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Igor Corrêa Pereira

Igor Corrêa Pereira é técnico em assuntos educacionais e mestrando em educação pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Membro da direção estadual da CTB do Rio Grande do Sul.

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Contrarrevolução neoliberal e negacionismo

O que é ser de esquerda no Ocidente capitalista do século XXI, senão questionar "tudo o que está aí"? Evidentemente, não nos ancoramos em ideias anticientíficas pra questionar o que é vigente. Mas não podemos deixar o questionamento abandonado, pois não há espaço vazio na política.

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Falta oxigênio em Manaus e temos um presidente que desde o início da pandemia nega a COVID-19. Como chegamos a isso? Lembrando que ele não "brotou" na presidência e não é um caso isolado. Muito pelo contrário, ele é orientado pelo (ainda) presidente da maior potência capitalista do mundo Donald Trump. Podemos perguntar então: como o mundo chegou no negacionismo de "tudo que está aí"? Que força é essa que emerge das entranhas das democracias do ocidente?

O filósofo contratualista Thomas Hobbes dizia que o Estado deve ser capaz de coibir uma propensão natural dos seres humanos pela guerra de uns contra os outros. Dessa maneira, a sociedade seria para ele um contrato social para pacificar essa guerra e para que o homem não seja lobo do homem, numa paráfrase de expressão sua que ficou célebre. O Estado, desta forma, seria uma força superior aos interesses individuais capaz de conciliar antagonismos e assim promover harmonia. Hobbes formulou isso no século XVII, quando a burguesia era uma classe revolucionária, disposta a desalojar a oligarquia feudal do poder e sua concepção de direito divino a condição de governante. A burguesia adquiriu a hegemonia dizendo que os homens foram criados iguais e que lhes era inalienável o direito a liberdade, a vida e a busca da felicidade, conforme foi escrito na Declaração de Independência dos Estados Unidos, que seria proferida no século seguinte. 

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Já no século XX, quem ameaçava fazer revolução para derrubar a burguesia era a classe trabalhadora. Para se manter no poder, a burguesia reagiu fazendo uma contrarrevolução. Uma das grandes líderes dessa contrarrevolução foi Margareth Thatcher, a dama de ferro da Inglaterra.  Juntamente com Ronald Reagan nos EUA, implementou o neoliberalismo. Ela rejeitou as teses de Hobbes de que existiria um contrato social para manter a paz entre os homens, e que o Estado deveria reger esse contrato conciliando antagonismos. Ela negou mesmo a ideia de sociedade. "Não existe essa coisa de sociedade, há homens e mulheres individuais e há famílias e o governo não pode fazer nada a não ser através das pessoas", disse ela. 

Thatcher inspirou os neoliberais que derrubaram Allende e implantaram a ditadura de Pinochet no Chile. A ditadura de Pinochet contratou como professor da Universidade do Chile um brasileiro chamado Paulo Guedes. Nessa Universidade, esse brasileiro passou a ensinar o que aprendera na Escola de Chicago, um dos centros de difusão das ideias de Thatcher. Paulo Guedes hoje é o superministro do governo que diz que não pode fazer nada pelas pessoas e que nega inclusive a vacina. Sim, a contrarrevolução de Thatcher pareceu prosperar. A ideia de que os governos se eximam de auxiliar a sociedade foi concebida pelos neoliberais e está sendo implantada rigorosamente.

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Mais do que uma postura de governo, essa é uma ideia que influencia a conduta dos indivíduos. O processo mundial de contrarrevolução cultural do neoliberalismo está em modo de ofensiva. A cultura neoliberal é a de negação da sociedade e supervalorização do indivíduo. É o cada um por si, e todos contra todos. A ideia de contrato social, que pode ser sustentado na ciência, na democracia, está sendo rasgada. Chegamos ao século XXI não só com uma superindividualização das pessoas, mas com uma privatização dos espaços. Os debates públicos foram privatizados em ambientes virtuais dominados por megacorporações de tecnologia instaladas em sua maioria nos Estados Unidos. Ideias viraram produtos nas prateleiras virtuais e os cidadãos viraram consumidores escolhendo as ideias preferidas no grande shopping center de informações das chamadas redes sociais. Não importa a ideia validada por comunidades científicas, importa a ideia que agrada mais ao consumidor. Quanto mais cada indivíduo consome as ideias que mais prefrem, direcionadas por algoritmos que cada vez mais vão reforçar sua visão de mundo, mais a ideia de Thatcher vai prevalecer. A sociedade não existe, existem individualismos. Os antagonismos vão constantemente crescendo, as polarizações aumentam. A guerra que Hobbes queria evitar torna-se cada vez mais uma possibilidade cotidiana. A democracia fica cada dia menos possível. 

Quando o Estado renuncia a sua posição de administração de antagonismos entre as classes e indivíduos, para deliberadamente ter o papel de auxiliar o capital a se reproduzir, mesmo que para isso tenha que aumentar violência sobre as pessoas, isso só aumenta a negação de "tudo que está aí". Por que acreditar em política, ciência, democracia, se nada disso parece auxiliar? Essa descrença em saídas coletivas vai criando as ilusões de que saídas individuais alternativas podem ser possíveis. A descrença na ciência leva a movimentos antivacinas, terraplanistas, acentua fundamentalismos religiosos. As pessoas criam explicações exóticas para o mal estar que estão experimentando, pois é humana a necessidade de explicar o que acontece a nossa volta. Na era do "eu" acima do "nós" e do consumidor que substitui o cidadão, pouco importa qual explicação você escolheu nas prateleiras digitais de ideias. Todas elas movimentam as redes, geram dados e giram a roda do capitalismo, aprofundando uma fabulosa concentração de riqueza. Mesmo na pandemia, os super ricos continuam cada dia mais ricos e a pobreza só faz aumentar. 

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O documentário "Dilema das redes", disponível na plataforma Netflix, ouviu pessoas que desenvolveram as chamadas Big Techs, as grandes corporações da rede mundial de computadores como a Google, o Facebook e outras. Essas pessoas admitem que as redes sociais são uma ameaça a democracia. E o são não só porque conseguem espalhar as tais notícias falsas que já foram atribuídas como motivos das vitórias de Trump e Bolsonaro. Elas ameaçam a democracia, pois elas têm o controle dos dados de populações inteiras de maneira muito mais precisa que governos e outras instituições democráticas. E essas grandes corporações utilizam esses dados para gerar mais e mais valor, lucrando a cada clique e a cada interação individual com suas múltiplas interfaces. Para isso, manipulam corações e mentes das pessoas, criando a ilusão de dar a elas o que querem. As grandes corporações de tecnologia são o cérebro que comanda a contrarrevolução cultural do neoliberalismo. Elas realizam o ideal de Thatcher do fim da sociedade. 

Essas multinacionais do chamado setor digital, na sua maioria concebidas no Vale do Silício nos Estados Unidos, contribuem para acentuar o domínio do poder econômico sobre o poder político e do imperialismo sobre os povos. Ameaçam, portanto, a democracia. Promovem uma violenta contrarrevolução cultural neoliberal. A contrarrevolução do individualismo, do consumismo, da prevalência do privado sobre o público.

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O que seria possível fazer diante dessa realidade? O problema está nas máquinas? Na tecnologia? Não proponho que façamos como os ludistas, que diante da primeira revolução industrial, tentaram quebrar as máquinas. Não é a técnica que destrói direitos trabalhistas, que nega atendimento médico a pessoas acometidas de COVID-19. Esse estado de coisas é sempre uma decisão política. Os mesmos avanços científicos e técnicos que hoje são limitados pela produção capitalista, visando o aumento da exploração, a maximização do lucro, o incentivo de guerras pelo mundo, pode ser usado a favor das pessoas, da classe trabalhadora.

É preciso republicizar os debates que foram capturados pelas plataformas privadas. É preciso desfazer as falsas polarizações criadas pelo shopping center de ideias que se instaurou nas sociedades contemporâneas. A esquerda não pode enxergar como inimigas as pessoas que questionam "tudo que está aí". Precisa retomar seu lugar de contestadora da ordem e retomar a capacidade de mobilização das pessoas em torno da necessária ideia de transformar a sociedade para que ela efetivamente possa ser chamada assim, para fazer um novo contrato social que possa incluir todas as pessoas. 

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O que é ser de esquerda no Ocidente capitalista do século XXI, senão questionar "tudo o que está aí"? Evidentemente, não nos ancoramos em ideias anticientíficas pra questionar o que é vigente. Mas não podemos deixar o questionamento abandonado, pois não há espaço vazio na política. E o espaço da contestação está sendo ocupado por seitas conspiracionistas, anticientíficas, fundamentalistas. As forças de extrema-direita estão aproveitando as insatisfações antissistêmicas em alguma medida porque as forças da esquerda têm se demonstrado ineficientes para captar essa insatisfação. Estamos nós satisfeitos com a sociedade que nos tornamos? Uma sociedade Thatcherista, do cada um por si, onde os fracos não tem vez? Estamos felizes aprisionados na grande teia cibernética que extrai mais valia de todas as interações humanas? O mercado de dados está sendo gerenciado sem nenhuma regulação e pouquíssimas vozes a ela resistentes. As sociedades precisam lutar contra isso. É possível mudar. A luta humana já interrompeu mercados poderosos como o mercado de escravos. É preciso lutar par colocar a tecnologia a serviço das pessoas e não do dinheiro.

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