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William Robson Cordeiro

Jornalista, músico e Professor. Doutor em Jornalismo pela UFSC e mestre em Estudos da Mídia (UFRN)

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As fantasias digitais e a mentira como refúgio

No mundo das fantasias digitais onde não precisa ser para ser, o ódio se materializa verdadeiramente e se expõe de forma mais fácil por trás de um computador ou smartphone. Todo mundo é capaz de resolver problemas complexos (Bolsonaro foi porta-voz de destaque neste quesito), discutir teorias, refutar teses

As fantasias digitais e a mentira como refúgio
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Neste país que mostrou-se movido à Whatsapp, lembrei de um autor que estudei durante o mestrado em Estudos da Mídia da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), em Natal, em 2010. O nome dele é Douglas Kellner, que sugeria em seu livro “A Cultura da Mídia”, a aplicação de uma disciplina para estudantes de variados níveis, intitulada “Pedagogia Crítica da Mídia”. Era uma primeira reação à contra-hegemonia da informação dos meios tradicionais.

Porém, hoje percebemos que a necessidade de uma matéria assim se ampliou ao considerar a não somente as manipulações, mas para se proteger das tais fake news e das consequências que estamos vivendo.

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Uma disciplina como esta, aliada ao jornalismo popular e emancipador, é cada vez mais necessária neste Brasil que senta à mesa com o fascismo e para seus leitores “bem informados” por duas linhas falsas de Twitter, Whatsapp, de memes nonsenses e coisas do tipo. 

A negação do conhecimento midiático básico também foi contribuinte na gestação do Bolsonaro, personificação da anti-civilização, do passado escravista e da relativização do absurdo. Neste universo, nem o estapafúrdio não é capaz de chocar.

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Tal fenômeno contaminou fortemente as mentes dos que não foram preparados para reagir ao turbilhão de falsas informações empacotadas com a estrutura crível do jornalismo histórico. Como vimos nas urnas, é uma parcela importante da sociedade, uma explícita demonstração de insanidade e surrealismo. Ao mesmo tempo, foi um campo estratégico do qual muitos não acreditavam que pudesse ser visto e utilizado a ponto de resultar no que estamos vendo aí.

Na real, estamos imersos em um simulacro na sociedade da pós-verdade, onde não se precisa ser para ser; o mundo do Whatsapp, das estratégias que recorrem à fake news (como retratada na investigação de Patrícia Campos Melo publicada pelo jornal Folha de São Paulo, depois levada por tsunami semelhante de ataques à jornalista e ao jornal), das eleições que ganharam nuances realisticamente criadas nas redes, à margem da razão, onde pessoas tomadas pelo delírio se viram em um universo particular e artificial. 

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Claro que tudo isso não surgiu do nada. É resultado de uma construção sistemática do devaneio, do contexto paralelo e ideal, aparentemente mais sedutor. E neste ambiente meio matrix, parece que todo mundo é. De juiz a jornalista, de acusador a inquisidor, de especialista a doutor. Tudo isso. Sem precisar ser. Na narrativa das aparências falsas, das fantasias digitais, das autoridades vazias e das mentiras como refúgio. E, assim, a sociedade foi forjada nos últimos tempos, como especialista de generalidades, sem especialização.

Na sociedade da pós-verdade, não é a verdade que prevalece. O que chama a atenção é o scrolling das redes sociais, a narrativa da plena felicidade, uma espécie de paraíso divino se faz concreto e habita entre nós.

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Quando estive realizando parte de minha pesquisa de doutorado em Barcelona, na Espanha, visitei a redação do jornal La Vanguardia e lá vi um texto do Màrius Carol, diretor do jornal, que falava que a mentira se tornou um prestígio, mas que revelam temores. As mentiras externadas nas redes sociais, com verniz de pós-verdade (afinal, a foto está ali, a viagem está ocorrendo, o jantar servido está exposto...), são as lógicas de uma vida motivada pelas fantasias digitais, totalmente alheias ao real da vida cotidiana.

Por isso, há outra perversão na pós-verdade: oferecer um mundo inexistente do qual ninguém se identifica, mas paradoxamente, se sente parte.

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O mesmo Carol disse que a pós-verdade não é interessante. As mensagens são interessadas. A mentira é sedutora. Há um propósito de manipular as nossas vidas a partir da mensagem do outro. Mas, quem estaria manipulando quem no final das contas, neste universo paralelo de inconsciência?

A pós-verdade também transformou o que conhecíamos por boatos e mentiras deslavadas do passado em fake news. Se apropriou da legitimidade do jornalismo (não estou falando de mídia tradicional que faz uso do jornalismo e sim do conceito) para oferecer informação inverídica e manipulatória ao gosto do freguês. E  voltando à tal da narrativa, a pós-verdade vai criando  com isso realidades abstratamente diversas.

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No mundo das fantasias digitais onde não precisa ser para ser, o ódio se materializa verdadeiramente e se expõe de forma mais fácil por trás de um computador ou smartphone. Todo mundo tem a sentença para a prisão de um ladrão na ponta da língua, para um casal que se separa, para um desempregado, para um pedinte.

Todo mundo é capaz de resolver problemas complexos (Bolsonaro foi porta-voz de destaque neste quesito), discutir teorias, refutar teses. Todo mundo é bem sucedido, fez a melhor viagem, tem o melhor vício, o segredo da longevidade, o manual da moral e a melhor maneira de aproveitar a vida.

Como não precisa ser para ser, todo mundo é delegado, promotor e juiz. Todo mundo tem as soluções para a economia. Todos sabem governar a sociedade. Tem soluções para tudo, menos para as próprias vidas. Estes são os elementos da pós-verdade.

Não se admire. O escritor Anatole France disse que "sem mentiras, a humanidade morreria de desespero e aborrecimento". Será que tudo isso faz algum sentido? Fica a reflexão.

Afinal, e voltando ao Carol, nesta era de mentiras, das falsas aparências ou pós-verdade, perdemos a capacidade de reconhecer qual seria o caminho verdadeiro. E condicionando a nossa vida ao que aparece numa tela de celular, não dá para distinguir, ao certo, o que é narrativa interessante ou o que é narrativa interessada.

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