CONTINUA APÓS O ANÚNCIO
Igor Corrêa Pereira avatar

Igor Corrêa Pereira

Igor Corrêa Pereira é técnico em assuntos educacionais e mestrando em educação pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Membro da direção estadual da CTB do Rio Grande do Sul.

60 artigos

blog

Camaradas do mundo, uni-vos!

Sobreviver não é um ato político. Com essa afirmação provocativa, Jodi Dean apresenta seu novo livro "Camarada: um ensaio sobre o pertencimento político" que foi lançado no Brasil pela editora Boitempo. A autora é uma intelectual marxista ainda pouco conhecida entre nós.

Manifestação do 13 de maio na Avenida Paulista (Foto: Mídia Ninja)
CONTINUA APÓS O ANÚNCIO

✅ Receba as notícias do Brasil 247 e da TV 247 no canal do Brasil 247 e na comunidade 247 no WhatsApp.

Sobreviver não é um ato político. Com essa afirmação provocativa, Jodi Dean apresenta seu novo livro "Camarada: um ensaio sobre o pertencimento político" que foi lançado no Brasil pela editora Boitempo. A autora é uma intelectual marxista ainda pouco conhecida entre nós. A professora de teoria política em Nova York escreve livros que tratam de questões como solidariedade, possibilidades para a democracia, capitalismo comunicativo. Em especial, a autora  se lança a tarefa ousada de contribuir para a construção de uma política que aponte para o comunismo no século XXI. 

Quando ela afirma que a sobrevivência não é um ato político, se refere ao cenário de ruínas e precariedade social produzido pelas décadas de hegemonia do neoliberalismo no mundo, e em particular no Ocidente. Nessa conjuntura, que expressa também as consequências da derrocada da experiência socialista soviética e toda uma crise de paradigmas para a esquerda, prevaleceu uma profunda vitória do individualismo como valor. E nesse contexto, a sobrevivência passou a ser encarada como ato político. Ela desmonta essa ilusão. 

CONTINUA APÓS O ANÚNCIO

A romantização da sobrevivência, que aparece na exaltação de pessoas que vencem cotidianamente dificuldades impostas pela precarização dos direitos, desemprego, violência de gênero e racial, leva a ideia de que simplesmente sobreviver a essas agressões seria em si um ato político. Uma imagem que pode resumir essa ideia é a foto de uma mulher em uma bicicleta, carregando nas costas a mochila de um aplicativo de entrega de alimento, e nos braços uma criança. Essa visão de extrema precarização, de uma mulher que se divide entre o trabalho de cuidado de uma criança e o trabalho pelo qual é muito mal remunerada e não recebe qualquer garantia, chegou a ser veiculada em redes sociais como exemplo de superação. Legendas que aludiam a força, a determinação dessa mulher, sugeria que sua resistência seria um fato inspirador. Seria até mesmo um ato político. 

Jodi Dean rejeita essa ideia com força. A sobrevivência tem se tornado cada vez mais difícil na concorrência acirrada por poucas oportunidades em meio ao neoliberalismo. Mas simplesmente sobreviver não é política. A política é conseguir colocar uma proposta de sobreviver em melhores condições. Política é se encontrar com a sociedade e ser capaz de disputar nela um espaço social. Lutar por justiça social. Talvez seja muito difícil conseguir imaginar essas melhorias em um contexto onde tantos trabalhadores, jovens, mulheres e minorias sexuais morrem todos os dias. Mas Jodi argumenta que justamente esse cenário de precariedade exige que queiramos mais do que somente sobreviver. Que queiramos justiça social, um conceito que nunca se resolve individualmente, mas sim num coletivo. 

CONTINUA APÓS O ANÚNCIO

Para superar a noção de que individualmente, lutando pela sobrevivência individual na competição acirrada do capitalismo, se esteja na luta política, a autora traz a noção da camaradagem como uma ferramenta de articulação política superior a noção de aliados. Ela propõe que busquemos camaradas, e não aliados para lutar. Qual a diferença? Não se trata apenas de jogo de palavras. 

A noção de aliado divide aquele que é o guardião de uma causa e aquele que pode se aliar a ela. A causa da emancipação das mulheres, por exemplo. A ideia de aliados pressupõe que certas pessoas seriam guardiãs da luta pela emancipação das mulheres, enquanto que outras precisam provar que são boas o suficiente para se aliar a essa causa. Mas, mesmo que sejam bem sucedidas nessa tarefa, jamais serão também guardiãs dessa causa. Isso não faz sentido se concordarmos que a emancipação das mulheres também é uma luta dos homens, que também os beneficia, e que portanto é sua causa. 

CONTINUA APÓS O ANÚNCIO

O que ela propõe, portanto, é a união camarada pela causa emancipacionista, no lugar da busca por aliados. Até porque, o que ela propõe é a superação do capitalismo, das determinações que submetem homens e mulheres a um regime de divisão sexual e racial de trabalho. O que ela retoma é a necessidade de libertar a classe, esse conjunto que reúne homens, mulheres e uma multiplicidade racial e sexual, para que essa classe, a verdadeira produtora da riqueza, irmanada pela camaradagem, possa buscar benefícios comuns e decidir coletivamente a reorganização social. O que ela defende aqui é a luta organizada em um partido político. E não qualquer partido político. É um de característica revolucionária e orientação marxista-leninista. Um partido comunista. 

Camaradas são aqueles que se unem em função de um objetivo comum. A união faz a força e a possibilidade de vencer. Quando Ângela Davis, idolatrada em muitas camisetas mas pouco estudada, se filiou ao Partido Comunista, descreveu sua decisão dizendo que precisava de uma base, um ancoradouro. Ela disse que não se considerava uma mulher destemida, mas reconhecia que só a luta coletiva organizada traria alguma possibilidade de vitória. A luta empreendida por multidões de trabalhadores e trabalhadoras. E entendia que a forma-partido reuniria um grupo organizado permanentemente, com um programa e uma ideologia, para traduzir essa luta geral em ações políticas concretas. 

CONTINUA APÓS O ANÚNCIO

A defesa da forma-partido de organização soa estranha no Ocidente, mas justamente a negação dos partidos tem aberto espaço para a extrema direita. Vivemos tempos de mais sombras do que luz, lembra Manuela D'Ávila ao analisar a obra de Jodi Dean. As pautas e agendas de grupos distintos precisariam ser costuradas, lembra a ex-deputada comunista. A camaradagem é a resposta de Jodi para fazer essa costura entre os grupos que se organizam a partir de identidades. Enxergar o outro como camarada pode dar unidade a diversidade. Ser camarada é lutar lado a lado. 

O neoliberalismo se espalhou pelo mundo e com ele sua mensagem ditada pela dama de ferro Margareth Thatcher, que proclamou a síntese daquilo que vivemos no Brasil e no mundo. "Não existe essa coisa de sociedade. Há homens e mulheres individuais, e há famílias", profetizou ela. Não é isso que efetivamente vivemos, quando diante de uma pandemia, homens e mulheres individualmente foram relegados a responsabilidade pelo seu cuidado, assim como são responsabilizados por todo o custo de seu trabalho, isso quando conseguem algum trabalho? 

CONTINUA APÓS O ANÚNCIO

O que resta para nós nesse estado de coisas é competição, cinismo, depressão. O capitalismo tem apresentado militarismo, genocídios, segmentação social, para resolver os graves problemas climáticos, migratórios, e de aumento crescente da desigualdade e miséria. Precisamos pensar em algo além de somente sobreviver. A luta organizada, coletiva, com chances de vitória, só será uma possibilidade com camaradagem. Camaradas do mundo uni-vos! Esse é o grito e a convocação que Jodi Dean renova, em meio ao centenário de muitas organizações comunistas pelo mundo. 

Leia o comentário de Christian Dunker no Blog da Boitempo sobre o livro "Camarada": 

CONTINUA APÓS O ANÚNCIO

https://blogdaboitempo.com.br/2021/07/20/um-significante-de-resistencia-orientado-por-uma-verdade/

iBest: 247 é o melhor canal de política do Brasil no voto popular

Assine o 247,apoie por Pix,inscreva-se na TV 247, no canal Cortes 247 e assista:

CONTINUA APÓS O ANÚNCIO

Cortes 247

CONTINUA APÓS O ANÚNCIO
CONTINUA APÓS O ANÚNCIO