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Pedro Simonard

Antropólogo, documentarista, professor universitário e pesquisador

92 artigos

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Algumas questões sobre aulas remotas e à distância

As metodologias de aulas não-presenciais contribuirão para precarizar ainda mais o já precarizado trabalho da maioria dos professores

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Esta coluna está saindo atrasada. Peço desculpas aos poucos e bravos leitores, se é que os tenho, mas nunca trabalhei tanto quanto agora! Trabalhar em casa exaspera o nível da mais-valia absoluta. Ministro aulas em uma instituição de ensino superior que está temporariamente com suas atividades presenciais suspensas devido à pandemia do Covid-19. Sendo assim, tenho que preparar aulas remotas e isto dá um trabalho gigantesco. Só de programas para ministrar as aulas são três: um para abrir e fechar aulas e fazer chamadas, outro para disponibilizar o material e o conteúdo para os alunos e outro para abrir a sala de aula virtual.

Eu tenho condições de trabalhar em casa. Tenho um emprego formal, com carteira assinada, regido pela CLT. Tenho condições de pagar um provedor de internet que me permite navegar pela rede a uma velocidade muito alta. Tenho um PC e minha companheira tem outro. Além dos nossos PCs, nosso plano família de telefonia celular nos permite utilizar dados quase que sem limites. Esta realidade não é a mesma presente na imensa maioria dos lares das famílias brasileiras cujas condições de trabalho pioraram muito desde o golpe de Estado de 2016. 

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Em 2014, ano em que a crise econômica ainda não tinha atingido fortemente o país, o Brasil fechou o ano com 41,22 milhões de empregos formais. O número de trabalhadores informais alcançou, neste mesmo ano, cerca de 5 milhões de pessoas. De 2014 até 2019 o número de trabalhadores informais alcançou 41,1% dos trabalhadores brasileiros, o que equivale a 38,4 milhões, e o número de trabalhadores com carteira assinada em 2019 foi 33,7 milhões, cerca de 8 milhões a menos do que em 2014, com 11,6 milhões de desempregados. Dentre esses trabalhadores a maioria tem um acesso precário ou nenhum acesso à uma conexão de internet que seja confiável.

Esses dados são importantes na conjuntura atual de pandemia do Covid-19 para analisarmos a proposta do governo federal, de governos estaduais e municipais que incentivam pré-escolas, escolas e instituições de ensino superior a adotarem metodologias de aulas à distância ou remotas, sob a recomendação do Ministério da Educação (aulas à distância são aquelas concebidas para ministrarem cursos inteiramente online e as aulas remotas são elaboradas online para temporariamente substituirem as aulas presenciais por um motivo qualquer). Os professores que ainda têm a sorte de estarem empregados que fiquem atentos! Não lhes é dada a possibilidade de optarem pela adoção ou não de aulas remotas e/ou à distância; esta é uma decisão do patrão, o dono da empresa de ensino, ou do estado, empregador do professor.  Se o professor se recusar a adotar metodologias de aula não presenciais corre o risco de ser demitido. Alguns estão achando tudo lindo e maravilhoso. Muitos alunos que possuem infraestrutura em casa que lhes permitem assistir a esse tipo de aula de maneira satisfatória também desenvolvem uma opinião positiva sobre ela. Quais são os problemas, então?Um risco real para o professor é que desde que o empregador constate que a experiência com essas metodologias de aulas à distância e remotas é positiva, o que quase sempre se confunde com o aumento das margens de lucro, ele pode “descontinuar” membros do seu corpo docente que ficarão desempregados. As leis trabalhistas, já tão vilipendiadas pelos governos pós-golpe de 2016, ainda asseguram aos professores certos direitos como carga horária previamente determinada, horário de aula previamente estabelecido, número de alunos restritos em sala de aula, férias e descanso semanal. As aulas à distância podem levar a categoria a experimentar um aumento no desemprego: dependendo do aplicativo que for utilizado, um professor pode ministrar aula para até 250 alunos simultaneamente. Se 250 alunos forem regidos por um só professor em uma mesma aula ou sala de aula virtual isso significará que até nove professores perderam seus empregos, se considerarmos 25 alunos como o número máximo ideal por turma presencial. As condições de trabalho da maioria dos professores estão distantes desse número ideal e muitos trabalham com turmas que contam com um contingente de alunos muito maior. Contudo, a legislação permite que se trabalhe aulas não presenciais com turmas muito grandes.

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Outra consequência é que, se não forem impostos limites ou se o próprio professor não impuser limites à disponibilidade de atendimento ao aluno e seus responsáveis, ele poderá trabalhar muito mais do que oito horas por dia, ministrando aulas, atendendo a alunos e seus responsáveis, preparando aula e corrigindo atividades. Além de acarretar prejuízos à qualidade de ensino ainda pode levar o professor à estafa e à depressão.

O professor trabalhando de casa acrescentará ao seu trabalho docente os afazeres domésticos e o cuidado com os filhos, ficando sobrecarregado e estafado com esta dupla jornada de trabalho. Ele precisa de um ambiente acolhedor para desenvolver suas atividades docentes e poder se concentrar nelas e não pode ficar preocupado com outros afazeres e atividades quando prepara ou ministra suas aulas. Ao final destas ele necessita de um lugar onde possa descansar e seu lar precisa ser um lugar que lhe proporcione repouso e acesso ao lazer nas horas em que não está trabalhando. Como atingir este objetivo trabalhando em casa?

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Some-se a tudo isto o custo de internet que ficará a cargo do professor e deverá ser adicionado às suas despesas mensais. Aula à distância ou remota demanda uma internet banda larga que precisará ser tão mais rápida quanto maior for a quantidade de alunos que dela participarem. Neste tipo de aula é preciso que haja interação do aluno com o professor e esta interação pressupões troca de dados digitais entre as duas partes. Uma conexão de internet lenta torna esta troca maçante, cansativa e mesmo impossível. Pode-se argumentar que o professor economizará os custos de transporte até seu local de trabalho e poderá pagar um provedor de internet banda larga, mas o custo da internet pode ser maior do que o do transporte, dependendo das distâncias percorridas e da banda larga contratada. Sem contar que o professor que vai para o trabalho a pé terá um custo adicional que não previra e que pesará em seu orçamento familiar.

A nível administrativo, os custos do preparo do material de apoio para as aulas à distância ou remotas, das plataformas utilizadas para disponibilizá-lo para docentes e discentes e da conexão de internet sairão do orçamento das secretarias de educação, seja no caso destas produzirem seu próprio material de apoio, criarem sua própria plataforma e fornecedor de internet, seja no caso das secretarias contratem serviços de empresas privadas para produzirem tudo o que for necessário. Nesta segunda hipótese, parte dos sempre escassos recursos dessas secretarias serão transferidos para grandes grupos da iniciativa privada. As instituições de ensino privadas, repassarão estes custos para alunos e responsáveis. 

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Se estas aulas à distância e remotas forem implementadas brevemente isto acarretará mais custos para alunos e seus responsáveis. O ano letivo já se iniciou, o material didático já foi adquirido e utilizado e isso teve um custo. Muitas famílias não terão condições de arcar com as despesas adicionais de aquisição do material de apoio às aulas não presenciais, caso estas sejam repassadas aos alunos.

No que concerne aos discentes, estes são atingidos por quase todos os problemas que atingem os professores. A maior parte dos alunos da rede pública, em todos os seus níveis, bem como os da rede privada são oriundos de famílias de baixa renda. Uma grande parcela dos rendimentos destas famílias é utilizada no provimento de atividades essenciais e um grande esforço é realizado para assegurar a todos os membros da família o pagamento de mensalidades, de tarifas de transporte e de alimentação que possibilitam que os membros da família estudem. O acesso à internet é, em geral, feito via plano de celular com limites de download e upload de dados. As redes de telefonia celular apresentam graves problemas de cobertura em áreas urbanas - bairros distantes, comunidades pobres, cidades menores - e em áreas rurais. A inconstância dos sinais dessas redes pode excluir das aulas não presencias os alunos com renda mensal mais baixa. Para se acessar à internet pelo celular é preciso que este receba e envie dados, excluindo do acesso às aulas muitos alunos que possuem telefones celulares mais baratos que não têm acesso à transferência de dados.

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Por fim, as aulas à distância e remotas podem causar problemas de saúde a professores e alunos devido à postura incorreta frente ao dispositivo conectado e pela exposição ao brilho da tela do computador, tablet ou celular durante longos períodos.

E mais uma questão para terminar: como os alunos que fazem suas refeições nas escolas se alimentarão se permanecerem em casa assistindo a aulas online?  As secretarias de educação e o Ministério da Educação apresentam as aulas à distância e remotas como a grande solução para esta conjuntura de crise. Ao tratarem deste tema parece que não consideraram em toda profundidade a real possibilidade de gerar ainda mais exclusão social para as camadas marginalizadas da população. 

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As metodologias de aulas não-presenciais contribuirão para precarizar ainda mais o já precarizado trabalho da maioria dos professores. Por meio delas, o patronato conseguirá impor aos professores condições de trabalho piores com aumento da carga horária e de trabalho associados à redução salarial. No que concerne aos alunos, se estas metodologias se tornarem hegemônicas, a escola perderá sua função socializadora. Como consequência poderão surgir grupos sociais formados por sujeitos egocêntricos e individualistas, cuja convivência e interação sociais tenderão a ser marcadas pela intolerância e o conflito.

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