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Pedro Maciel

Advogado, sócio da Maciel Neto Advocacia, autor de “Reflexões sobre o estudo do Direito”, Ed. Komedi, 2007

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“Corporativismo do mal”

A “banalidade do mal” não é exatamente o desejo ou a premeditação do mal, personificado e alinhado a um sujeito demente ou demoníaco. Mas, como postura política e histórica, e não ontológica, a banalidade do mal se instala por encontrar o espaço institucional, criado pelo não pensar, pela busca das pequenas vantagens e nos remete à filosofa Hannah Arendt

Filósofa Hannah Arendt (Foto: Leonardo Attuch)
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Bem, eu estava tranquilo no escritório - tão tranquilo quanto possível num país com seiscentos mil mortos por COVID, inflação e desemprego em dois dígitos -, quando recebi convite, assinado por um colega advogado, para que eu comparecesse no dia “d”,na hora “h”, a audiência onde seria ouvido como testemunha numa reclamação trabalhista. 

Observei que o reclamante havia sido funcionário de um casal de amigos, ele advogado, ela juíza do trabalho; conheci o reclamante nessa condição. 

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Pensei: “o que eu posso saber, ou dizer, que não seja conhecido por todos?”.

Liguei imediatamente para o advogado do reclamante e pedi a cortesia de me dispensar, contudo, ele, polidamente, disse que o meu testemunho seria necessário para comprovação da verdade dos fatos.  

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O artigo 825 da CLT diz que as testemunhas comparecerão à audiência “independente de intimação”, e que no caso de não comparecimento, serão intimadas pelo juízo, de ofício ou a pedido, sob pena de condução coercitiva. 

Compareci ao dia e hora constantes no “convite”, e, depois de mais algumas horas de espera, uma funcionária federal, muito gentil, me dispensou. Imaginei que tivessem feito acordo, algo tão comum.

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Passados alguns anos, fui novamente convidado para audiência do mesmo caso, agora virtual; lembrei do risco da condução coercitiva, me fiz presente, civicamente, à disposição do processo e o juízo. 

Agora, “senta que lá vem história”. 

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O título do artigo faz referência à “banalidade do mal”, que é a mediocridade do não pensar.

A “banalidade do mal” não é exatamente o desejo ou a premeditação do mal, personificado e alinhado a um sujeito demente ou demoníaco. Mas, como postura política e histórica, e não ontológica, a banalidade do mal se instala por encontrar o espaço institucional, criado pelo não pensar, pela busca das pequenas vantagens e nos remete à filosofa Hannah Arendt.

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Arendt, que esteve presente em todas as etapas do julgamento do oficial nazista Adolf Eichmann, e, na função de correspondente do jornal americano The New Yorker, o entrevistou; identificou na conduta de Eichmann um indivíduo incapaz de realizar o ato de pensar e constituir um juízo reflexivo e crítico; era apenas um homem comum, suas palavras, a forma de se expressar eram feitas por sentenças prontas, praticamente robotizadas, por exemplo: “minha honra é minha lealdade”.

Tamanha era a lealdade do oficial nazista que ela o impedia de tomar decisões por si só, pois apenas cumpria ordens, de forma irrefletida e meticulosa; cumprindo dessa forma o juramento irrestrito de fidelidade ao partido que o nomeara Oficial da Gestapo, sem se preocupar com a questões ética, moral ou de justiça.

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O “pensar e agir” é a questão sobre o que escreveu Arendt; o pensar livre, a análise crítica sobre o que fazia teria impedido que Adolf Eichmann fosse o responsável por milhares, talvez milhões de mortes, mas ele era incapaz de pensar.

Mas, qual a relação entre a categoria filosófica denominada de “banalidade do mal”, e o “corporativismo do mal”, repito, no sentido de defesa exclusiva dos próprios interesses profissionais por parte de uma categoria funcional; espírito de corpo ou de grupo?

Testemunhei o corporativismo do mal na audiência virtual, que assisti na integra, logo depois do depoimento pessoal das partes; foi uma das farsas que testemunhei na minha “vida forense”, e vejam, conto com quase quarenta anos de caminhada acadêmica e profissional.

Outros fatos já me indignaram, alguns se aproximam desse corporativismo do mal patrocinado por caricaturas apáticas, e as vezes cínicas, cujo único objetivo era fazer parecer tudo legal, pois, como eu disse uma das reclamadas é uma juíza do trabalho.

Fui contraditado pela reclamada, uma contradita bem ensaiada e apressadamente deferida pela “caricatura-juíza”, o que afastou o meu testemunho, sob alegação que como fui advogado do reclamante, em questões posteriores aos fatos objeto da reclamação, e que não se relacionam com o objeto da reclamação trabalhista, mas que por isso eu teria “interesse” na causa. 

É verdade que o sigilo das informações disponibilizadas pelos clientes a seus Advogados é um dos princípios básicos da advocacia, inerente ao exercício da profissão; e da mesma forma que o Advogado é inviolável por seus atos e manifestações, nos termos do art. 133 da Constituição Federal, as informações confidenciais de seus clientes também são invioláveis, mas naquela audiência nenhuma informação que eu pudesse compartilhar com o juízo decorreria do exercício profissional.

E o artigo 26 do Código de Ética determina que "o advogado deve guardar sigilo, mesmo em depoimento judicial, sobre o que saiba em razão de seu ofício, cabendo-lhe recusar-se a depor como testemunha em processo no qual funcionou ou deva funcionar, ou sobre fato relacionado com pessoa de quem seja ou tenha sido advogado, mesmo que autorizado ou solicitado pelo constituinte", não sobre outros fatos.

Caberia a mim, cumprir os termos no artigo art. 7º, XIX do Código de Ética e recursar a depor como testemunhas “... em processo no qual funcionou ou deva funcionar, ou sobre fato relacionado com pessoa de quem seja ou foi advogado, mesmo quando autorizado ou solicitado pelo constituinte, bem como sobre fato que constitua sigilo profissional", o que não teria sido o caso.

Mas não é só. 

Como regra, a todos incumbe o dever de colaborar com o judiciário na apuração da verdade, há, contudo, hipóteses na lei processual civil nas quais a pessoa, seja por seu estado pessoal, seja por sua relação com as partes, está desobrigada de tal dever e, mais ainda, há casos em que não pode prestar testemunho em juízo, em razão de impedimento, suspeição ou incapacidade. 

No caso do Advogado que esteja assistindo ou tenha assistido às partes, nos termos do artigo 405, § 2º, III, do Código de Processo Civil, está impedido de depor, mesmo assim, seu testemunho apenas pode ser colhido caso tal providência seja estritamente necessária a esclarecimento de fato controverso na demanda, quando o testemunho será prestado independentemente de compromisso, funcionando o Advogado como informante do Juízo, devendo o juiz atribuir às suas declarações o valor que possa merecer, nos termos do artigo 405, § 4º do CPC, mas caricatura que simulava a prestação jurisdicional ignorou o comando processual.

Vejam, quando a prova testemunhal diz respeito a fato relativo à relação profissional do Advogado com uma das partes, incide o disposto no art. 406 do CPC, segundo o qual a testemunha não pode ser obrigada a depor sobre fatos a cujo respeito, por estado ou profissão, deva guardar sigilo, mas não é o caso.

Mesmo o Código de Processo Penal estabelece, em seu artigo 207, que "são proibidas de depor as pessoas que, em razão de função, ministério, ofício ou profissão, devam guardar segredo, salvo se, desobrigadas pela parte interessada, quiserem dar seu testemunho", noutras palavras nem na lei processual penal o Advogado perde a qualidade de testemunha, podendo, autorizado por seu cliente, depor em seu favor.

Não sei se o meu testemunho seria indispensável ou desnecessário, pois outra testemunha do reclamante foi ouvida, contudo o show de horrores se seguiu quando da oitiva das mentirosas testemunhas da juíza-reclamada. 

As testemunhas da reclamada mentiram desavergonhadamente, e o bem estudado e ensaiado roteiro das testemunhas da reclamada não chamou atenção da “caricatura-juíza”.

Fato é que a juíza-caricatura, buscou o tempo todo defender o “colega” de corporação, em detrimento da verdade, isso pode ser reflexo de uma sociedade em que a maioria das pessoas não tem uma personalidade forte o bastante para refutar e subverter a lógica social em que está inserido e para empunhar a ética.

Enfim, o Advogado não pode prestar depoimento apenas sobre fatos que constituem sigilo profissional, por se tratar de vedação de "ordem pública". 

Nesse sentido, o Tribunal de Ética e Disciplina da OAB/SP acabou editando a Resolução nº 17/2000, que em seu art. 2º dispõe: “Não é permitida a quebra do sigilo profissional na advocacia, mesmo se autorizada pelo cliente ou confidente, por se tratar de direito indisponível, acima de interesses pertinentes, decorrente da ordem natural, imprescindível à liberdade de consciência, ao direito de defesa, à segurança da sociedade e à garantia do interesse público." 

Por outro lado, o Advogado, quando solicitado pelo cliente, pode prestar depoimento sobre fatos que, em seu entendimento, são necessários à defesa dos interesses de seu cliente, estando, assim, "liberado" do sigilo profissional. 

Como "juiz de seus próprios atos", cumpre ao Advogado discernir sobre quais fatos podem ser revelados "no estrito interesse da causa", respondendo pelos excessos cometidos. 

Nesse sentido, o entendimento do Tribunal de Ética e Disciplina da OAB/SP é no sentido de que o Advogado convocado para prestar depoimento em audiência como testemunha em processo envolvendo ex-cliente, neste caso, está liberado para o depoimento, desde que observado o estrito interesse da causa, tendo em mente que é ele, advogado, o melhor juiz de seus atos. 

Não podemos esquecer ainda que há responsabilidade do advogado pelo excesso que venha a cometer, conforme previsto no art. 6º, parágrafo único, da citada Resolução, não havendo violação ética, no caso de confirmar ou negar fatos. Submeto às críticas.

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