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Rogério Puerta

Engenheiro agrônomo, atuou por doze anos na Amazônia brasileira em projetos socioambientais. Atuou em assentamentos da reforma agrária no Distrito Federal por dez anos e atualmente vive em São Paulo imerso em paixões inadiáveis: música e literatura. Escreveu diversos livros

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Crônicas de um mundo pós-pandêmico: guerra, ódio e zumbis

A raiva e o ódio. Muita gente os trata como irmãos gêmeos, irmãos talvez, mas de personalidades bem diferentes

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Bem conveniente poder matar um bocado de gente que não se gosta. Estraçalhá-los sem piedade, com raiva até. Metralhar, decapitar, machadar a testa e tudo o mais, sem a preocupação de manchar a consciência nem ser punido por isto. Mata-se com a escusa de fazer o Bem, uma espécie de superego às avessas.

Guerras sempre trouxeram de roldão os ódios, sofrimentos, cenários apocalípticos de destruição impiedosa, veículos e pessoas calcinadas, muito cinza e cheiro horrendo que se esconde por detrás das imagens. O palco montado para os demônios criados pela Humanidade, o inferno dito e feito, mutações radioativas em consequência, cães de rua carniceiros nascendo com cinco pernas, baratas do tamanho de ratos. Contaminações consecutivas, superbactérias, vírus cultivados em laboratórios, fungos capazes de cegar os soldados expostos em linhas de combate inimigas.

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Um pouco mais de criatividade e extrema necessidade de extravasar ódios e ressentimentos em quem não esteja na crueza das batalhas em si, as populações que acompanham pela tevê o sensacional e aderente aos olhos espetáculo da guerra. Sem pegar em armas, descarregam ódio de outra forma. Metralhar, decapitar, machadar a testa. Conveniente o álibi de fazer tudo isto, aos ucranianos, talvez em russos, aos russos, talvez em estadunidenses, e por aí vai uma lista longa dentre nações geralmente fronteiriças. Para limpeza de consciência, eis que a Humanidade criou a figura dos zumbis, convenientes zumbis sem alma sequer, sem vida ou algo assim, mas, por óbvio, com uma nacionalidade comprovada, cor da pele, origem étnica e tudo o mais em conveniência.

Há tempos se pesquisa e se polemiza acerca de videogames. Benefícios ou malefícios. Desde os primeiros, talvez com exceção do inofensivo futebol e tênis de simplórias barras e pontos na tela, mas mesmo desde o primeiro Atari já havia, ao menos, um bocado de tiros, destruição e até mesmo um jogo explicitamente erótico. Que não se diga pornográfico, honestas e dignas prostitutas, defenestradas, injustiçadas, têm elas filhos sim, filhos e filhas, são mães de família e criam e educam filhos da prostituta, da puta pra quem queira as ofender.

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Então funcionaria tal qual válvula de escape, matar gente ou ser violento em um videogame e, dez minutos depois, ir à missa de domingo ou ao passeio no parque com os filhos, comer um pernil no Natal. Válvula de escape tais quais tantas outras objetos de estudos. Ouvir heavy metal, comprovou-se, aciona regiões cerebrais associadas ao prazer, o prazer de se fazer, por alguns minutos, o que se deseja, sem amarras, sem tabus, explodir em emoções reprimidas, pular em excitação, gritar a plenos pulmões, o mais alto que se consiga, em um local ermo onde ninguém o escutará ou o ridicularizará. Assim você pode gritar sem sequer se importar com a entonação que emitir, pode até falhar, soar rouco ou agudo, ridículo até, mas você estará só, você e a natureza ampla e infinita, e não haverá qualquer mínima razão para sentir vergonha ou arrependimento de coisa alguma. 

Deve haver um acionador mental que nos impeça ou nos impila a agir, ou que nos trave. Uma coisa é sentir a vertigem, que dizem ser o impulso, de lançar-se de um alto edifício. Outra coisa bem diferente é realizar a ação em si. Então há alguma trava, que em dado momento não nos parece tão segura de funcionar a contento.

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Plausível haver alguma pequena percentagem de pessoas dentre uma ampla população que tenham dificuldade em travar tal mecanismo mental, psicopatas e temporariamente perturbados talvez. Implausível haver alguém que, sem qualquer aviso prévio, sai pela rua atirando na cabeça dos outros, afinal ao que dizem, para se matar um zumbi necessário se faz atingir o cérebro. Dizem.

Complica muito quando a religião entra no meio. Alegariam que o assassinato a sangue frio foi cometido por obsessão demoníaca, uma ação de perpetradores fora de si. Religião complica um bocado de coisa. Ajuda também, mas atrapalha.

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A raiva e o ódio. Muita gente os trata como irmãos gêmeos, irmãos talvez, mas de personalidades bem diferentes. A raiva de eventualmente olhar-se ao espelho e finalmente dar-se conta de que algo precisa ser feito, um chacoalhar estúpido na própria vida, sair na inércia letárgica, deixar de pensar de forma tão pessimista e passar com ímpeto à proatividade. Raiva portanto. 

Ódio tende a ser cego, surdo e mudo. Odiar por se odiar, no fundo bem fácil se admitir que o ódio sentido seja decorrente direto de uma frustração pessoal, de algo que se julga fortemente injusto, de algo que se admita ser impensável aceitar sem violenta rebeldia. 

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Em um planeta Terra pós-pandêmico de primeiras décadas do século XXI, rancores domésticos e exóticos dentre o contexto geopolítico mundial, necessário se fará aos menos sensatos e mais desequilibrados passar alguma parte do tempo a temperar e aprimorar a necessidade de odiar algo ou alguém.

Se a receita deste tempero elaborado que envolvia a figura expressiva dos zumbis urbanos estiver desgastada pelo uso, outra receita se criará. Então será possível metralhar, machadar a testa, decapitar, explodir, queimar, extravasar ódio e rancor em populações inteiras, gente e mais gente, ambos sexos, qualquer faixa etária e, ainda por cima, com o grande privilégio e conveniência de se poder eleger origem étnica, cor da pele, orientação sexual, segmento político. 

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Depois do adrenocromo, alienígenas reptilianos dentre nós, criacionismo, terraplanismo, conspirações pedófilas satânicas e tudo o mais, a ninguém surpreenderá se novas sagas de zumbis imaginários aparecerem dentre alguns e algumas que frustrados e frustradas não sejam capazes de pagar em armas em reais batalhas, mas jamais deixarão de exercer e destilar seus ódios ao conforto de seus abastecidos lares e círculos familiares. 

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