Trocamos mensagens...gosta de nudes?

- Prefiro memes.

- Acho que isso é o início de uma grande amizade.

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