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Daniele Barbosa Bezerra

Doutora em Educação (UFC), professora, pesquisadora de gêneros biográficos e memorialísticos, contista e cronista.

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Desabafo da Ema

“Já tinha ouvido falar que esse homem com jeito de maluco e língua presa nutria uma queda por bichos de pena. Não era uma admiração contemplativa, nem muito menos platônica, antes fosse. O sujeito na sua tenra idade, se atracava com as irmãs galinhas para obter delas favores sexuais

“Já tinha ouvido falar que esse homem com jeito de maluco e língua presa nutria uma queda por bichos de pena. Não era uma admiração contemplativa, nem muito menos platônica, antes fosse. O sujeito na sua tenra idade, se atracava com as irmãs galinhas para obter delas favores sexuais. Corria a bico miúdo que quando o moleque asqueroso chegava junto ao galinheiro, era galinha correndo para tudo o que é lado, com medo de ser o prato da vez, dos seus apetites mundanos.  

Suspirei aliviada, quando numa entrevista o já homem, outrora menino das galinhas, respondeu a um jornalista que usava dinheiro público para comer gente. Para todas nós, adornadas com penas, foi um alívio. Parecia que ele havia esquecido o passado tenebroso de violência contra as bicudinhas. 

Com a notícia, todos os galinheiros do país promoveram festas animadas com direito a rações especialíssimas, água farta e todos os alimentos à base de milho. Afinal, a boa nova não poderia ser melhor; as bichas de pena estariam livres do violentador, para sempre. 

Ledo engano, quando menos se esperava, o perverso estava a rondar o nosso espaço, nos oferecendo guloseimas, como uma forma de nos seduzir. Agora que está mais velho e não pode atacar as baixinhas (seus joelhos não funcionam mais), resolveu nos perseguir, pois somos altas, esguias e com todo o respeito às coleguinhas, bem mais atraentes. Chegou como não quisesse nada, acompanhado, falando baixo e com a mão abarrotada de alimentos, tal qual um pedófilo distribuindo doces para as criancinhas. 

Ávida por uma justiça emplumada e com a intenção de colocá-lo no seu lugar, dei-lhe uma bicada para que o sujeito não esquecesse a ira de uma pescoçuda. Meus pais, Sr.Emanuel e Sra Ematerna, não gostaram do que fiz; temeram pela nossa segurança, pois o homem tem fama de querer destruir quem o contraria. 

Não me arrependi. O nojo foi tão grande, tão grande, que não dava mais para aceitar que aquele imundo chegasse perto de qualquer ser, com ou sem penas. Recebi apoio de todos os galinheiros e fazendas de irmãs plúmeas e até mesmo da espécie humana. Fiquei mais empoderada e minha família mais tranquila.

Acreditei que depois dessa, o delinquente verde amarelo, desistiria de me perseguir. Mas que nada! Como um machinho que não suporta levar um não da sua conquista, partiu para o revide. Tinha que mostrar ao mundo que conseguiria o seu intento. Reapareceu das trevas planaltiana, com uma caixinha na mão, acenando para mim. 

Incrédula da bestialidade do ser, fiquei me perguntando que diabos teria ali dentro. Uma amiga vendo a presepada do indivíduo, confidenciou-me, ao pé do ouvido, que era um veneno que já havia matado muita gente no Brasil. Com mais ódio, cheguei perto do mulambento, bem mansinha, e dei-lhe uma nova bicada para que ele não me tratasse como os bichos do seu cercadinho. A partir de então, todos os galinheiros e fazendas estão em alerta. Parece que o bicho papão voltou.”

* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.