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BRICs mudaram o calendário

A reunião de Fortaleza, na medida em que aprovou ações concretas e decisivas desse novo e poderoso bloco, deve ser considerada, com toda justiça, como um marco histórico nas relações internacionais

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Quando o economista do Goldman Sachs, Jim O´Neill, cunhou, em 2001, o acrônimo BRIC, referindo-se aos megapaíses emergentes Brasil, Rússia, Índia e China, o termo não passava de uma expressão vazia, um mero exercício intelectual que pretendia denotar a crescente importância desses países para os investidores das nações mais desenvolvidas e seu potencial de gerar bons negócios para as firmas das grandes nações industrializadas. Os BRICs eram apenas uma nova fronteira de investimentos que se abria, no quadro de uma geoeconomia rigorosamente dominada pelos mesmos players de sempre.

Mal sabia ele que, 13 anos depois, em Fortaleza, os BRICs, agora transformados em BRICS, com a adição da África do Sul, já seriam um importantíssimo e atuante bloco, que vem transformando a velha geoeconomia mundial.

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Com efeito, na recente cúpula realizada na capital do Ceará, os BRICS fizeram algo que era impensável há uma década. Eles criaram seu próprio banco de investimentos, o Banco dos BRICS, e seu próprio Arranjo de Contingente de Reservas para ajudar países em dificuldades.  

Esses dois arranjos financeiros não surgiram por acaso ou por mera afirmação de status econômico. Eles sugiram de uma necessidade: as velhas instituições multilaterais surgidas no longínquo ano de 1944, em Bretton Woods, o FMI e o Banco Mundial, já não conseguem lidar com os desafios postos pela nova geoeconomia mundial.

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Trata-se de instituições esclerosadas, cuja governança não incorpora os interesses e os anseios dos novos atores globais. Elas continuam nas velhas mãos das antigas potências, agora fortemente atingidas pela crise mundial. A tentativa de abrir mais espaço para os países emergentes nessas instituições multilaterais esbarrou no Congresso dos EUA, o qual não aprovou a modificação nas cotas e no sistema de votação do FMI e do Banco Mundial. Os EUA e a Europa continuam a ser seus mandantes privilegiados.

É uma situação absurda. Afinal, os BRICS têm 42% da população mundial e 26% do território do planeta. São responsáveis por 20% da economia mundial e 15% do comércio internacional. Não bastasse, eles detêm 75% das reservas monetárias internacionais. Além disso, os BRICS foram responsáveis por 36% do crescimento da economia mundial, na primeira década deste século. Com a recessão nos países mais desenvolvidos, esse número pulou para cerca de 50%, mesmo com a desaceleração recente do crescimento desse bloco.

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Em outras palavras, a importância dos BRICS não é só avassaladora, como vem crescendo ano a ano.

Esses países precisam de novas fontes de financiamento para criar a infraestrutura que vai sustentar seu desenvolvimento. As velhas instituições não atendem mais a essa e outras necessidades. E elas não atendem não somente por insuficiência de recursos e porque são dominadas pelas potências tradicionais, mas também pela forma como operam. São instituições dominadas por ideias obsoletas.

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No caso do FMI, isso é evidente. Esse fundo sempre funcionou para a implantação de políticas pro-cíclicas em países em dificuldades. Políticas que agravam as recessões e impõem um fardo pesadíssimo às populações dos países “beneficiários”. Nossa população e a população da América do Sul de um modo geral sabem bem disso. A da Grécia também.

Em contraste, o Arranjo de Contingência criado pelos BRICS para socorrer nações em dificuldades financeiras não deverá impor políticas suicidas e contraproducentes para levar efetivo alívio a países em crise. A Argentina, ameaçada pelos “fundos abutres” e pela decisão monocrática de um juiz norte-americano que coloca em xeque a sua soberania, poderá ser o primeiro beneficiário dessa nova alternativa ao velho FMI.

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Com essas iniciativas reveladas em Fortaleza, os BRICS assumiram um protagonismo à altura do seu peso e influência na nova geoeconomia mundial. Mais: eles contribuíram para deitar as bases para a construção de uma ordem econômica mais solidária e mais aberta aos interesses, normalmente negligenciados, dos países em desenvolvimento. Uma ordem econômica mais voltada ao combate às assimetrias entre os países e à inclusão social. Uma ordem econômica mais dedicada à redução da pobreza e mais consentânea com os novos Objetivos do Milênio da ONU.

Na reunião de Fortaleza, a aproximação dos BRICS à Unasul, promovida pelo Brasil, também denotou a preocupação do BRICS com a promoção da prosperidade dos demais países em desenvolvimento.

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Enganam-se, contudo, aqueles que consideram os BRICS somente uma associação de caráter econômico. Na realidade, com a nova geoeconomia, na qual os BRICS são grandes atores em ascensão, cria-se também, inexoravelmente, uma nova geopolítica e uma nova geoestratégia.

Portanto, é inevitável que os BRICS assumam, cada vez mais, uma atitude propositiva no cenário mundial, inclusive no que tange às questões relativas à segurança e à paz internacional.

A este respeito, alguns analistas conservadores gostam de assinalar que os BRICS incluem países muito diversos, que têm dificuldades em identificar interesses comuns, principalmente em áreas sensíveis e estratégicas.

De fato, há ampla diversidade nos BRICS. Diversidade geográfica, econômica, social e cultural. Nesse bloco, há países da Ásia, da América Latina, da África e da Europa. Há economias importadoras de commodities e exportadoras de commodities. E não só há diferentes culturas nos BRICS, mas também distintas civilizações. China e Índia têm civilizações próprias e milenares. Brasil, África do Sul e Rússia são, até certo ponto, caudatários da civilização ocidental, com nuances culturais muito significativas e específicas.

Porém, tal diversidade não está impedindo que os BRICS venham assumindo, em período recente, um papel propositivo e uma voz alternativa ao discurso dominante das velhas potências, em várias questões globais e regionais.

Isso ficou muito claro após a reunião de cúpula dos BRICS na África do Sul, em 2013. Com efeito, a Declaração de E-Thekwini, dela emanada, abordou temas sensíveis e importantes da geopolítica mundial, tais como Síria, Palestina, o processo de paz no Oriente Médio, Irã e seu programa nuclear, Afeganistão, terrorismo, segurança cibernética, a situação na República Democrática do Congo, etc. Em todos esses complexos tópicos, já há uma notável convergência de posições, que tende a se aprofundar ainda mais.

Mais recentemente, a crise na Ucrânia, que afeta diretamente a segurança da Rússia, estimulou maior aproximação desse país com a China, o que tende a isolar e enfraquecer as ações dos EUA e da Europa na Eurásia. Tal aproximação, embora não envolvesse todos os BRICS, é uma demonstração evidente da disposição de alguns de seus membros de se antepor diretamente, quando necessário, às pretensões hegemônicas das velhas potências.  

Mas a voz alternativa dos BRICS é ainda mais consistente e relevante em dois temas cruciais para o mundo e para a constituição de uma nova ordem mundial mais simétrica e multipolar: a preservação do sistema de segurança coletiva da ONU, frequentemente enfraquecido por ações unilaterais, e o fortalecimento do multilateralismo assentado no direito internacional público.

Os BRICS defendem a exclusiva legitimidade da ONU na promoção de intervenções que visem à manutenção paz e da segurança internacionais. Os países que o compõem apoiam os princípios da Responsabilidade de Proteger, emanado, em 2005, da Assembleia Geral das Nações Unidas, mas defendem que qualquer ação feita com base nesse princípio deva ter um claro mandato do Conselho de Segurança da ONU.

Essas posições políticas crescentemente convergentes dos BRICS são importantes não apenas pela relevância desses países no cenário mundial, mas justamente por sua ampla diversidade. Com efeito, a diversidade dos BRICS, é, nesse sentido, uma óbvia vantagem, pois ela, juntamente com a importância dos seus países, dá grande legitimidade às suas declarações e ações.

Quando os BRICS falam, falam três bilhões de pessoas, falam quatro continentes, fala o novo polo dinâmico da economia mundial e falam também três grandes civilizações do planeta e suas distintas variantes culturais. Por conseguinte, trata-se de uma voz que tem muito mais legitimidade que o ruído das bombas das ações unilaterais realizadas sem a anuência do Conselho de Segurança da ONU.

Os BRICS, além de indutores do desenvolvimento, são, por conseguinte, uma nova e poderosa voz numa velha ordem mundial unipolar, que vem perdendo, dia após dia, legitimidade e capacidade de mediar conflitos e promover a paz e a segurança.

Essa velha ordem mundial está assentada no aprofundamento das assimetrias e na força militar da grande superpotência, que, em conjunto, geram insegurança e o agravamento dos conflitos. Sua célere obsolescência advém precisamente dessa característica combinada da ilegitimidade no uso da força com a incompetência na mediação e solução dos conflitos.

Quando essa ordem unipolar surgiu, após o fim da Guerra Fria, alguns, como Francis Fukuyama, vaticinaram o fim da história, e outros vislumbraram a possibilidade da realização do velho sonho kantiano da paz perpétua. Contudo, passadas duas décadas, o que vê pelo mundo não é um sonho de Kant, mas um pesadelo de Clausewitz, tal a violência e o número dos conflitos sem mediação e solução.

Trata-se, assim, de uma ordem mundial inteiramente obsoleta e anacrônica, que necessita de reformas urgentes em todos os níveis: econômico, financeiro, político e institucional. Não obstante, os grandes beneficiários dessa ordem resistem à sua mudança e se aferram ao velho poder, que decresce com as mudanças que ocorrem na economia mundial.

Nesse contexto, os BRICS podem e devem ter voz ativa e papel propositivo na construção de uma nova ordem mundial mais justa, democrática, simétrica, inclusiva e multipolar. E o Brasil, país que se destaca entre os BRICS por seu soft power e pelo êxito na redução de suas desigualdades, pode contribuir muito com esse objetivo maior.

Assim sendo, a reunião de Fortaleza, na medida em que aprovou ações concretas e decisivas desse novo e poderoso bloco, deve ser considerada, com toda justiça, como um marco histórico nas relações internacionais.

Órgãos da imprensa mundial assim a reconheceram. Pena que a nossa mídia tenha decidido tratá-la com certa indiferença, tendo sido até levianamente sugerido, por alguns velhos “formadores de opinião”, que o objetivo da cúpula era dar palanque à presidenta.

Nossa mídia, ou parte dela, demonstra, desse modo, que pode ser bem mais anacrônica que a obsoleta ordem mundial. Merece até um novo acrônimo: VIL (Velha Imprensa Leviana).

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