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Wilson Ramos Filho

Jurista, professor e escritor

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Aberrante

O Brasil experimenta um verdadeiro regime nacional-cristão, dogmático, capitalista, nacionalista subordinado aos interesses estadunidenses, fundamentalista, reacionário, anti-ciência e irracional. Essa doutrina do nacional-cristianismo, por razões que não interessa deduzir aqui, seduziu definitivamente um quarto ou um quinto da população brasileira

Não entendo judeus que apoiam Bolsonaro (Foto: Foto: Wilson Dias/ Agência Bras)
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Um enorme contingente de brasileiros segue apoiando tudo o que Bolsonaro diga ou o que faça. Uma fidelidade intrigante. Ainda mais agora que ministros assumiram o governo, sob a coordenação do militar obscuro. Não se importam com o que diz o presidente. Uma esquizofrenia institucional. O jaguara faz o ridículo. Diz que “tem a caneta” e ameaça seus ministros dizendo que “a hora deles vai chegar”. A caneta, todavia, já não está em sua posse, isto está claro. A reação do deposto na prática, contudo, ainda é uma incógnita. Tentará, tresloucado, retomar o poder ou se resignará à insignificância?

A pandemia, em decorrência da incompetência deste acéfalo governo, terá efeitos devastadores. O Brasil logo ultrapassará a Espanha e Itália em número de mortos. Isso alterará a percepção popular a respeito das bolsonaras irresponsabilidades? Temo que não. Um em cada quatro ou cinco brasileiros pensa e age como Bolsonaro, presidente do Brasil pela graça de deus. A referência ao franquismo é óbvia. 

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Muitos comparam o regime autoritário no Brasil, que começou com o Golpe de 2016, com o fascismo italiano ou com o nazismo teutônico. Todavia, analisando o conjunto de forças que o sustenta (religiosos, funcionários públicos do aparato repressivo, militares, milícias criminosas e agentes do mercado), aparentemente, a similaridade mais apropriada seria com a história do criminoso regime de Franco, “caudillo de España por la gracia de Dios”, de 1939 a 1975. 

O Brasil experimenta um verdadeiro regime nacional-cristão, dogmático, capitalista, nacionalista subordinado aos interesses estadunidenses, fundamentalista, reacionário, anti-ciência e irracional. Essa doutrina do nacional-cristianismo, por razões que não interessa deduzir aqui, seduziu definitivamente um quarto ou um quinto da população brasileira. 

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A resiliência dessa doutrina surpreende, incomoda e causa estupefação naqueles que se esforçam para entender as causas e as consequências deste fenômeno social e político. Qualquer que seja a insanidade praticada por Bolsonaro esse enorme contingente de brasileiros seguirá apoiando-o. 

Pelo menos trinta milhões de militantes bolsonaristas constituem-se em considerável base social. Eles são majoritários no funcionalismo público melhor remunerado, no aparato repressivo (forças armadas, polícia federal, polícias estaduais, guardas municipais e também no poder judiciário, no ministério público e na vigilância patrimonial armada), no empresariado fiel aos dogmas liberais (o movimento chamado “o Brasil não pode parar” bem o demonstra), entre os neopentecostais (e mesmo nas demais religiões cristãs) e nas milícias paraestatais que controlam os bairros populares nas maiores cidades brasileiras. Essa ampla base social se aglutina em torno da figura do pretendido “caudillo”, do “mito” que, por razões distintas, representa cada um dos setores sociais que, incondicionalmente, o apoia. Trata-se de um projeto de uma determinada maneira de existir em sociedade. 

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Esse projeto do nacional-cristianismo brasileiro, do bolsonarismo, repita-se, constitui-se em desajeitado monstro de cinco patas (direita concursada no funcionalismo, militares, evangélicos, classes médias e empresariado) que tem no ocupante da presidência sua unidade orgânica, consolidada em 20 ou 25% da população. Todavia, a maneira de existir em sociedade que este projeto propõe demostra ter uma abrangência muito maior. Seis em cada dez brasileiros, se verdadeiros os resultados das mais recentes pesquisas de opinião, se opõem à renúncia de Bolsonaro. Parte deste resultado se deve à desinformação, mas desconfio que a maioria se conforma à exdrúxula e dissonante postura do presidente brasileiro (à exceção de Belarus todos os chefes de estado orientam ao isolamento social) por conta da militância do bolsonarismo nas redes sociais. 

Parecem ser estas, entre outras, as principais razões pelas quais, mesmo destituído do “poder da caneta” pelo “golpe branco” em curso, o presidente ainda não foi afastado, segue lá no Palácio do Planalto, como figura decorativa. A doutrina precisa do líder populista, mesmo que destituído na prática de suas funções executivas. O nacional-catolicismo perdurou na Espanha enquanto Franco existiu. Com sua morte, embora ainda com forte apoio popular, o franquismo se esfacelou. 

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No campo dos que se opõem ao bolsonarismo, por outro lado, ainda não se apresentam, mesmo diante dos crimes contra a humanidade praticados por Bolsonaro durante a pandemia da COVID-19, alternativas com capacidade sedutora suficiente para que se estabeleça uma outra maneira de existir em sociedade.

Vislumbram-se, nas esquerdas, duas obsessões que as impedem de formular um projeto que afronte, decididamente, o bolsonarismo: a obsessão conciliadora, que segue acreditando na negociação (com quem não quer e não precisa negociar), e a obsessão frentista, querendo atrair para o campo democrático quem não quer e não conseguiria se aliar a nós. As centrais sindicais que foram mais combativas no passado renunciaram à sua identidade em prol da unidade com os setores mais atrasados do sindicalismo pelego. As reiteradas “notas públicas unitárias” fazem desaparecer as diferenças ideológicas (existem ainda?) entre as propostas das diferentes centrais sindicais que, por moderadas, se mostram ineficazes e pouco eficientes na defesa da classe trabalhadora. Alguns partidos políticos de esquerda também nos envergonham com lamentáveis e inócuos acenos a “parcelas conscientes do empresariado” e aos “setores democráticos da direita”, seja lá o que isso signifique. 

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Aparentemente as esquerdas (com exceções em cada segmento) insistem na tentativa, fracassada, de uma “confluência de partida” com outros setores sociais que assegurasse certos consensos para enfrentar o bolsonarismo. Renunciam, com esta estratégia, à “confluência de chegada”, como resultante da correlação de forças. 

Como a esquerda mantém seus bons modos, não radicaliza sequer no discurso, não pretende uma confluência de chegada. Abdica dos fundamentos socialistas para, submissa, aderir a uma improvável confluência de partida e, com tais posturas, desperdiça  a oportunidade de apresentar um projeto alternativo, anticapitalista, de maneira de existir, de modo de vida, fundado em valores solidários e igualitaristas. O confinamento social desnudou o capitalismo brasileiro e demonstrou até aos parvos que é trabalho o que gera riqueza, que sem a exploração do trabalho humano o capital é inútil. 

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Assim como o nacional-catolicismo espanhol não sobreviveu sem Franco, o nacional-cristianismo não resistirá à ausência de Bolsonaro como mito constitutivo do monstro de cinco patas (eles sabem disso; nós sabemos?). Parece ser esta a razão principal para terem criado a aberrante figura do “presidente executivo”, um militar, como coordenador da estratégia de combate à pandemia escolhida pelos ministros indesejáveis por Bolsonaro. 

Derrubar Bolsonaro parece ser um imperativo ético para a maioria das pessoas razoáveis. Esse sujeito é uma aberração. Não vou cansá-los declinando as razões para esta evidência, mas ressalto que uma delas reside na provável desarticulação da doutrina do nacional-cristianismo. Sem Bolsonaro na presidência o bolsonarismo se tornará uma força minoritária na sociedade. Repito: Bolsonaro se submeterá a essa humilhação? A incógnita permanece. Não se pode descartar, ainda, que - derrubado - se fortaleça junto aos que, irracionalmente, nele encarnam suas expectativas e esperanças. Tais setores, muito ideologizados, seguiriam o mito “injustiçado” com ainda maior devoção. 

Mas apenas retirar Bolsonaro não basta. Para enfrentarmos aquela doutrina temos que acirrar a crítica aos seus fundamentos (meritocracia da Direita Concursada e seus privilégios; inutilidade e subalternidade das forças armadas; reacionarismo das igrejas e das classes médias; banditismo das milícias e inconsistência das políticas liberais, entre outros) e, ao mesmo tempo, radicalizar nossa defesa de uma outra maneira de existir que aponte ao futuro, sem desprezar o legado dos governos de coalizão que tivemos até o Golpe de 2016, na construção de uma nova sociedade, com novos valores humanos, anticapitalistas e, por isso, mais igualitários e solidários. 

Wilson Ramos Filho (Xixo) é doutor em direito, professor da UFPR e integra o Instituto Defesa da Classe Trabalhadora.

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