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Pedro Cláudio Cunca Bocayuva

Professor do PPDH do NEPP-DH/UFRJ

31 artigos

blog

Covid19: pandemia global e política sanitária

O novo paradigma teórico crítico se firma desde a problemática que coloca em questões e força novos conflitos que remetem para a espacialidade, para os lugares, para a relação entre mobilidade e território desafiando e implodindo as arquiteturas e dispositivos, tanto de disciplina quanto de controle

(Foto: Divulgação)
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O direito humano a saúde se tornou o centro dos debates internacionais com a pandemia do Covid-19. O quadro de agravamento dos efeitos da pandemia deve ser pensado no quadro mais amplo da urbanização planetária, da aceleração dos eventos extremos com a globalização das finanças, das comunicações e das mercadorias que se relaciona com a mobilidade e fluxo de pessoas. Os movimentos do capital, das informações, das rotas de comércio, de mobilidade do trabalho e das atividades turísticas se enlaça com o quadro de catástrofes, expulsões e fugas que fazem das correntes migratórias um tema que divide as sociedades nacionais. O panorama global das guerras se relaciona com a produção dos grandes movimentos de expulsão e fugas, ao lado dos “desastres" ambientais temos o espetáculo explosivo do fluxo de pessoas e das imagens das disputas e processos que levam a constituição dos “campos” como um novo território ou fronteira de exclusão. Do turismo ao terror, o trauma e as catástrofes se tornam parte do imaginário. Fomes e epidemias aparecem ao lado de catástrofes naturais e genocídios frutos das muitas guerras travadas contra as populações. 

As batalhas por alimentos, fontes de energia, matérias primas e recursos hídricos acompanha os quadros onde a urbanização se faz com o impulso de ciclos de infecção, por vírus e bactérias, que fazem parte dos objetos que ganham centralidade nas pesquisas, nas páginas das manchetes e do espetáculo virtual com os temas da dor, do sofrimento, da morte, das muitas privações e da crueldade que atingem a humanidade a partir do excesso negativo gerado pelo progresso com seus efeitos de barbárie. Neste quadro, de " trauma e catástrofe" ou de "riscos", a nova pandemia foi oficializada pela Organização Mundial da Saúde (OMS) e ganhou destaque nas mídias, se projetando sobre o cotidiano pondo em paralelo os fluxos de informação e de infecção, o virtual e o viral. 

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A pandemia virou a significante chave que trata do real da crise orgânica global e expressa o fenômeno da mundialização, na chave da reprodução social que se relaciona com os fenômenos extremos na escala das grandes questões da demografia, da geopolítica e da ecologia. O novo paradigma teórico crítico se firma desde a problemática que coloca em questões e força novos conflitos que remetem para a espacialidade, para os lugares, para a relação entre mobilidade e território desafiando e implodindo as arquiteturas e dispositivos, tanto de disciplina quanto de controle. A anarquia neoliberal, o darwinismo social, o saque das fontes da vida coloca em questão a desmedida do excesso e os limites da ação de exceção pela via da guerra. 

As máquinas de guerra também sofrem os efeitos da sua impossibilidade de lidar com seu próprio processo de corrupção material, moral e político. A gestão da vida pela administração do medo demonstra os limites dos discursos econômicos sobre crescimento, dos discursos religiosos sobre salvação e das tentativas de respostas pelas saídas fragmentadas. O colapso dos Estados nacionais e dos sistemas de proteção, assistência, saúde e de geração de emprego e renda, reaparece de forma concentrada sob a forma de uma economia política relacionada ao quadro epidemiológico e sanitário. Uma inversão de prioridades que já estava presente no debate norte-americano questiona a pseudo segurança dada pela troca de direitos por segurança que foi promovida na era da guerra ao crime que arrasou a ampliação social do Estado. O tema que também se manifestava na polarização entre guerra às drogas ou políticas de novo tipo sanitárias e de controle para a “canabis”, se repetem com suas muitas variações em todos os âmbitos. Quase sempre se divide a definição sobre o problema prioritário e sobre as soluções. Na atualidade ao menos os consensos começam a se manifestar como na questão climática e talvez venha a avançar na mesma direção se a ação das forças locais, nacionais e internacionais convirjam na direção de um paradigma de defesa da vida que afirme a importância de uma plataforma de direitos reprodutivos relacionada a políticas sanitárias, que tenha por foco a saúde coletiva.

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Examinar esta combinação de processos e as suas componentes exige a definição de um marco analítico, a partir dos interesses da maioria da humanidade, levando em conta as divisões e clivagens sociais. O que sugere um olhar que articule a noção de biopoder, com os desafios da montagem de sistemas e políticas que garantam a saúde pública por meio da saúde coletiva. 

O tema do acesso universal às condições de tratamento médico e de infraestrutura sanitária adequada se tornou parte da cena mundial. A questão da reprodução e saúde das populações se apresenta como um debate que reforça as intersecções, que se transnsversaliza, ao lado do debate sobre o saneamento ambiental como questão central para ambientes saudáveis. Como pensar as respostas aos riscos e temores ante a nova configuração do quadro sanitário global? O tema das desigualdades e das fronteiras de proteção coloca o desafio bioético, pelo viés da biossegurança global, como parte da questão dos modos de enfrentamento da agenda sanitária.

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O debate remete aos desafios clássicos da montagem dos sistemas nacionais de saúde e vigilância sanitária, das políticas públicas informadas por competências, infraestruturas, meios técnicos e saberes em infectologia, epidemiologia e sanitarismo. A experiência brasileira manteve algumas conquistas, mas que estão sofrendo, com “a PEC do fim do mundo”, com o desgaste crescente dadas opções de privatização, desmantelamento e desqualificação do Sistema Único de Saúde (SUS). Assim como, de sucateamento das instituições que lidam com ciência, tecnologia e, com a falhas no controle de vetores de transmissão de inúmeras doenças. Vivemos um quadro de transmissão de endemias e processos de surtos ou epidemias com a multiplicação da demanda por processos de imunização por vacinação de vários tipos. Apesar de sério e ainda robusto em processos epidemiológicos, o sistema brasileiro esta ameaçado pelo cenário devastador e pelas tendências de multiplicação de relações entre vírus e riscos sanitários crescentes.

 A crise sanitária é muito grave e o atendimento em saúde básica está cada vez mais limitado. O tema dos sistemas sanitários e o acesso a um sistema de proteção, com atendimento adequado, estão no centro do debate que temos de abrir. Isto é, precisamos de uma reflexão imediata sobre a busca do sistema e das políticas de proteção necessárias para o bem-estar coletivo em saúde pública, no contexto do agravamento de ameaças e surtos como o do sarampo e do Covid-19. 

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A dimensão socioambiental global da crise epidemiológica aponta para um enorme desafio na definição das políticas de saúde, para os sistemas de proteção, assistência social, seguridade social e saúde pública . As populações sujeitas a contextos de desigualdade, em meio a quadros crônicos de ausência de saneamento e de atendimento em saúde básica, se tornam muito mais vulneráveis, especialmente nas megacidades. 

A circulação de mercadorias e de pessoas começa a ser afetada, em todo o mundo, pela necessidade de redefinir fronteiras, barreiras e ações como as "quarentenas". Várias crises e o descontrole de vetores em processos de transmissão, agravam a difusão de novas e velhas moléstias. O que se soma a um quadro de circulação e mutação dos vírus dos mais variados tipos. 

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Os conflitos geopolíticos, as barreiras étnicas, militares e econômicas ganham novos contornos com a interação entre epidemias e endemias, guerras civis, guerras coloniais, conflitos de raça, de gênero e de sexualidade. Preconceitos e desinformação se mesclam com batalhas cibernéticas que naturalizam o quadro, que criminalizam e segregam grandes segmentos e camadas da sociedade. A legitimação dos "Estados de Emergência" e a gestão pela administração do medo podem jogar muita água nas tecnologias de poder, pela via do poder de isolamento forçado, do controle de circulação e muito mais. 

A piora na perda das liberdades pode ser inevitável, segundo grande parte dos especialistas, ante o quadro de risco derivado da nova ameaça. Por força do argumento sustentado no fato explosivo de uma pandemia com riscos ainda imprevisíveis.

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As ferramentas e o discurso da ciência estarão no centro de um debate, onde a área de saúde terá um protagonismo decisivo para definir os modos de lidar com o desafio do quadro literalmente virulento de adoecimento. Neste grande debate a complexidade e o mapeamento das ameaças, novas e velhas, colocam em questão o poder do protesto social. Considerando a força do argumento que proíbe manifestações populares, para através do isolamento evitar a transmissão por contato. Mas ao mesmo tempo, este quadro fortalece potencialmente a revolta, pois que, revela o fracasso sistêmico das privatizações e da destruição do Estado de Bem-Estar Social no Brasil e no mundo, com a ausência de planejamento da ação pública que operam via a sustentação de sistemas de proteção universais hoje desmantelados. Vivemos um cenário de ruínas cujo grande exemplo parece ser a Itália. Não foi apenas a lentidão de produzir as respostas, foi a perda de eficácia de sistemas públicos que já viviam sob formas de redução, terceirização e minimalismo que minavam a visão de universalidade que havia se expandido com a Constituição Italiana desde 1948. 

A mobilização de forças e recursos materiais pelo Estado, deve ser acompanhada de decisões que coloquem no centro a resposta do caminho a ser tomado. Dada a disputa entre 3 posições:

1. A posição de responsabilidade e coordenação de esforços através de ações de caráter público. Com a montagem de respostas e sistemas de proteção, controle e tratamento, apoiadas em pesquisa e na massa crítica que defenda o valor dos bens públicos. 

2. A visão de montagem de dispositivos ou máquinas de intensificação da lógica de ações de guerra, visando fortalecer o capital e o poder de enquadrar, segregando, selecionando e classificando. Ao definir populações em termos hierárquicos e de privilégios, próximos das práticas de regimes de controle totalitário. O que grava os processos do tipo GLO- garantia da lei e da ordem. 

3. A visão cínica e irresponsável que nega a existência de ameaças, pois que esta voltada especificamente para a guerra ideológica, que se alimenta da crueldade, da falsidade, expondo as populações a uma lógica de abandono. Deixando as populações nas mãos de forças e estratégias desesperadas de saídas individuais. O que acaba naturalizando a ideia de que, de algum modo, se pode identificar os inimigos, os responsáveis " por construir falsos problemas ou gerar epidemias" para alimentar o medo: sejam petistas, venezuelanos ou chineses, que têm sido os alvos desta cruzada que legítima o direito de matar e mesmo de saquear. 

Vivemos sob uma inversão de valores conhecida, que se soma ao discurso ideológico de extrema direita, sob a forma geral do chamado "negacionismo". Nos próximos dias, em meio a luta por definir as estratégias de isolamento, de como montar e melhor equipar as condições para diagnóstico e tratamento da população brasileira precisamos travar um debate nas redes.

Os diferentes setores da sociedade, em especial as forças que defendem o paradigma da reforma sanitária, devem realizar conferências e encontros eletrônicos promovendo o debate sobre os desafios sanitários e epidemiológicos. Precisamos refletir de forma responsável sobre o risco sistêmico da destruição do SUS e da falta de prioridade em matéria social, da recuperação de bases de atendimento e condições de oferta de serviços necessários no enfrentamento da pandemia do Covid-19, que relaciona exigências que interligam corpo, subjetividade e território. Precisamos de uma mobilização com cooperação e solidariedade na busca da afirmação do direito à saúde na relação com o curto, o médio e o longo prazo ante o quadro sanitário, sem esquecer a recuperação, manejo e abastecimento de recursos hídricos, face aos contextos de desigualdade social e ambiental de nosso país. Para isso é urgente derrotar e descartar o negacionismo de Bolsonaro e filhos, que continuam a impedir uma adequada coordenação da ação do Estado em moldes republicanos. Precisamos nos distanciar do cinismo, da brutalidade e da ignorância que marcam estes tristes personagens.

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