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Paulo Moreira Leite

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Chioro: “Fiocruz é um objeto de desejo de R$ 4 bi”

Ex-ministro da Saúde durante o governo Dilma, Arthur Chioro falou ao 247 sobre a intervenção do atual titular da pasta, Ricardo Barros, que ameaça impedir a posse de Nísia Trindade Lima, escolhida por mais de 60% dos votos de pesquisadores e funcionários para assumir a presidência da Fiocruz, uma das mais respeitadas instituições de saúde pública do planeta. "Estamos falando de um retrocesso sem precedentes, que coloca em risco uma instituição secular, respeitada internacionalmente", diz. Para Chioro, "engana-se quem pensa que a intervenção tenta impedir a posse de uma 'técnica de esquerda.' O debate é sobre saúde pública. Em 2017, o Ministério da Saúde irá gastar cerca de R$ 4 bilhões em compras na Fiocruz", destaca

Ex-ministro da Saúde durante o governo Dilma, Arthur Chioro falou ao 247 sobre a intervenção do atual titular da pasta, Ricardo Barros, que ameaça impedir a posse de Nísia Trindade Lima, escolhida por mais de 60% dos votos de pesquisadores e funcionários para assumir a presidência da Fiocruz, uma das mais respeitadas instituições de saúde pública do planeta. "Estamos falando de um retrocesso sem precedentes, que coloca em risco uma instituição secular, respeitada internacionalmente", diz. Para Chioro, "engana-se quem pensa que a intervenção tenta impedir a posse de uma 'técnica de esquerda.' O debate é sobre saúde pública. Em 2017, o Ministério da Saúde irá gastar cerca de R$ 4 bilhões em compras na Fiocruz", destaca (Foto: Paulo Moreira Leite)
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BRASIL 247 - Além de uma larga experiência como gestor público, o senhor possui experiência no mundo científico. Com base neste conhecimento, eu gostaria que  falasse sobre a importância de garantir a posse de Nisia Trindade Lima à frente da Fiocruz, que teve mais de 60% dos votos num pleito ao qual compareceram mais de 82% dos servidores aptos a votar. Quem ganha com ela? Quem perde?

ARTHUR CHIORO - É um retrocesso sem precedentes. Inaceitável. Subverter a decisão democrática tomada pela comunidade de pesquisadores, docentes, cientistas e funcionários da Fiocruz coloca em risco uma instituição secular, respeitada internacionalmente, que tem uma enorme relevância para a ciência, o ensino, a pesquisa, a assistência à saúde e para a produção de medicamentos, vacinas e insumos. Não há justificativa ou sequer um argumento plausível que sustente tal decisão. É um verdadeiro escândalo. Quem perde não é apenas a Fiocruz, mas o Brasil. Trata-se de uma instituição transparente, eficiente, com excelentes resultados em todos os seus campos de atuação e que tem um papel fundamental para a saúde pública e a ciência brasileira. Esse desastre só interessa aos que querem transformar a Fiocruz num balcão de negócios privados, inconfessáveis, destruindo um patrimônio de toda a sociedade brasileira.

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247 - Concretamente, por que a Nisia Trindade Lima é a melhor pessoa para dirigir a Fiocruz neste momento?

CHIORO - Porque Nísia Trindade tem legitimidade, advinda do processo democrático que resultou em sua eleição com cerca de 60% dos votos para presidir a mais importante instituição da Saúde Coletiva brasileira. Não se trata apenas de garantir uma tradição bem sucedida, que já vigora há décadas de nomear aquele que é sufragado pela maioria. A Fiocruz construiu um processo de planejamento e organização interna que se sustenta em bases democráticas, com ampla participação e que foi decisivo para que pudesse se solidificar e obter reconhecimento internacional no campo científico, da inovação tecnológica, da produção de conhecimentos, da formação de pessoal altamente qualificado e da prestação de serviços e extensão. Não podemos ignorar, também, as características de Nísia. Trata-se de  uma profissional extremamente séria, competente.Seu preparo não se discute, Acumulou uma grande experiência como gestora, participando da Direção Executiva da Fiocruz ao lado do atual presidente Paulo Gadelha. Está comprometida e conhece como poucos a instituição e tem um excelente relacionamento com a comunidade científica, interna e externa, com os técnicos das diferentes áreas do Ministério da Saúde, com os demais gestores do SUS e com os parceiros institucionais da Fiocruz. 

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247 - Muitos brasileiros não têm uma noção correta da atuação da Fiocruz para a saúde pública e o bem estar da população. Seu papel tem origem nas campanhas de Oswald Cruz, no início do século passado, e chegam à dengue, à febre chikungunya...

CHIORO - Criada por Oswaldo Cruz em 1900 para fabricar soros e vacinas contra a peste bubônica e erradicar essa doença e a febre amarela no Rio de Janeiro, a Fiocruz transformou-se em uma das mais importantes e conceituadas instituições de Saúde Pública não apenas na América Latina, mas em âmbito mundial. São 116 anos de dedicação à ciência e à saúde  da população brasileira. Foi peça chave na criação do Departamento Nacional de Saúde Pública, em 1920. Foi responsável pelo isolamento do vírus HIV pela primeira vez na América Latina e outros grandes avanços científicos, como o deciframento do genoma do BCG, bactéria usada na vacina contra a tuberculose. A sua Escola Nacional de Saúde Pública é a instituição que mais forma especialistas, mestres e doutores no campo da Saúde Coletiva nas Américas e que publica revistas científicas indexadas e conceituadas internacionalmente. É responsável por parcela importante da produção nacional de medicamentos, vacinas, protótipos, biofármacos e reativos para diagnósticos. A indicação da pesquisadora Celina Turchi como uma das dez personalidades do ano na ciência mundial pela revista Nature, em função de seu trabalho para o estabelecimento da relação entre o vírus zika e a microcefalia em bebês, o registro de testes para zika, dengue e chikungunya são exemplos da importância destacada da Fiocruz para a saúde e a ciência brasileira.

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247 - Ao contrário do que muitas pessoas conservadoras costumam imaginar, a gestão democrática da Fiocruz trouxe bons resultados para o país. O senhor poderia explicar isso?

CHIORO - Como tantas outras instituições públicas voltadas ao ensino e a pesquisa científica, a Fiocruz tem sofrido duramente nas mãos de governos autoritários. Perdeu sua autonomia com a Revolução de 1930. O golpe de 1964 produziu aquilo que se chamou Massacre de Manguinhos: a cassação dos direitos políticos de grandes cientistas e pesquisadores. Desde 1980, período marcado pela retoma das lutas contra a ditadura, a Fiocruz vem experimentado uma saudável organização democrática e participativa. Na gestão do médico sanitarista e ex-deputado federal Sergio Arouca foi realizado o 1º Congresso Interno. Foram recriados programas e sua estrutura foi modernizada. Nos anos seguintes, a instituição foi se fortalecendo e cresceu – inclusive para outros estados - a partir de um processo de planejamento participativo que fez com que metas, compromissos e responsabilidades fossem perseguidas pelas áreas de pesquisa e ensino, produção e inovação, serviços de saúde, comunicação e informação. Sua estrutura regimental, moderna e democrática, foi regulamentada em 2003, pelo presidente Lula. Desde a redemocratização do país, todos os ministros da saúde, independente de sua vinculação partidária, puderam contar com a Fiocruz como parceira de primeira ordem para o fortalecimento do SUS. Jogar uma instituição desta importância e complexidade num crise sem precedentes é uma temeridade, uma enorme irresponsabilidade. Não apenas pelo que representa para o Rio de Janeiro, mas para todo o país. Não acredito que Michel Temer queira ser protagonista de mais uma crise desnecessária, determinada por um jogo de interesses menores, mal explicados, que levou o ministro da saúde a apoiar a candidata derrotada, numa postura que pode resultar numa situação de confronto que terá graves repercussões para a ciência e a saúde pública brasileira. 

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247 - Logo depois de ser anunciado, o ministro Ricardo Barros deixou clara sua preferência pela saúde privada, a partir de uma visão segundo a qual a saúde pública era muito cara para um país como o Brasil. Qual a relação entre essa preferência política e a recusa em aceitar a vontade da maioria dos funcionários?

CHIORO - A sucessão de polêmicas e decisões desastrosas, sem fundamentação técnica e científica, sempre avocando um frágil discurso de qualificação e modernização da gestão, dão a falsa impressão de que a gestão de Ricardo Barros é apenas incompetente, folclórica e desastrosa. Mas é muito pior do que isso. Temos um ministro anti-SUS. Uma gestão marcada por uma prática obscura, a serviço de interesses que não se expressam claramente. Enganam-se os que acham que o que está em jogo é impedir a posse de uma ‘técnica de esquerda’, com posicionamentos contrários ao do governo (até mesmo porque a segunda colocada expressa publicamente também convicções de esquerda, a despeito de sua atual postura antidemocrática). Quem conhece Nísia Trindade sabe que tem compromissos com a saúde pública. Sabe separar muito bem suas convicções políticas das responsabilidades e tarefas que terá a frente de uma instituição pública do porte da Fiocruz.

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247 - Muitos brasileiros não fazem ideia da importância da Fiocruz para a saúde da maioria da população. O senhor poderia falar um pouco a respeito?

CHIORO -- A Fiocruz tem uma participação expressiva na produção de medicamentos, soros, vacinas, kits diagnósticos e produtos biotecnológicos. As maiores e mais importantes Parcerias de Desenvolvimento Produtivo, com laboratórios nacionais e internacionais, fundamentais para a sustentabilidade do SUS, a inovação tecnológica e a autonomia científica do nosso país estão sob responsabilidade da Fiocruz, em particular as que envolvem os produtos com maior custo e valor agregado. Do orçamento federal previsto para assistência farmacêutica e insumos estratégicos para o SUS em 2017, cerca de 4 bilhões de reais serão gastos pelo Ministério da Saúde em compras públicas com a Fiocruz. Isso faz com que a instituição seja objeto de desejo e controle político, em particular daqueles que ficam sem espaço para suas manobras em ambientes democráticos, transparentes e com controle público. Além disso, a Fiocruz acaba tendo um papel decisivo como reguladora do mercado e na definição de muitos negócios (públicos e privados) no âmbito do Complexo Industrial de Saúde. O que está em jogo é a tentativa de alterar o posicionamento histórico da instituição em prol do desenvolvimento científico e tecnológico, que sempre esteve pautada por uma postura republicana, transparente e ética inquestionável - e fundamentada nas melhores evidências científicas. Isso tem sido fundamental para o desenvolvimento do Complexo Médico Industrial brasileiro e será colocado em risco.

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247 - A experiência do regime de 64 mostra que governos autoritários sempre tentam cooptar uma parcela da comunidade científica. No período de instalação da ditadura militar, abriu-se uma longa temporada de caça a pesquisadores de altíssimo nível, que foram perseguidos por razões políticas e acabaram obrigados a levar seu talento e seu conhecimento para outros países. O senhor acha que essa intervenção na Fiocruz pode inaugurar uma situação parecida?

CHIORO - Os trabalhadores e a comunidade científica da Fiocruz não aceitarão essa decisão. Se mantida a indicação da candidata derrotada estará estabelecido um clima de confronto, uma crise sem precedentes. E quando se pensa em pesquisa, desenvolvimento e inovação tecnológica, acima de tudo é necessário assegurar um ambiente de serenidade e muita estabilidade. Até quando irão continuar apagando incêndio com gasolina em nosso país? Quando terá fim o desmonte das instituições públicas brasileiras? Como vamos sair da crise em que o país foi metido com atitudes bizarras como essa? É importante ainda destacar o grave precedente que essa ação desastrosa na Fiocruz pode representar para outras instituições públicas caso se consume. As universidades públicas federais oferecem listas tríplices para que o presidente da República proceda a nomeação dos reitores. Dirigentes de outras instituições da administração pública indireta também são nomeados, conforme rezam seus estatutos e regimentos, a partir de processos democráticos de indicação e provimento de sua governança. Essa decisão precisa ser revertida em prol da democracia e do país. 

247 - Produto de um golpe parlamentar, o governo Temer tem uma dificuldade particular para conseguir apoio entre artistas, intelectuais, estudiosos. O senhor acha que essa intervenção pode abrir um caso semelhante ao do ministério da Cultura?

Espero que o presidente tenha desta vez juízo e serenidade e proceda a imediata nomeação de Nísia Trindade. O caminho do confronto, da crise, da instabilidade não interessa à população brasileira e destruirá a Fiocruz. Uma instituição que foi criada em mais de um século e que pode ser destruída por um ato injustificável, de prepotência e desrespeito à democracia.

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