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Jônatas Aarão

Professor assistente na Unesa e doutorando no programa de pós-graduação em economia da UFF

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Dependência a la Brasil: a verdadeira causa da crise econômica brasileira

Para garantir as condições para a reprodução dos trabalhadores enquanto classe é fundamental romper com a estratégia neoliberal de desenvolvimento

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Um dos argumentos dos analistas econômicos em geral, inclusive do (super)ministro da economia, Paulo Guedes, é que a economia brasileira sofreu um “choque externo”, oriundo da pandemia do Covid-19, que seria a causa da crise econômica. O objetivo deste breve artigo é apresentar elementos para sustentar que na realidade a irrupção da crise já se apresentava como possibilidade real bem antes da adoção, por parte dos governos estaduais e do ministério da saúde, de medidas restritivas para a circulação de pessoas em função da pandemia. Argumenta-se que a crise tem origem na própria forma de inserção da economia brasileira no capitalismo global - que se caracteriza principalmente pela ampliação dos instrumentos financeiros de acumulação de capital - sendo a pandemia apenas um fator que acabou por precipitar a irrupção da crise.

Em um primeiro momento, é importante explicar o que, afinal, significa o termo “choque externo”, sempre utilizado pelos economistas brasileiros para eximir o capitalismo e seus gestores, os economistas, da responsabilidade sobre a crise. Como se sabe, a teoria econômica, com poucas exceções dignas de nota, erige da formulação de modelos ideais. Estes modelos, como o próprio Friedman aponta, não têm a intenção de explicar a complexidade da realidade econômica, mas sim conferir ao economista alguma capacidade de prever o comportamento das variáveis-chave da economia. Não obstante, quando ocorre algum evento que escapa aos modelos ideais, como, por exemplo, uma pandemia de magnitude até então desconhecida, a economia, enquanto reprodução do ideal sobre o real, sofre um “choque externo”. Em suma, o “choque externo” é um evento aleatório, circunstancial, imprevisível. Em casos assim, os economistas são surpreendidos, e, portanto, só lhes resta a administração ex-post da crise que, supostamente, não é produto do próprio sistema. A crise atual, de acordo com Paulo Guedes e seus colegas de turno, seria resultado de um evento “aleatório”, “inesperado”, e não consequência do próprio modus operandi do capitalismo em terras tupiniquins. No entanto, este argumento possui uma fragilidade que reside na incapacidade dos defensores desta tese em observar algo que, a partir de um olhar mais atento e cuidadoso, aparece de maneira clara: o caráter dependente da economia brasileira. Existem múltiplos aspectos que conferem à economia brasileira um caráter dependente. Chama-se a atenção para os aspectos financeiros desta dependência. 

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Com a crise do keynesianismo e dos Estados de bem-estar social nos idos dos anos 1960/70, o capitalismo precisava criar espaços que propiciassem a valorização de um capital estagnado, paralisado. Foi a partir deste diagnóstico que surgiu a estratégia de desenvolvimento pautada no neoliberalismo, bem como a criação de instrumentos financeiros de valorização de capital. Mas, no que consistiam essas modificações? No Brasil, desde a década de 1990 o neoliberalismo ensejou um sistemático processo de privatizações, abertura comercial – com a redução de barreiras aos produtos importados – flexibilização do mercado de trabalho e a desregulamentação do mercado financeiro. 

A ampliação da entrada de capitais externos via investimento em carteira, em detrimento de investimento externo direto, é uma das características da desregulamentação financeira. Isso porque com este processo, o investidor tem menos barreiras para retirar o seu capital do país. Sinteticamente, ao facilitar a retirada de capitais através da desregulamentação financeira a partir da década 1990, aprofundada nos anos 2000, a economia brasileira passa a atrair capitais cada vez menos preocupados com a atividade produtiva propriamente dita. São atraídos para o Brasil agentes que investem no mercado brasileiro com o objetivo exclusivo de se apropriar de rendimentos no curto prazo, sem a menor preocupação se estes rendimentos são oriundos da atividade produtiva. Por esse motivo, esses capitais têm caráter extremamente especulativo. O drama é que em função da desregulamentação financeira a produção nacional se torna cada vez mais dependente dos capitais especulativos de curto prazo oriundos do exterior, sem, no entanto, ter a certeza se, de fato, poderá contar com estes capitais durante o processo de produção. A desregulamentação financeira, portanto, produz efeitos deletérios para a economia brasileira, posto que se por um lado ela acelera a rotação de capital e cria novos espaços de valorização para um capital que outrora se encontrava paralisado, por outro engendra um descompasso entre a expectativa do que pode ser produzido e aquilo que efetivamente se produz, em virtude da velocidade com que esse capital entra e sai do país. Não é por outro motivo que no ano de 2019 a bolsa de valores brasileira tenha batido recordes de pontuação – fechando o referido ano com 115.645 pontos – porém o crescimento do PIB do país tenha sido tão pífio (apenas 1,1%). A quantidade de papéis negociados em função das expectativas de curto prazo dos investidores não encontrou contrapartida real na atividade produtiva nacional. Eram “capitais fictícios”. O caráter fictício/especulativo destes capitais veio à tona logo nos primeiros meses do ano de 2020. No dia 07 de Março, i.e., antes dos governos estaduais e do ministério da saúde anunciarem as medidas de isolamento social, as quais indubitavelmente terão impacto negativo gigantesco na produção nacional, a bolsa de valores brasileira já apresentava forte correção, com os investidores estrangeiros retirando R$ 44,798 bilhões do país. Essas cifras representam uma fuga de capitais maior do que a que ocorreu em todo o ano de 2019 (R$ 44.517 bilhões), cujas cifras que representam fuga de capitais já eram cifras recorde. Além disso, as cifras dos primeiros 3 meses de 2020 representam a maior fuga de capitais em toda a América Latina. 

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Este quadro de correção demonstra que no primeiro sinal de dificuldade de recuperação da atividade produtiva no Brasil, materializada na inexpressiva retomada de investimento privado, emprego, renda, etc., os investidores estrangeiros rapidamente retiram seus capitais do país, recorrendo a ativos mais seguros e rentáveis. O resultado inexorável deste processo é uma retração ainda maior da atividade produtiva brasileira, uma vez que a intensificação da fuga de capitais gera um ambiente ainda mais incerto para o capitalista investir produtivamente. 

Com efeito, embora seja correto afirmar que com a chegada do covid-19 de vez ao Brasil, a crise e, por conseguinte, a retração da atividade produtiva foi precipitada e, de fato, impulsionada, não se pode atribuir ao covid-19 a explicação para a crise. Esta, como se demonstrou acima, é resultado da própria lógica da acumulação capitalista, aprofundada e intensificada pela desregulamentação financeira impetrada pela estratégia neoliberal de desenvolvimento e crescimento. 

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A boa nova é que com a crise se abrem necessariamente novas possibilidades. Se, por um lado, da crise podem surgir novas formas para o capital recompor sua taxa de lucro, restaurar a unidade produção-apropriação e criar novos espaços de valorização através do aprofundamento da estratégia neoliberal, por outro, estão postas as condições objetivas para que as economias dependentes possam mudar sua forma de inserção no capitalismo global. Nesse sentido, é fundamental defender que se estabeleça uma maior regulamentação do mercado financeiro, com a adoção, pelo governo brasileiro, de mecanismos de controle de capitais, a fim de brecar a intensa volatilidade do mercado de capitais no Brasil e, assim, diminuir a vulnerabilidade externa da economia brasileira em relação ao exterior. Além disso, é preciso reverter as privatizações e ampliar o investimento estatal, a fim de manter ou até mesmo aumentar o nível de emprego e renda e garantir o atendimento das demandas sociais por saúde que já existiam, mas que ganharam maior força com o avanço da pandemia.

Em suma, para garantir as condições para a reprodução dos trabalhadores enquanto classe é fundamental romper com a estratégia neoliberal de desenvolvimento. Em tempos de crise econômica e social, minimizar a vulnerabilidade externa da economia brasileira, diminuindo sua dependência em relação a conjuntura internacional e os interesses dos capitais especulativos de curto-prazo, é o primeiro passo. A partir daí, é possível pensar em uma nova forma de inserção da economia brasileira no capitalismo global. Mais altiva, soberana e que defenda os interesses econômicos e sociais de seu povo, principalmente da fração historicamente mais fragilizada deste povo: os trabalhadores. 

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