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Leopoldo Vieira

Marketeiro em ano eleitoral e técnico de futebol em ano de Copa do Mundo

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"Autarquização" dos partidos e democracia de massas

Acredito que o fim do financiamento empresarial contribui para amenizar esta autarquização em seu sentido mais danoso: a alienação dos partidos políticos

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Em maio deste ano, Aldo Fornazieri escreveu o artigo "Estatização e autarquização dos Partidos" (aqui). O centro de sua tese é que "A recente triplicação do valor do Fundo Partidário, que passou de R$ 294 milhões para R$ 867 milhões, representa um passo a mais na estatização e na autarquização dos partidos políticos brasileiros". Assim, "os partidos dependem cada vez menos dos eleitores e de vínculos com grupos e movimentos sociais. Tornam-se cada vez mais autônomos" e "isto, em parte, explica a crise de representação política".

Aldo descreve uma verdadeira máquina destas "autarquias": "programas gratuitos de rádio e TV nas campanhas eleitoras (pago com recursos públicos); verbas para os gabinetes parlamentares; cargos de livre provimento em organismos da União, Estados e Municípios; recursos para institutos e "ONGs" partidárias; contratação de empresas e consultorias ligadas a partidos políticos etc".
Contudo, ressalta ele, "por onde quer que se olhe, os partidos continuam no comando apesar das crises econômicas e sociais, das guerras, do crescimento das desigualdades, do fracasso das políticas públicas e da incapacidade dos governos apresentarem soluções minimamente razoáveis para os problemas existentes" e que "Em contrapartida, verificou-se, nos últimos tempos, o fracasso dos movimentos autonomistas, das organizações em rede e similares", todavia [os partidos] dependem cada vez menos da mobilização de militantes e de grupos sociais".

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Além do mais, prossegue, "a própria sociedade civil está se tornando cada vez mais complexa. As pessoas se agregam em inúmeros movimentos, organizações, grupos e entidades que também passaram a exercer papéis de representação e de reivindicações que extrapolam apenas os interesses salariais. Esses entes se mostram mais flexíveis e permeáveis e menos burocráticos do que os partidos e, consequentemente, exercem mais atratividade sobre os jovens e outras pessoas que buscam algum tipo de participação. O acesso que eles têm a autoridades políticas é às casas legislativas tornam os partidos prescindíveis como elementos de mediação e ligação e transformam a democracia numa espécie de democracia de audiências. Assim, a autarquização dos partidos requer apenas identidades fracas entre o partido e os militantes e o partido e seus eleitores".

Por fim, "o enfraquecimento da necessidade de mobilização da sociedade e da militância para vencer eleições, constituem um conjunto de elementos que enfraquecem também a necessidade de líderes políticos fortes", que, supostamente, "cedem lugar a políticos de baixo perfil de liderança, a políticos que mascaram suas identidades com a fisionomia de gestores, mas que, quase sempre, são carreiristas, oportunistas e corruptos".

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A solução que Aldo aponta é: "Será a sociedade civil, cada vez mais complexa e plural, que poderá fazer surgir novas estruturas de representação. Só faz sentido apostar na criação dessas estruturas se elas significarem desconcentração de poder e ganhos em termos de participação e decisão democráticas".

Há duas semanas, o Supremo Tribunal Federal julgou inconstitucional a doação empresarial para campanhas eleitorais. Até que haja lei regulamentando a decisão, a única fonte de financiamento partidário e de candidaturas será o Fundo Partidário e contribuições individuais, o que, em tese, reforça a estatização dos partidos, conforme avaliou Aldo.

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Discordo, pois acredito que o fim do financiamento empresarial contribui para amenizar esta autarquização em seu sentido mais danoso: a alienação dos partidos políticos, que deveriam representar projetos coletivos, ideologias e programas concretos coerentes com suas bases sociais e pensamento, pelo constrangimento imposto pelos interesses do poder econômico. Mas, isso, por si, não resolve a outra dimensão da crise de representação política citada por ele e que é a mais grave para a manutenção da democracia como um valor universal de nosso tempo. É desta crise que advém os namoros de setores da sociedade com alternativas intolerantes, autoritárias e tecnocráticas, seja a ideia de "intervenção constitucional militar" proclamada pelas marchas pró-Impeachment, o baixo nível de popularidade dos grandes partidos brasileiros, todos na casa dos 10% para menos; ou as propostas que enxergam na técnica soluções para impasses políticos, ou, ainda mais dramático, aquelas que defendem órgãos para normatizar a gestão política da economia ou mesmo a condução política da gestão pública.

A decisão do STF põe um ponto final na polêmica de fundo que marcou a ópera bufa de Eduardo Cunha em realizar uma reforma política na Câmara, opondo claramente a radicalização do personalismo não-identificado com partidos, imbricado com uma hiperinfluência do poder econômico e com desmobilização democrática (voto facultativo) com as mais ditas republicanas, que previam o fortalecimento dos partidos, com voto em lista distrital misto e financiamento público e militante.

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Agora, então é necessária criatividade para propor as reformas consequentes a esta decisão tomada pelo STF.

A estatização ou autarquização partidária como Aldo descreve não é exatamente um problema. A desconcentração de poder, por meio da sociedade civil cada vez mais difusa que ele enxerga, esconde o risco da pulverização da política, numa visão de "público" que secundariza o papel do Estado como expressão da democracia. O caminho que se deve buscar é de uma democracia liberal altermundialista ou uma democracia de massas e popular?Esta nova interpretação da Constituição pela suprema corte nos obriga a escolher, tacitamente, um dos caminhos, se o objetivo for avançar e não manter uma geléia geral como sistema político-eleitoral.

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Para caminhar no sentido que enxerga as políticas e serviços públicos como questões intrinsecamente vinculadas à soberania popular democrática e aos objetivos constitucionais - o projeto político da CF de 88 e, ao mesmo tempo, o verdadeiro planejamento de longo prazo do Brasil - precisamos complementar esta "máquina autárquica" potente e influente na condução do Estado que, segundo Aldo, são os partidos mais fortes atualmente com um sistema de lhes dê profunda legitimidade não apenas no exato momento do voto, assim como transformar o Estado hodierno para dar-lhe fluxo de massas participativo permanente por dentro dos instrumentos de gestão pública e nas expressões das escolhas estratégicas de governo.

Neste caso, advogo há tempos a necessária convergência do ciclo das conferências nacionais, que foram, em temas e quantidade, proliferadas nos últimos 13 anos, com o ciclo do panejamento público (PPA, LDO e LOA), assim como a participação dos conselhos de direitos e políticas públicas, nos três níveis de governo, das definições das diretrizes orçamentárias e do orçamento anual. Isso forja este processo permanente e de massas aos organismos ativos da sociedade civil, em cooperação estratégica com os governos e o próprio Estado.

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Para a legitimidade das "autarquias", há um bom exemplo que vem da Argentina: as P.A.S.O. (Primárias Abertas Simultâneas Obrigatórias). Nelas, os cidadãos e cidadãs com maioridade eleitoral, independentemente de filiação partidária, são chamados obrigatoriamente a participar e votar, ao mesmo tempo, impedindo, portanto, a manipulação de bases eleitorais de modo a prejudicar os adversários, nas escolhas dos candidatos, listas eleitorais e programas dos partidos para os pleitos municipais, provinciais (estaduais) e nacional, seja para o Poder Executivo ou Legislativo. É como se as prévias fossem um direito pétreo dos postulantes a cargos públicos.

Isso faz com que não apenas o calendário eleitoral se antecipe, mas envolve o conjunto da população, sejam "pessoas comuns", sejam lideranças sociais, na discussão das propostas políticas desde o início. Uma alternativa que, ao invés de aprofundar o divórcio partido-sociedade, converte todas as agremiações e agrupamentos em partidos-movimento, inclusive fortalecendo o poder gravitacional dos que são mais densamente portadores de ideologias e projeto coletivo, além de tradição na história nacional, e obriga as direções políticas a estarem sempre em acordo com suas bases sociais e eleitorais. Sem falar nos benefícios de contribuir com uma militância mais ampla, ativa e permanente, pelo atrativo que torna a política "profissional".

Com estas duas "reformas" - a da permeabilidade orgânica da gestão pública à participação social e à permeabilidade também orgânica da autarquização partidária para a cidadania ativa - podemos caminhar para um projeto constitucional que prevê o bem-estar social como horizonte, com a construção social e militante deste futuro no País.

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