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Carlos Carvalho

Doutor em Linguística Aplicada e professor na Universidade Estadual do Ceará - UECE.

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Aqueles que queimam livros

A cada novo dia somos tomados de indignação e espanto diante do caos que se alastra por aqui, transformando o Brasil em um arremedo de nação, numa Sucupira, uma Bruzundanga fascistóide

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Quando a pandemia nos empurrou para o isolamento, passamos a ouvir de forma recorrente a pergunta: “ao término da pandemia, sairemos pessoas melhores ou piores?”. Chegados aos sete meses de pandemia, com um milhão de mortos no mundo todo, sendo quase 150 mil somente no Brasil, percebe-se que, se havia alguma dúvida de como sairíamos da quarentena, a resposta já nos parece bastante óbvia, com a normalização do absurdo, a saber, praias cheias, shoppings e bares lotados, ruas e praças movimentadas. E assim, em nome do grande deus mercado, fomos apresentados ao “novo normal”, pois a economia não pode parar. Se morreu, morreu porque que tinha que morrer, diriam alguns cidadãos e cidadãs de bem. 

Os que defendem coisas desse tipo são, na maioria das vezes, pessoas que também costumam bradar dizeres em defesa da família tradicional brasileira, professar alguma fé e responder com a palavra “gratidão” a cada mensagem que recebem. Algumas vezes, protagonizam cenas que fariam corar de horror, vergonha e repulsa até um frade de pedra, estejam tais pessoas em carros conversíveis, ruas ermas ou restaurantes bregas e caros. O cavalo-de-pau (ou seria aquele grande acordo nacional?) que deram no Brasil, colocou-o “Titanic” de cara para um abismo que, mais cedo ou mais tarde, o engolirá. O que se vê, no entanto, não é nada mais nada menos que o resultado de trezentos anos de escravização, criminalização dos menos favorecidos socialmente e do projeto de destruição da educação brasileira.

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Assim, a cada novo dia somos tomados de indignação e espanto diante do caos que se alastra por aqui, transformando o Brasil em um arremedo de nação, numa Sucupira, uma Bruzundanga fascistóide. Das inúmeras bizarrices da semana, nos chamou a atenção o vídeo que mostra dois idosos queimando os livros do escritor Paulo Coelho na churrasqueira de casa. Ao ser questionada pela pessoa que filma acerca da razão do ato, a velha senhora diz que ele, Paulo Coelho, teria pedido “pra não comprarem os produtos do Brasil, lá fora falando mal do Brasil. Agora eu estou aqui queimando os livros dele, miserável”, disse. E, parafraseando Darcy Ribeiro, nos perguntamos: como o Brasil deu no que deu?

 Inaceitável, por seu caráter bárbaro, a atitude dos idosos é pra lá de criminosa em um país carente de livros e leitores, sendo, além disso, perigosa. Na história da humanidade, já vimos livros serem queimados, e sabemos exatamente no que deu. O ato hediondo protagonizado pelo casal de velhos nos remete à narrativa Fahrenheit 451, romance distópico de Ray Bradbury (1920-2012), lançado no ano de 1953, cujo cenário é um tempo futuro no qual não se admite que as pessoas tenham suas próprias opiniões as quais, para o Estado, são hedonistas e antissociais. Nada de “Defund Lukashenko”, por exemplo. Pensamento crítico? De jeito nenhum. Logo, nada de livros. Se encontrados, arderão no fogo.

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A incivilidade do ato protagonizado pelo casal de idosos nos lembra George Steiner (1929-2020) quando na obra Aqueles que queimam livros (2017), traduzida por Pedro Fonseca e publicada no Brasil pela editora Âyiné, diz: “aqueles que queimam livros, que banem e matam poetas, sabem exatamente o que fazem. Seu poder (do livro) é incalculável. Precisamente porque o mesmo livro e a mesma página podem ter efeitos totalmente díspares sobre diferentes leitores. Podem exaltar ou aviltar; seduzir ou enojar; estimular à virtude ou à barbárie; acentuar a sensibilidade ou banaliza-la”, pois os livros, continua Steiner, “são a chave de acesso para nos tornarmos melhores”. Assim sendo, é preciso que a sociedade esteja atenta, pois aqueles que queimam livros hoje são capazes de queimar gente amanhã. 

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