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Jean Menezes de Aguiar

Advogado, professor da pós-graduação da FGV, jornalista e músico profissional

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Ciência, cloroquina, Bolsonaro e Tiririca

Bolsonaro discursa em velório de soldado (Foto: Marcello Casal/Ag.Brasil)
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‘A opinião tem exercido ao longo do tempo seu direito inalienável de se comportar de forma incoerente.’ Freud, A Interpretação dos Sonhos, p. 63.

Qualquer pessoa pode cismar ou se encantar com o que quiser. Do vodu à burca; da poligamia à cloroquina. A consciência, o pensamento e a estupidez, em qualquer regime democrático do mundo, são constitucionalmente garantidos.

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Mas algumas questões intrigam. Das hoje 153 drogas e vacinas em testes no mundo para a Codiv-19, em 1.765 estudos, por que será o presidente brazuca foi cismar com a cloroquina? Foi sonho, revelação, ou sua formação em primeiros socorros de escoteiro?

Corre por fora que seria apenas provinciana imitação a Trump. Se for, americanos que desvendem mais este mistério do bronzeado presidente que tem nome de arranha céu e acordou um dia achando que tinha conhecimento para contestar a OMS.

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Mas pode ser. Americanos, não de hoje, despertam furores em brasileiros mentalmente miamizados. Para desespero dos lúcidos, a patética frase de um deslumbrado Juracy Magalhães, então nomeado embaixador do Brasil nos EUA: ‘O que é bom para os Estados Unidos é bom para o Brasil’.

A versão da imitação parece provável. O caso é ela se mostra danosa não apenas para todo um bolsão acrítico de gente, mas para relações médicas, hospitalares e mesmo científicas.

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Verbas públicas, em um momento de mortífera pandemia mundial, deveriam ser utilizadas cientificamente. O Laboratório Químico e Farmacêutico do Exército, por exemplo, em maio, adquiriu 1 tonelada de cloroquina em pó por preço 6 vezes superior ao que pagou ao mesmo fornecedor no ano passado, motivando óbvia investigação do Ministério Público junto ao TCU, por suspeita de superfaturamento, buscando saber se houve ‘responsabilidade direta do presidente da República’.

A histeria palaciana com a cloroquina também vem produzindo sérios comprometimentos relativamente a pacientes que necessitam corretamente do fármaco. Débora Melecchi, coordenadora da Comissão Intersetorial de Ciência, Tecnologia e Assistência Farmacêutica do Conselho Nacional de Saúde tem afirmado que desde que a cloroquina passou a ser difundida pelo presidente, pacientes com malária, lúpus e reumatismo têm reclamado sua falta.

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Já que Bolsonaro é produto típico do Legislativo para a presidência – ainda que ele jure ser militar-, peguem-se paradigmas perfeitamente idênticos a ele na questão: o maravilhoso Tiririca; o eterno Clodovil; o virilizado Alexandre Frota; o gênio Romário; a gostosona-raptada-tapa-no-bumbum Joyce Hasselmann como presidentes da República. Imaginem-se, todos, presidentes em época de pandemia, cismando, igualmente, com cloroquina.

Bem, o que vale para Bolsonaro vale, por obviedade, simetricamente, sem tirar nem pôr, para qualquer um desses aí. Ou por que haveria de ser diferente em análise de infecção por vírus SARS-CoV-2, pertencente ao subgrupo B do gênero Betacoronavirus da família Coronaviridae, em zoonose que acometeu a espécie humana, e a ciência ainda não sabe como, possivelmente morcegos ou pangolins, com taxa de letalidade entre 0,7 e 14%?

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O que será que Bolsonaro sabe ‘mais’ de cloroquina, neste contexto que, por exemplo, Tiririca, Frota ou Romário?

Paralelamente, num antropofágico efeito manada, veem-se pessoas ‘esclarecidas’ –conceito safado-, crendo na recomendação farmacológica de um leigo. Sim, leigo raiz. Não é à toa que Schopenhauer já ensinava que ‘a grande turba tem olhos e ouvidos, mas não muito mais.’

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Também, repare-se que quando leigamente se cismou com a cloroquina solapou-se, por absoluto desconhecimento, a insuperável diferença entre ela e a hidroxicloroquina, substâncias insubstituíveis entre si, conforme a Anfarmag, Associação Nacional de Farmacêuticos Magistrais, em 22.4.2020, ‘Observação 1: muito cuidado para não confundir sulfato de cloroquina e sulfato de hidroxicloroquina.’

A música de Riachão, ‘Cada macaco no seu galho’, famosa na gravação de Caetano e Gil ao voltarem do exílio em 1972, poderia ilustrar o sentido necessário – e humilde- que todos deveriam ter diante de áreas científicas que não são as suas. Se é que o nosso escolhido aí tem isso.

Também, a partir da crença presidencial é inacreditável como surgiram ‘doutores’ em cloroquina de Youtube e ‘cientistas’ de WhatsApp na praga das mensagens ‘reenviadas’.

Muita de toda essa confusão se dá pelo desconhecimento de padrões científicos e  métodos, alguns até aristotélicos. Na Matemática, por exemplo, métodos como o da redução ao absurdo; da exaustão (Arquimedes); infinitários; princípio do 3º excluído; princípio da dupla negação; axiomático; argumento de indispensabilidade; método standard de definição por abstração e outros tantos, referidos por Jairo José da Silva, na obra Filosofia da matemática.

Exatamente por todo um rigor ‘chato’ na ciência, para quem não se apega a ela, é que o astrônomo Carl Sagan ensina que o método é mais importante que a descoberta.

Ainda que universal, a crise atual do brasileiro talvez seja a da humildade, ligada à ânsia de saber, pelo porre dos aplicativos de informação. O filósofo Jean-François Lyotard ensinava que ‘poder’ é força, dinheiro e conhecimento. O conhecimento, principalmente o ilusório, continua a ser um frenesi para derrotar quem aceita discutir com o idiota. E lembre-se, a estupidez é infinita, você não conseguirá vencê-la.

Na contramão de todo esse nocaute ideológico, quando o assunto envolve ciência, surgem necessariamente os livros – este fora de moda-, a paciência do estudo, o método, e a tal torre de marfim. Sobre ela, o filósofo Michel Serres em entrevista ao Le Monde, 1981, ensina: ‘As pessoas acreditam que a torre de marfim é cheia de mármore e de almofadas de veludo. Nada disso! Ali faz frio e a gente passa fome. É a solidão absoluta. É a invenção na madrugada, o risco, o trabalho e o silêncio. É também não ser ouvido, não ter nem professor nem alunos.’

Pela ‘lógica’ dos sábios de WhatsApp, as mais de 468 mil mortes do mundo foram em vão. Bastaria usar cloroquina e pronto. Mas como explicar isso para todos os países, hospitais, universidades, centros de ciência, entidades globais? Ou será que todos esses aí se tornaram ‘comunistas’?

Teimosias, opiniões, certezas absolutas, dogmatismos e teorias da conspiração têm os seus lugares na vida humana. Mas definitivamente não na ciência que, no caso brasileiro, precisava de muito mais dinheiro e atenção para produzir segurança, cura, felicidade e saúde. E não de certezas de Youtube e mensagens ‘reenviadas’ de WhatsApp, o novo nocaute dos sábios de celular.

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