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Marcelo Gruman

Doutor em Antropologia Social (MN/UFRJ); especialista em Gestão de Políticas Públicas de Cultura (UnB); atualmente é administrador cultural da Funarte/MinC

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Bananas

Sonho: uma sociedade não racial. Afinal, consciência não tem cor. Incomodam-me tanto camisetas com os dizeres "100% negro" quanto aquelas que dissessem (ainda não as vi) "100% branco", porque somos simplesmente 100% humanos

Sonho: uma sociedade não racial. Afinal, consciência não tem cor. Incomodam-me tanto camisetas com os dizeres "100% negro" quanto aquelas que dissessem (ainda não as vi) "100% branco", porque somos simplesmente 100% humanos (Foto: Marcelo Gruman)
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No ano passado, durante partida entre Barcelona e Villareal válida pelo campeonato espanhol de futebol, o lateral direito da equipe catalã, o brasileiro Daniel Alves, ao encaminhar-se para bater um escanteio, foi alvejado com uma banana. Não se sabe qual a variedade da popular iguaria, se prata, d'água, da terra, se mais azeda (minha preferida) ou doce. Fato é que o brasileiro não se fez de rogado e, possivelmente com fome e necessitando de potássio pelo desgaste físico inevitável que envolve uma partida de futebol, descascou a fruta e a comeu.

A mensagem do torcedor era clara: quem gosta de banana é macaco, por isso, senhor macaco, faça bom proveito desta aqui que lhe ofereço. Seguindo-se com o raciocínio, conclui-se que o brasileiro, por ser macaco, é inferior ao torcedor, humano. Ou, ainda que humano, é um humano inferior, mais próximo dos símios. Pronto: a humanidade dividida em raças. Manifestações racistas (e racialistas, acrescento) são figurinha fácil de encontrar nos campos de futebol da Europa, seja através da modalidade lançamento de fruta, seja através de urros que imitam sons de macacos tendo como alvo jogadores de pele escura.

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Sobre a relação entre indivíduos de pele escura e macacos, lembro-me de Gilberto Freyre que, em Casa Grande e Senzala, dá um tapa na cara dos racistas (e racialistas, acrescento eu novamente) quando afirma:

"Nem merece contradita séria a superstição de ser o negro, pelos seus caraterísticos somáticos, o tipo de raça mais próximo da incerta forma ancestral do homem cuja anatomia se supõe semelhante à do chimpanzé. Superstição em que se baseia muito do julgamento desfavorável que se faz da capacidade mental do negro. Mas os lábios dos macacos são finos como na raça branca e não como na preta - lembra a propósito o Professor (Franz) Boas. Entre as raças humanas são os europeus e os australianos os mais peludos de corpo e não os negros. De modo que a aproximação quase se reduziria às ventas mais chatas e escancaradas no negro do que no branco".

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Estas sábias palavras, escritas há oitenta anos, parecem não ter entrado nos crânios enormes de "autênticos idiotas", na expressão do próprio Freyre. Dias atrás, ao fazer uma entrega num restaurante do bairro da Tijuca, zona norte do Rio de Janeiro, o motorista de uma empresa de bebidas, juntamente com outros dois entregadores, todos eles negros, recebeu uma banana do gerente do estabelecimento comercial. Segundo nota publicada no jornal O Globo do dia 23 de novembro, "o gesto poderia ser encarado como uma gentileza se o gerente não tivesse dito 'numa homenagem ao dia de hoje, uma banana para cada um porque vocês são tudo (sic) da mesma raça'". O dia a que o gerente se refere é o Dia da Consciência Negra, comemorado na cidade do Rio de Janeiro e em várias outras cidades brasileiras em 22 de novembro. O motorista e os dois colegas foram à delegacia prestar queixa contra o gerente, denunciando-o por racismo.

É claro que atitudes racistas devem ser punidas com toda a severidade prevista pela legislação e, mais ainda, ridicularizadas pela sociedade de modo a constranger o agressor numa tentativa de fazê-lo tomar consciência de que julgar indivíduos com base na cor da pele é, não só crime, mas moralmente injustificável e cientificamente indefensável.

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O mais saudável seria abandonar o conceito de raça como categoria de classificação da humanidade. Hoje já se sabe que indivíduos de tonalidades de pele diametralmente opostas (como medir?) compartilham mais genes do que indivíduos de tonalidades de pele iguais ou semelhantes (cadê a régua de cores?). Ademais, quando se fala de raça a associação com cultura é imediata, e não podemos reduzir a diversidade de manifestações culturais a características físicas. O que é teatro negro? O que é teatro branco? O que é música negra? O que é música branca? Um branco pode ser mestre capoeira? Passista de escola de samba? Um negro pode tocar violino?

Sonho: uma sociedade não racial. Afinal, consciência não tem cor. Incomodam-me tanto camisetas com os dizeres "100% negro" quanto aquelas que dissessem (ainda não as vi) "100% branco", porque somos simplesmente 100% humanos. A cor é um detalhe de pigmentação, em nada depondo contra ou a favor de quem a carrega tatuada na pele. Quem pensava assim eram os racistas que a associavam com criminalidade, estupro, inteligência.

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Combater o racismo é combater a raça enquanto meio de interpretar a diversidade social, cultural e biológica da humanidade. Saber onde a pigmentação de minha pele está no espectro de possibilidades da régua racial dos tribunais raciais pós-modernos (dá-lhe UnB!) tem tanta importância quanto saber o prato favorito de Gisele Bündchen.

Vamos todos dar uma banana para a raça!
Postado por Marcelo Gruman às 04:58

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