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Carlos Carvalho

Doutor em Linguística Aplicada e professor na Universidade Estadual do Ceará - UECE.

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Cammãrus et tropidurus

(Foto: Prefeitura Municipal de Bonito (MS))
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No mês de agosto de 1983, o Jornal do Brasil estampou na sua primeira página a seguinte manchete: “Cearenses comem lagarto para não morrer de fome”. A matéria era ilustrada com uma foto de um homem identificado como Chico Marcolino, agricultor em Apuiarés, município situado a 111 km da cidade de Fortaleza. Na imagem, o agricultor segurava um pequeno calango, que seria sua única refeição naquele dia. 

De 1983 pra cá muita coisa mudou. O povo, que vivia submetido a uma das mais sangrentas ditaduras da América Latina, lutou pela redemocratização do país e passou a sonhar com dias melhores. Demorou muito tempo, mas a população brasileira conseguiu se fazer respeitada e vista como gente. O número de miseráveis diminuiu, havendo um processo de inclusão social capaz de devolver ao trabalhador pelo menos um pouco do muito que produz. Mas é claro que, parafraseando Itamar Assumpção, isso não ia ficar assim, meu bem. E não ficou mesmo! 

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Logo, deram-se os golpes, as destituições e as prisões. Ninguém que pudesse manter uma situação na qual o trabalhador pudesse usufruir daquilo que produz poderia estar ou continuar no poder. A população estava comendo bem, com casa pra morar e em condições de viajar e conhecer o mundo. Havia muito pobre nos aeroportos, o que passou a incomodar bastante a “nossa” cara gente branca. E eis que todo um aparato, com as instituições com tudo, foi montado e posto em prática para que um representante da casa grande fosse alçado ao poder e, de posse da sua caneta (Bic?), pusesse em curso o maior plano de destruição do país jamais visto em toda a história da República.

Os resultados estão aí. Para onde se olha só se vê miséria e destruição. Não há nenhum interesse em cuidar do humano.  Em meio à crise climática, por exemplo, o que se tem é o mais vil ataque às florestas, que sofrem com o mercúrio do garimpo a corroer-lhes as entranhas. Onde ainda há mata virgem, há o desmate. Onde há vida e povos originários, há dor, violência e morte. Muitas das vozes que hoje reclamam do genocídio/ecocídio em curso gritaram em uníssono contra a democracia ao mesmo tempo em que seus textos “jornalísticos” e suas participações na mídia corporativa enalteciam o senhor do caos que a tudo destrói. A nuvem de gafanhotos posta no comando continua faminta por dinheiro, ouro e poder. 

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Trinta e oito anos após aquela matéria do JB, o jornal Folha de São Paulo, do dia 07 de dezembro de 2021, trouxe a seguinte notícia: “Famílias comem lagartos e restos de carne para enganar fome no RN”. Curioso mesmo é que a matéria está estampada no mesmo jornal que, dia sim, dia também, bate incansavelmente no único político que conseguiu diminuir a miséria no país, e em cujos governos não se registrou ninguém comendo calango, mas picanha. Mas isso não vem ao caso, dirão. Pois bem. A matéria em questão tomou como referência os municípios de Senador Elói de Souza e São Paulo do Potengi, ambos no Rio Grande do Norte, mas poderia ter sido qualquer outro ponto do Brasil. 

Os relatos trazidos pela jornalista Renata Moura causam em nós, leitores, um misto de indignação, revolta e tristeza. Primeiro, foram as filas dos ossos. Depois, as carcaças de frango e as cabeças de peixes. Agora, os lagartos. Em 1983, o senhor Chico Marcolino ainda conseguia um lagarto que fosse. Em 2021, nem isso. É o que diz o senhor Deojem Emanuel na referida matéria: “Nem calango, nem lagarto tijuaçu tem mais aqui. Eles migraram atrás de água”. Até agora, tem-se a impressão que as pessoas que ficaram indignadas com “pobre comendo camarão” não viram nada demais em “pobre comer calango”. É isso? É indignação seletiva que chama ou é só hipocrisia mesmo? Assim, aos trancos e barrancos, a República segue.

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 Enquanto concluo este texto, lembro de Fabiano, personagem do romance Vidas Secas (1938), de Graciliano Ramos, e vejo implodidos os limites entre o homem e o bicho, o bicho e o homem. Aturdido, acho que grito por Josué de Castro, e uma pergunta reverbera: o que fizeram com esse país?

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