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Tarso Genro

Advogado, político filiado ao Partido dos Trabalhadores, foi governador do Rio Grande do Sul, prefeito de Porto Alegre, ministro da Justiça, ministro da Educação e ministro das Relações Institucionais do Brasil

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Cavalos agitados

"A pandemia terá mais influência no Brasil do futuro do que a 'corrida de cavalos' entre Moro e Bolsonaro, que se acusam mutuamente de bandidos depois de uma lua de mel", escreve Tarso Genro, ex-ministro e ex-governador do Rio Grande do Sul

(Foto: Marcos Correa - PR)
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Por Tarso Genro

(Publicado no site A Terra é Redonda)

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A midiatização do processo penal continua a cobrar seu preço na desmoralização das instituições da Justiça, mas passa agora por um processo inovador. No conflito entre Sergio Moro e o Presidente da República, a Rede Globo precisa esmagar um deles, Bolsonaro. Na mesma medida em que precisa proteger o outro, Moro, instrumento certeiro da “eliminação” do PT da liderança eleitoral e da subtração de Lula das eleições de 2018.

A teoria dos “dois extremos”, pela qual se opunha uma pessoa visivelmente desequilibrada e com uma passagem desqualificada pelo Exército Nacional a um Professor que tinha sido um brilhante ministro de Educação do país –além de um grande prefeito de São Paulo – foi a engenharia psicológica que ganhou amplos setores sociais para a aventura bolsonárica, que hoje humilha o Brasil em escala mundial.

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Neste momento, a situação é crítica para a Rede Globo: se o processo penal não for midiatizado ao extremo, a ponto de convencer a sociedade “de bem”, que a pendência não é entre dois delinquentes, mas entre um juiz impoluto que foi engando e um Presidente amaldiçoado – que só era bom quando enfrentava Haddad – cairá por terra todo o trabalho feito pela Rede, em conjunto com Moro, para limpar o Brasil da “corja” petista.

Mas, como fazer isso, se ambos se acusam de criminosos, se trabalharam juntos e se toleraram enquanto tinham unidade de propósitos imediatos na política? Só tem uma saída: colocar o conflito entre eles como se fosse uma corrida de cavalos, ou seja, um dos dois tem que perder. E nesta circunstância quem deve perder é Bolsonaro, pelo menos no “devido processo legal” midiático, que tem tido uma enorme influência nos pleitos eleitorais e em muitas decisões do Poder Judiciário.

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Nesta midiatização aparecem juristas “sem qualquer formação jurídica” – nas bancadas de TV e nos jornais tradicionais – que constroem verdadeiras doutrinas no campo do Direito Penal, que ajudam os “juristas com formação jurídica” a formular suas respostas sempre de acordo com a linha editorial adredemente escolhida para abordar os complicados temas de direito processual e material, presentes nos conflitos concretos em exame. Esta foi uma experiência de sucesso na época que Lula amargava na cadeia por providências de um Juiz que agora é chamado de mentiroso e desonesto pelo próprio Presidente da República, acusado por aquele de criminoso.

No sábado, 2 de maio, às 16 hs na Globo News dois “juristas com formação jurídica”, antes de responder as perguntas inocentes dos jornalistas-juristas faziam uma homenagem à comentarista Ana Flor, pela oportunidade e importância da pergunta formulada, até que esta – inadvertidamente – faz uma síntese extraordinária da linha editorial escolhida para a abordagem do tema. Disse ela, confrontando Moro e Bolsonaro, algo como vamos ver “quem vai ganhar e quem vai perder”, como se fosse uma corrida de cavalos. De repente ficamos todos defronte a uma contenda privada entre dois atores políticos, na qual um vai derrotar o outro, não mais na presença de uma questão de Estado, na qual estaria se verificando se um, outro, ou os dois, tinham cometido crimes graves, que poderiam levar a uma crise de Estado, conforme provocação correta feita pelo Procurador Geral da República.

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Centenas de artigos, conferências virtuais, livros individuais e coletivos, já circulam nas redes prevendo como será o Brasil e o mundo no tempo pós-pandemia. Tenho uma sincera admiração por quem arrisca diagnósticos ou previsões desta natureza, que seriam mais apropriados – penso eu – para tentar devassar a História em momentos de maior estabilidade, no qual se pudesse abordar ciclos mais longos ou quase circulares. Entender momentos históricos – fragmentários e explosivos – nos quais a vida real é concentrada, desarticulando as narrativas mais ousadas ou “científicas”, penso que exigiria um maior distanciamento temporal.

As narrativas longas – até os anos 60 – se ancoravam em reações sociais e políticas mais previsíveis e em conflitos históricos mais ordenados e visíveis, como a “Guerra Fria” e o transcurso do tempo era mais lento do que hoje. A velocidade do tempo histórico é determinada pela velocidade que os fatos entram nas nossas vidas e a nossa compreensão do tempo não está centrada nos ciclos da lua e das marés, nem no nosso relógio biológico, mas nos fluxos de indeterminação que os fatos concentrados causam na nossa imaginação. Por exemplo, todas as narrativas da conjuntura, que previam os desdobramentos do Governo Bolsonaro ficaram precarizadas com a demissão do Ministro Moro.

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A pandemia terá mais influência no Brasil do futuro do que a “corrida de cavalos” entre Moro e Bolsonaro, que se acusam mutuamente de bandidos depois de uma lua de mel com seus transtornos até agora clandestinos. Parece-me que a manipulação que a Rede Globo vai fazer desta disputa irá moldar mais nosso destino do que as brutais desgraças da Pandemia. Na pós-modernidade, as desgraças concentradas nas relações entre criminosos – apenas digo o que um diz do outro – às vezes têm mais força de forjar a História do que as desgraças universais que cobrem tempos longos da História.

Reduzindo o foco para o nosso país, em relação à Pandemia, penso também que qualquer mudança de rumo em nosso país vai depender mais de quem vai vencer as eleições nos Estados Unidos do que do número de mortos que ela vai emplacar no Brasil, neste concurso fúnebre universal, no qual está em xeque a vida de centenas de milhares de brasileiros, desabrigados e desavisados da tragédia que nos assedia. As carreatas contra o isolamento mostram que os setores que mais formam a opinião no nosso país conseguiram acostumar milhões de pessoas a pensar que a vida dos outros, quando não existe uma ameaça direta coletiva não tem qualquer valor.

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E as pessoas não fazem isso porque são “más”, nem mesmo porque desejam a morte de outras pessoas, mas porque elas foram acostumadas – pelo modo de vida realmente existente, no qual o mercado e o consumo forjam a moralidade alienada – que elas têm o direito a se proteger como quiserem, mesmo que isso custe a vida de milhares de outras pessoas, numa ruptura radical das relações de solidariedade construídas de maneira artificial pelo humanismo ilustrado. Os tempos são duros. Repito uma frase de Steinbeck, que sempre me fez pensar, extraída do seu livro Vinhas da ira: “as terras do Oeste se agitam como cavalos antes do temporal”. Mais terrível agora que os cavalos são bandidos que não podem oferecer a verdade integral sobre os seus crimes.

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