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Alex Solnik

Alex Solnik é jornalista. Já atuou em publicações como Jornal da Tarde, Istoé, Senhor, Careta, Interview e Manchete. É autor de treze livros, dentre os quais "Porque não deu certo", "O Cofre do Adhemar", "A guerra do apagão" e "O domador de sonhos"

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Castigo sem crime

Joao Santana, Brazilian President Dilma Rousseff's campaign chief, is escorted by federal police officers as he leaves the Institute of Forensic Science in Curitiba, Brazil, February 23, 2016. REUTERS/Rodolfo Buhrer TPX IMAGES OF THE DAY (Foto: Alex Solnik)
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No período de 1986 em que trabalhamos na campanha de Antônio Ermírio de Moraes, então considerado o homem mais rico do país e empresário acima de tudo ético e sem nenhuma mácula, o dia mais alegre era aquele em que nosso chefe, Guga de Oliveira, despejava em cima da mesa o dinheiro vivo que vinha dentro de sacos de papel de supermercado enviado pelo candidato.

Ninguém perguntava de onde vinham as cédulas novinhas em folha, nem questionava se era dinheiro limpo ou sujo. Era nosso pagamento, a que fazíamos jus por nosso trabalho diuturno para eleger, pela primeira vez na história do Brasil, um empresário portentoso ao governo de São Paulo.

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Não sei como isso seria chamado hoje: caixa 2? Propina? Mas como se Antônio Ermírio era um cara honesto e nós suamos a camisa para recebê-lo?

O empresário não ganhou a eleição, mas não ficou devendo um centavo. Ganhou Orestes Quércia, cujos profissionais de campanha também receberam a remuneração de alguma forma semelhante.

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Eu já conhecia João Santana nessa época. Era um cara magrinho, cabelo encaracolado, óculos à la John Lennon, que todos no jornal ex- conheciam por Patinhas. Mandava matérias de Salvador, onde morava.

O ex- acabou e nos perdemos. Não me lembro mais como, nos achamos no ano 2000. Eu estava num período de vacas magras, e ele, de vacas gordas. Me convidou para almoçar no Massimo, então um dos templos da boa comida onde políticos e empresários de diferentes tendências ideológicas podiam conversar tranquilamente saboreando massas finas e vinhos idem.

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Era o mesmo Patinhas. Sabendo que eu estava duro, ligou na minha frente para a Zilmar Fernandes e praticamente ordenou que ela depositasse 5000 reais na minha conta, um adiantamento pelo trabalho que eu faria numa das duas campanhas que Duda Mendonça negociara, a disputa pela prefeitura da progressista Rondonópolis.

Nosso candidato, Wellington Fagundes, foi derrotado, mas cada um de nós recebeu o que fora combinado. Recebemos, novamente, em dinheiro vivo, em troca de trabalho duro, exaustivo, que avançava pelas madrugadas.

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Não perguntamos de onde vieram aquelas cédulas. Se o tivéssemos feito a resposta teria sido: da Casa da Moeda, que fabrica o dinheiro que circula no Brasil.

O mesmo acontece hoje: ninguém pergunta, ao receber seu salário no começo ou no fim do mês, em cédulas, cheque ou depósito bancário se o dinheiro é limpo ou sujo, se o estamos "lavando" ou não.

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Jamais imaginamos que, alguns anos depois, seria considerado crime o trabalho honesto em campanhas eleitorais.

O primeiro sinal amarelo piscou para Duda Mendonça, durante a inquisição chamada Mensalão, mas o colegiado liderado pelo rigoroso, impoluto e tido então como herói da pátria Joaquim Barbosa, absolveu Duda, que admitira ter sido remunerado em dólares depositados numa conta que abrira no exterior.

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Em momento algum foi enquadrado como bandido, corrupto ou coisa que o valha. Tinha feito seu trabalho publicitário com o talento que Deus lhe deu. Ajudou a eleger presidente da República, pela primeira vez, um ex-pau de arara e metalúrgico. A acusação mais pesada contra ele foi assistir a lutas de briga de galo.

Não há diferença entre as campanhas de Antônio Ermírio, em 1986, de Rondonópolis em 2000 e de Lula, em 2002. Estiveram à frente publicitários e jornalistas honrados, talentosos e bem remunerados, como seria de esperar.

Agora, no entanto, esse mesmo trabalho está sendo considerado pelo juiz de primeira instância, Sergio Moro, o atual herói nacional, um crime que deve ser pago com oito anos de cadeia. E coube ao João Santana o papel de bode expiatório.

Ele e sua sócia, Mônica Moura foram remunerados pelo serviço que prestaram, em dólares e em conta no exterior, tal como ocorreu com Duda Mendonça, e, no entanto, ganharam o rótulo de integrantes de quadrilha que teriam recebido propina porque o dinheiro tinha vindo de negócios escusos de uma empresa estrangeira com a Petrobrás. Se o dinheiro foi obtido em ato de corrupção, Santana e Mônica, que não tiveram nada com esse negócio escuso passaram a ser cúmplices de um crime que não cometeram.

Uma situação esdrúxula por três motivos: 1) por que receberiam propina se não tinham o que oferecer em troca, a não ser o seu talento?; 2) se o mesmo sujeito que os pagou tivesse comprado uma TV na Casas Bahia com o mesmo dinheiro sujo o dono das Casas Bahia deveria ser preso? e 3) se João Santana distribuiu esse mesmo dinheiro para remunerar sua equipe, toda a equipe deveria ir para o xadrez?

Mas talvez o mais absurdo não seja criminalizar trabalho honesto e sim o silêncio de jornalistas e publicitários, inclusive o de Duda Mendonça. Embora tenha brigado e rompido a sociedade com João Santana há muito tempo, não custava nada vir a público para testemunhar que seu ex-sócio não é, nunca foi e nunca será um bandido. A solidariedade é um forte antídoto contra o autoritarismo, na democracia ou na ditadura.

Espero que nas instâncias superiores, onde o recurso de João Santana e Mônica Moura será julgado, prevaleça o entendimento que norteou a absolvição de Duda Mendonça em 2010.

E que a dupla de publicitários volte a prestar serviços com o mesmo brilho de sempre, aqui no Brasil e no exterior.

Em meio a tantos crimes sem castigo, esse é um caso de castigo sem crime.

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