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Marilza De Melo Foucher

Economista e jornalista. Colabora com o Brasil 247 e outros jornais no Brasil, é colaboradora e blogueira do Mediapart em Paris

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Aniversário de dois anos do governo Hollande é marcado por hesitações e descrédito

Restam três anos ao Presidente François Hollande para reconquistar seu eleitorado e pensar o porquê de sua impopularidade tanto à direita como junto à esquerda

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O setor da ótica no mercado internacional é dominado pela França, entretanto, o governo de François Hollandenão mudou de óculos para ver a realidade deixada pelos dez anos do governo de direita. Na certa, se tivesse trocado de lentes antes de assumir o governo, teria realizado um inventario, e, de imediato, convocado a imprensa e os representantes da sociedade civil para dizer que diante, do quadro catastrófico de finanças deixado pelos governos de direita, muitas de suas promessas seriam revistas.  Na primeira semana de seu governo ele deveria ter dito: “Eu, presidente, estou confrontado por uma ilusão de ótica. Vendo de perto vejo que devo governar em estado de urgência, caso contrario, o governo não terá condições de garantir o modelo social francês. Eu, presidente, assumo que não poderei cumprir com todas as promessas. Entretanto, não me falta vontade política para agir em conseqüência deste quadro de falência do Estado”.

Infelizmente, a vaidade impede, às vezes, que o homem político diga que se enganou. O filosofo alemão Friedrich Nietzsche já dizia: ‘As convicções são as inimigas da verdade mais perigosas que as mentiras’. Eis o grande dilema dos homens políticos quando passam a ser executores na gestão do poder democrático, principalmente numa situação em que o quarto poder (o mundo mediático) impõe a democracia de opinião. Muitos governam em função de sondagens de opinião ou da pressão mediática.

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O gosto da vitoria da esquerda socialista virou amargo. O presidente Hollande passou a engolir em seco, sem saborear da boa cozinha francesa… Deixando de lado as metáforas, durante os dois anos de governo socialista/ecológico, o presidente viu sua cota de popularidade cair de modo vertiginoso e hoje passou a ser o presidente mais impopular da França republicana. A força de assumir todas as suas promessas não levando em conta o rombo da contabilidade publica, a divida nacional deixada pelos governos de direita durante dez anos, a crise econômica mundial, ele terminou assumindo os erros do passado e não dando resposta consistente de como ele iria governar diante de uma calamidade nacional. Nem o presidente e nem seu primeiro-ministro tiveram a coragem política para apresentar um verdadeiro diagnostico socioeconômico da França e elaborar um programa de governabilidade, assumindo a revisão de suas promessas.

Ao contrario, o presidente François Hollande, teimosamente, continuou martelando em algumas promessas-chave de seu governo, por exemplo: Vencer o desemprego até 2013! Diante de um Estado falido, de uma Europa em crise, e de uma crise internacional sem precedente, esta promessa para qualquer amador de economia seria impossível. Completamente dependente de uma união europeia governada por maioria conservadora, o capitão Hollande não podia navegar contra a corrente ou suportar o maremoto sem mudar de rumo. Falhou em sua promessa de 2013, para inverter a tendência do desemprego na França. Em dezembro, houve um novo aumento passando para 3,3 milhões o número recorde de desempregados. A realidade de um desemprego estrutural coloca em jogo a credibilidade política.

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Mas Hollande parece ignorar sua impopularidade e ele assume sua teimosia, seu governo vai continuar apostando na capacidade de vencer o desemprego, logicamente a perseverança em cumprir sua promessa de luta contra o desemprego é louvável, mas a receita fornecida pelo Doutor Hollande não convence nem a ala mais à esquerda de seu próprio partido. Diante da baixa estupenda de popularidade ele decide uma pirueta ideológica e se assume como social-democrata liberal; propõe uma política econômica baseada na oferta, sua proposta não se diferencia da gestão econômica da direita. O presidente vai então propor um “pacto de responsabilidade” para estimular as empresas a contratar os desempregados, lhes oferecendo 30 bilhões de € e diminuindo a fiscalização até 2017. Dado o fraco crescimento econômico, a previsão otimista é cerca de 1% em 2014, os economistas continuam cautelosos… De acordo com o INSEE – Instituto de estatísticas, a taxa de desemprego é atualmente de 10,5% e espera-se que continue a subir para 10,6% até final de junho.

Ele já era impopular para o eleitorado de direita, com esta política que privilegia o mundo empresarial, a economia financeira, o governo vive hoje uma débâcle política junto às camadas populares que desertaram do campo político eleitoral.  Por esta razão, o seu partido conheceu sua maior derrota nas eleições municipais do mês de março. Há décadas o partido socialista detinha a maioria dos governos municipais na França.

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Agindo assim, uma só promessa foi fatal para destruir a imagem do presidente diante dos franceses. A imprensa passou a martelar que Hollande era um homem político sem firmeza, que governava na improvisação, e, sem nenhuma liderança junto aos seus ministros. A valsa de hesitação era evidente em cada intervenção de seus ministros face aos pugnazes jornalistas franceses sempre dispostos a colocar os políticos diante de suas contradições. Mesmo que os canais de televisão de informações permanentes sejam acusados de pertencerem ao sistema “sarkozysta”, muitos jornalistas franceses deixarem de ser carneirinhos como foram considerados durante o governo anterior, eles preservam certa independência de seus patrões, que são amigos do ex-presidente Sarkozy.

Outro exemplo de independência jornalística é do jornal parisiense Mediapart, seus jornalistas conhecidos por serem de esquerda continuaram o jornalismo de investigação e político e são verdadeiros guardiões da democracia francesa, eles denunciaram vários escândalos da vida política e financeira, abuso de poder, certas derivas do poder no governo Sarkozy e continuaram agindo da mesma maneira durante o governo de François Hollande.

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O conhecido affaire Cahuzac foi suficiente para colocar em causa outra promessa do Presidente Hollande ligada à moralidade da vida publica. Ou seja, o candidato à Presidência dizia que no seu governo a república francesa seria irrepreensível. Ele não iria nomear em caso de vitória pessoas que tivessem sido julgadas ou condenadas. Ele indicou para ministro do Orçamento um médico, dono de uma clinica conhecida mundialmente pelo implante de cabelos. O Ministro Cahuzac de grande eloqüência que ameaçava punir todos os sonegadores de impostos, em pouco tempo o jornal Mediapart afirma que o Ministro havia uma conta na Suíça…

Abaixo para o publico brasileiro francofônico, vale a pena de ver como o jornalismo pode ser exercido independente se o jornalista é de direita ou de esquerda, os jornalistas de Mediapart fizeram a denuncia, todavia, a denuncia era pautada em fontes verídicas, num trabalho investigativo do jornalismo, e não somente, para fazer o famoso buzz mediático para fragilizar o adversário político como acontece em alguns países, como por exemplo no Brasil. Acessem o site aqui.

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“A República exemplar” do candidato Hollande, para melhor se destacar de seu antecessor, Nicolas Sarkozy, passa a ser desacreditada face ao comportamento vergonhoso e vil de seu ministro do Orçamento. Depois da tempestade deste escândalo vem um ano depois outra denuncia ligado desta vez ao conselheiro político do Presidente da República, o médico Aquilino Morelle obrigado a pedir demissão após uma investigação que revelou Mediapart sobre sua ligação dele com os laboratórios s farmacêuticos durante o período que ele trabalhava em IGAS – Inspeção Geral de Assuntos Sociais, considerado como conflito de interesse. Este organismo garante o acompanhamento e a avaliação da implementação de políticas públicas para a segurança social e assistência social, saúde e bem-estar social, trabalho, emprego e formação profissional.

Vale ressaltar que não é o presidente Hollande acusado de desonestidade republicana. Ele, simplesmente, fez prova de ingenuidade acreditando, por exemplo, na palavra de seu ministro que, dotado de grande habilidade para transformar a verdade em mentira, surpreende toda a classe política. Quanto ao conselheiro político ele confirmou que realmente trabalhou para um laboratório em 2007, mas que não havia “um conflito de interesses”. Por enquanto, espera-se o resultado da investigação judiciária. Estes dois casos, mesmo que diferentes, abalaram a promessa de Hollande, a de que no seu governo a República seria exemplar.

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Os políticos sarkozistas aproveitaram deste escândalo para ser reabilitados diante da opinião publica. Para a direita acostumada a usufruir das benesses do poder, não existe republica exemplar a França de Hollande é igual à França de Sarkozy. Para a extrema direita, que tira também vantagens da fragilidade do governo de Hollande e da crise internacional, todos os políticos são podres tanto os partidos de esquerda como os de direita aliados de Sarkozy. Eles são todos iguais.

Enquanto isto, a extrema esquerda pratica uma oposição permanente ao governo socialista, por vezes, confundem inimigo político com adversário político reproduzindo praticamente o mesmo discurso da direita. Em vez de fazer criticas construtiva e elaborar propostas que possam oferecer alternativas viáveis para tirar a França da crise econômica e propor outra política de desenvolvimento, eles contribuem para aumentar a divisão no campo da esquerda e sua própria fragilidade no confronto com a direita. Eles não se apresentam como alternativa credível. A perda de muitas municipalidades nas ultimas eleições demonstrou que quando a esquerda não busca elaborar estratégias políticas baseada em algumas convergências que assegure um programa de governabilidade, a direita sai sempre vitoriosa.

Além disso, falta também uma estratégia política para frear o avanço da extrema direita na conquista do eleitorado popular. Pelo menos conjuntamente eles deveriam se questionar porque o discurso da extrema direita ganha legitimidade junto aos meios de comunicação e junto ao eleitorado operário antes a maioria militante do partido comunista francês.  Num momento que a extrema direita avança na conquista do poder os partidos de esquerda se dividem quanto à estratégia política para pressionar o governo socialista a corrigir sua guinada ideológica à direita sabendo que muitos militantes socialistas segundo pesquisas desaprovam a posição atual do governo.

Nas ultimas décadas a política francesa prima pela racionalidade, seus governos de direita e da social democracia vão aos poucos destruindo o modelo social francês. Lhes falta uma concepção no modo de fazer política, do qual se supõe que todo projeto político dentro de uma sociedade complexa visa a buscar soluções capazes de ordenar de modo mais justo a vida social.

Mesmo sabendo que a política é feita de interesses contraditórios, para um homem de esquerda, o poder teria que ser idealmente justo na busca do bem comum. Porém, o interesse geral, na terra de Jaurés onde os direitos humanos foram proclamados vai sendo aos poucos substituído pelo interesse do grande capital.

Restam três anos ao Presidente François Hollande para reconquistar seu eleitorado e pensar o porquê de sua impopularidade tanto à direita como junto à esquerda, caso contrario, ele enterra por completo o ideal socialista defendido por Jaurés. Nesse ano de aniversario da morte de Jean Jaurés vale à pena lembrar uma de suas frases: A coragem é ir ao ideal e entender a realidade.

Marilza de Melo Foucher é doutora em Economia, jornalista e correspondente do Correio do Brasil em Paris.

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